sábado, 25 de junho de 2011

Faz sentido controlar a inflação elevando a Selic?

FERNANDO FERRARI FILHO E ANDRE DE MELO MODENESI


Nos últimos anos, os mercados de commodities têm sido influenciados pelo processo de globalização financeira, entendida como financeirização da riqueza. Nesses mercados, tem-se observado uma dinâmica especulativa na formação de seus preços. Esse comportamento especulativo dos preços das commodities, especialmente agrícolas e energéticas, explica boa parte das pressões inflacionárias globais, em 2007 e 2008.  Essas pressões voltaram à tona no segundo semestre de 2010 e têm sido um dos principais responsáveis pela inflação mundial.
Como resposta a esse tipo peculiar de inflação - que vem pelo lado dos custos e, não, da demanda -, as autoridades econômicas internacionais adotaram políticas de elevação dos juros. Em uma situação em que a recuperação da economia mundial está longe de consolidada, essas autoridades deveriam elevar os juros para conter os efeitos (secundários) sobre a inflação doméstica oriundos de choques exógenos protagonizados pela alta das commodities?
No Brasil, infelizmente, o Banco Central (BC) parece entender que sim. Em linha com o regime de metas de inflação, a Selic é tida como o instrumento mais indicado para debelar as pressões inflacionárias - independentemente de sua natureza.
Assim sendo, com o intuito de desaquecer a economia e, portanto, conter o avanço dos preços, iniciou-se novo ciclo de alta da Selic no ano passado (atualmente ela se encontra em 12,25%). Todavia, a despeito das recorrentes elevações da Selic, a inflação brasileira continua se acelerando. Por uma razão muito simples: a inflação brasileira, assim como a de outros países emergentes, não é predominantemente de demanda.

SEGUIREMOS BATENDO RECORDES MUNDIAIS
DE JUROS, SEM QUE A INFLAÇÃO SE REDUZA DE FORMA CONTUNDENTE

Vejamos, portanto, nosso argumento de que a atual inflação brasileira não decorre de um excesso de demanda. Nos últimos 12 meses, entre junho de 2010 e maio de 2011, o IPCA acumulou alta de 6,55%. A contribuição, aproximada, de cada grupo de produtos para o referido valor foi a seguinte: alimentos e bebidas, 2,0%; transportes, 1,1%; educação, 0,6%; despesas pessoais, 0,8%; vestuário, 0,5%; habitação, 0,8%; saúde e cuidados pessoais, 0,6%; artigos de residência, 0,1%; e comunicação, 0,1%. Os grupos alimentação e bebidas e transportes - influenciados pelo choque internacional das commodities - foram responsáveis por quase metade da inflação, nos últimos 12 meses.

Considerando-se que a inflação brasileira deriva, fundamentalmente, de choques de preços internacionais, contrair a política monetária não é a solução mais apropriada.  Além disso, vale lembrar que, em condições normais, conter a inflação com origem no lado da oferta por meio de elevação da taxa básica de juros acaba gerando um sacrifício adicional.
Por quê? Porque, por um lado, atua-se meramente sobre os sintomas e não sobre as causas da inflação.

Nesse caso a política monetária meramente conteria os efeitos secundários da inflação importada: ao retrair a atividade, coibiria o repasse dos preços externos para os preços domésticos. Por outro lado, porque, ao se restringir a política monetária amplia-se o impacto recessivo de uma elevação dos custos de produção.

Isso é verdade, mesmo na hipótese de que o mecanismo de transmissão da política monetária funcione perfeitamente. A questão é que, no caso brasileiro, esse mecanismo não tem funcionado adequadamente. Nesse sentido, pode-se explicar a persistente coexistência de taxas reais de juros anomalamente altas (somos recordistas nesse critério) com níveis relativamente elevados de inflação. Em outras palavras, o IPCA tem-se mostrado pouco sensível ao nível de atividade econômica. Portanto, o BC não tem sido capaz de trazer o IPCA para a meta de inflação (4,5% ao ano), apesar das altas taxas.

A existência de problemas no mecanismo de transmissão amplia ainda mais o sacrifício imposto pela política monetária à sociedade brasileira. Nesse particular, não é demais ressaltar que o custo de uma redução da inflação por meio da elevação da Selic tem sido muito alto, pois (1) a economia cresce pouco (temos a pior taxa média de crescimento dentre os países emergentes), (2) o real é umas das moedas que mais se valoriza e (3) as contas públicas são contaminadas, transformando o superávit primário em déficit nominal.

O alto sacrifício imposto pela política monetária à sociedade brasileira torna urgente a busca de mecanismos alternativos de combate a inflação. Ou seja, critica-se a concepção de que a Selic deva ser o único instrumento de combate a inflação. Nesse caso não há “receita de bolo”: pressões inflacionárias com causas distintas devem ser combatidas com diferentes instrumentos. O BC ensaiou uma mudança nesse sentido com o uso das medidas de controle de crédito (acanhadamente denominadas de macroprudenciais) tomadas no final do ano passado.

Entretanto, parece que ele abandonou tal caminho, o que lamentamos, e voltou a elevar a Selic, o que consideramos inapropriado. Infelizmente, indo nessa direção, vamos continuar batendo recordes mundiais em termos de taxas de juros (reais), sem que a inflação se reduza de forma mais contundente.
* Fernando Ferrari Filho é professor titular da UFRGS e Andre De Melo Modenesi é professor adjunto do IE/ UFRJ. Ambos são pesquisadores do CNPq.
Publicado no Jornal Valor Econômico

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