domingo, 19 de julho de 2020

A maneira mais segura de assassinar uma Nação e um povo é assassinar a sua História.


Depois dos acontecimentos do início da década de 90, no Leste europeu, esta verdade não parecia mais necessitar de demonstração
Entretanto, alguns outros acontecimentos recentes, no Brasil, mostraram que o assassinato da História, que para alguns é uma profissão – e rendosa –, é uma obsessão, exatamente, naqueles que já passaram, digamos (e com muito boa vontade nossa), para o acostamento da História.

Estamos nos referindo, entre outras coisas, às versões bolsonaristas ou filo-bolsonaristas (ou cripto-bolsonaristas) sobre os acontecimentos da época da ditadura.

Não haveria, aliás, maior importância em tais versões, se apenas indivíduos algo atrasados mentalmente, como o atual ministro das Relações Exteriores, fossem os seus porta-vozes.


Entretanto, quando o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, declara que prefere não falar em “golpe” mas em “movimento de 64”, não está fazendo algo diferente daqueles que “preferem” considerar que o Sol gira em torno da Terra…


Não estamos, aqui, estudando os motivos oportunistas – ou simplesmente a parvoíce – de tais ou quais indivíduos.
Apenas estamos afirmando que a verdade sobre o passado existe – e ainda que seu significado, para qual ou tal época, possa ser discutido, não há “versão”, não há “narrativa”, mesmo repetida dez milhões de vezes, que possa substituí-la ou transformá-la no seu oposto.

A mentira não se transforma em verdade, mesmo que a repetição seja infinita.


Vejamos o caso de uma de nossas mais decisivas figuras históricas: Luiz Alves de Lima e Silva, o marechal Duque de Caxias.


Nos últimos tempos, acumulou-se uma série de “versões” sobre ele que, convenhamos, mais parecem dirigidas a mostrar que não somos uma nação ou que somos uma nação muito vagabunda – indigna, portanto, da plena independência – do que à personalidade histórica de Caxias e à sua atividade política e militar.


Esse tipo de concepção pouco tem a ver, em termos brasileiros, com pensamento progressista – ou, valha a expressão, “de esquerda”.

Não é acaso que tenha sido o presidente João Goulart, em 1962, que designou Caxias como patrono do Exército. O decreto foi assinado, além de Jango, pelo então primeiro-ministro, Tancredo Neves, e pelo ministro da Guerra, general (depois marechal) Segadas Viana – irmão de outro Segadas Viana, este, um dos fundadores do PTB em 1945, ministro do Trabalho no segundo governo Getúlio Vargas.

Expoentes da legalidade e do nacionalismo nas Forças Armadas, como os marechais Henrique Lott, Osvino Ferreira Alves e Machado Lopes, todos tinham Caxias por exemplo e modelo.

E com razão.


IMPÉRIO

Ninguém mais do que Caxias sintetizou a primeira fase do Brasil como país independente:

“Caxias – mais do que D. Pedro II – foi o império. Ele enche a sua fase ascensional. Apoiado na sua espada e no seu conhecimento dos homens, foi que o regime procedeu à integração das partes do país. Quando a guerra do Paraguai assinala o ponto crítico e marca o início do declínio, é ele quem apressa a conclusão da luta e termina o desbarato das forças de López. Quando regressa, doente e entristecido, tendo dado por concluída a campanha, recolhe-se ao sossego e à solidão. E o império começa a esboroar-se” (cf. Nelson Werneck Sodré, Panorama do Segundo Império, CEN, Brasiliana, vol. 170, 1939, p. 138).

E, logo em seguida, escreve este historiador – também ele um general do Exército brasileiro:

“Que peso representaria, entretanto, no vazio e na estreiteza dos nossos hábitos e princípios políticos, o fato do aparecimento desse eterno vencedor? A maior qualidade de Lima e Silva foi, por certo, o absenteísmo político, tomada a política na acepção de domínio dos cargos públicos. Caxias, que podia ter sido o caudilho sem par, isenta o país do caudilhismo. Enquanto, no rio da Prata, os Urquiza, os Rosa, os Oribe, faziam o desastre das nações e perturbavam o seu desenvolvimento, – no Brasil, Caxias somava o prestígio advindo da consolidação do império com aquele que lhe proveio da vitória externa, sem cuidar de lançar a sua espada na balança política nem de tomar os postos de governo para si. Se, antes do conflito com o Paraguai, ele não representava uma classe e não tinha atrás de si um exército, — depois dela possuía essas duas cousas porque o surto do exército brasileiro data da campanha de 1865-70, com todos os seus defeitos, que chegariam à República” (cf. idem, p. 139).

Abordaremos, depois, em outras oportunidades, outros aspectos – todos sob polêmica – da trajetória de Caxias.

Aqui, nos limitaremos à Guerra do Paraguai – e daremos voz a ele mesmo, ao próprio Caxias, em seu discurso, no Senado do Império, a 15 de julho de 1870, em que respondeu a uma série de ataques, que beiravam a sordidez, geralmente com origem na ala dos liberais que tinha como chefe Zacarias de Góes e Vasconcellos.

O SAQUAREMA

Caxias foi, dos militares e políticos do Império, o mais atacado em vida.

Houve vários motivos para isso – o fato de ser um “saquarema”, de pertencer ao Partido Conservador, fez com que os “luzias”, os liberais, com algumas exceções, o atacassem sempre.


Foi Caxias quem vencera, militarmente, as revoltas liberais – em 1842 (São Paulo e Minas Gerais) e 1845 (Rio Grande do Sul) – depois do episódio conhecido como “eleições do cacete”, quando D. Pedro II, não aceitando o resultado, nomeou um governo “regressista”, ou seja, conservador (v. A revolta dos escravos e o fim do Império e O nascimento da República e os jabutis em cima das árvores).

Mas é necessário observar por que os liberais atacavam Caxias.

O famoso dito de Holanda Cavalcanti, visconde de Albuquerque (“nada se assemelha mais a um ‘saquarema’ do que um ‘luzia’ no poder”), revela mais a superficialidade de seu autor – e dos que, até hoje, vivem repetindo essa frase – que alguma verdade sobre a história do Segundo Império.

Existiam contradições na concepção do Estado – e foram os conservadores, com o seu Estado centralizado, que predominaram, ao conjurar os riscos de desagregação do país.

Certamente, isso foi realizado – depois de superada a Regência, com a Maioridade, em julho de 1840 – através do predomínio de classe dos senhores de escravos.

Mas, como já observamos antes, curiosamente, todas as medidas contrárias à escravidão foram tomadas por gabinetes conservadores, inclusive a Lei Áurea.

Os liberais – de início republicanos e abolicionistas – giraram para a direita, daí, logo depois da Guerra do Paraguai, o Manifesto Republicano de 3 de dezembro de 1870, e a cisão da ala esquerda dos liberais, em 1873, que formou o Partido Republicano.

INVASÃO


Antes, em 1864, com a intervenção do Império no Uruguai, chegou-se a um dos momentos de mais aguda contradição entre conservadores e liberais.

Os conservadores, e, especialmente, Caxias, estavam contra a política dos liberais – então no governo, tendo Zacarias de Góes e Vasconcellos como presidente do Conselho de Ministros – na bacia do Prata:

“… vindo do Rio Grande do Sul, o general Souza Neto trazia uma representação formal dos pecuaristas dessa província e de outros instalados no Uruguai, ao governo brasileiro, denunciando desordens na fronteira e buscando o apoio armado oficial; seria a guerra. O Gabinete de Zacarias temia perder o controle da situação, tendo em vista a possibilidade de os estancieiros gaúchos tomarem a iniciativa de, aliados aos colorados, fazer guerra a Montevidéu por se sentirem desamparados pelo Rio de Janeiro na defesa de seus interesses. Tal fato poderia reavivar os sentimentos gaúchos contra o governo imperial quando ainda era forte a lembrança da tentativa secessionista da Farroupilha.

“O governo imperial consultou o marquês de Caxias, expoente do Partido Conservador e a maior autoridade militar do Império, com experiência no Rio Grande do Sul e no Prata, sobre eventual apoio àqueles fazendeiros. Souza Neto procurou pessoalmente o marquês, prometendo mobilizar 40 mil brasileiros bem armados no Uruguai. Caxias respondeu a Souza Neto que não se mobilizariam nem mil brasileiros e, mais, que sua opinião era a de que o Brasil não devia se envolver nas questões internas dos países vizinhos. Para Caxias, a única providência que o governo imperial deveria tomar para garantir os “direitos” de brasileiros no Uruguai era a de reforçar as guarnições militares na fronteira. Argumentou que, se o Brasil tivesse forças ‘respeitáveis’ na região fronteiriça, o governo uruguaio mudaria de conduta em relação aos súditos do Império que viviam em território oriental” (cf. Francisco Doratioto, Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai, Companhia das Letras, 2002, pp. 51-52, grifo nosso).

Caxias, que era senador pelo Rio Grande de Sul e ex-governador dessa província, não queria arriscar o país em uma guerra para defender os interesses dos estancieiros gaúchos que haviam atravessado a fronteira com o Uruguai. Mas a política, não somente dos liberais, mas a de D. Pedro II, era a oposta: aumentar a influência no Prata, em aliança com Bartolomé Mitre, que derrotara Justo José de Urquiza e as tropas federalistas na batalha de Pavón, unificando a Argentina.

Daí o apoio do Império, no Uruguai, a Venancio Flores – um dos homens de Mitre, responsável, após a batalha de Pavón, pela “Matança de Cañada de Gómez”, em que 300 federalistas argentinos foram degolados – contra os blancos, de Berro e Aguirre:

“Não menos crítica era a opinião do marquês de Caxias, que se irritou com as posturas de Pedro II no Uruguai, classificando-o de amante de ‘patacoadas’, de ‘bobo’ e de ‘sujeitinho’” (cf. idem, p. 65).

A postura de Caxias somente mudou depois da invasão de Mato Grosso e do Rio Grande do Sul por tropas paraguaias.

Na verdade, mudara a situação, algo que foi sentido também por Urquiza, que, depois da invasão do território argentino pelo Paraguai, apoiou Mitre, até então seu inimigo.


Mesmo assim, como veremos em suas próprias palavras, as restrições de Caxias à política do governo somente não eram maiores do que as restrições do governo a ele.

A viagem com o imperador até Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, longe de ser uma demonstração de seu prestígio, foi, para Caxias, como ele descreverá em 1870, uma série de humilhações.

FIRME

Somente depois do desastre de Curupaiti (22 de setembro de 1866), quando, em poucas horas, as tropas brasileiras e argentinas tiveram 4.093 baixas (contra 250 do exército paraguaio), em meio a uma crise no comando, Caxias foi nomeado comandante no Paraguai (novembro de 1866).

Em um de seus textos de memórias, o visconde de Taunay, que esteve mais de uma vez na Guerra do Paraguai (ele é o autor de um dos relatos mais conhecidos da primeira fase da guerra: A Retirada da Laguna), escreveu:

“Terminara o ano de 1868 e encetara-se o de 1869. Todas as vistas estavam ainda voltadas para o Paraguai, cuja guerra parecera dever ter chegado ao termo, com as vitórias de dezembro. O ditador Solano López, porém, conseguira fugir de Lomas Valentinas e, internando-se, fora continuar nas montanhas a tremenda luta, retirando-se disposto a combater até a última. O movimento que todos sentiram no Rio de Janeiro e mais que ninguém o Imperador, foi o de terrível decepção, e pronunciou-se sensível e injusto desgosto contra o marquês de Caxias, que os jornais liberais atacavam com a maior violência, fazendo-o só responsável da fuga de López de não ter ultimado, a 28 de dezembro, a temerosa campanha, por modo definitivo” (cf. Taunay, Recordações de Guerra e de Viagem, SF, 2008, p. 23).

Lomas Valentinas foi uma das vitórias da “dezembrada” – as quatro batalhas (Itororó, Avaí, Lomas Valentinas e Angostura) que, em dezembro de 1868, abriram as defesas paraguaias e o caminho para Assunção.

Antes da “dezembrada”, as críticas a Caxias eram por inação, postergação dos movimentos – e, mesmo, paralisia do exército.

Ao assumir, em novembro de 1866, ele encontrara o que descreveu como “caos”. No discurso abaixo, Caxias se refere às doenças – varíola, cólera, etc., etc., etc. – que, realmente, foram devastadoras.

Não era o único problema, como é evidente pelo diário de um dos comandantes dos Voluntários da Pátria (75% das tropas brasileiras no Paraguai era composta de “Voluntários da Pátria”, isto é, egressos da Guarda Nacional e das polícias militares), que saíra com 549 homens de Belém do Pará e chegou ao acampamento de Paissandu com 166 homens, antes de entrar em qualquer combate.

Quando, finalmente, sua unidade foi dissolvida, por falta de soldados, esse oficial disse, em sua ordem do dia:

“Todos vós sois testemunha de que se o Corpo chegou ao estado em que está, em extremo resumido, foi devido unicamente à pouca sorte de tão distintos Paraenses, que saindo debaixo do Equador foram imediatamente levados para um país frígido, como é este, no rigor do inverno, onde vimos perecer de bexiga e congelação mais de dois terços de nossos camaradas, e com especialidade no fatal acampamento de São Francisco, onde foi a mortandade motivo por que passamos por esse grande golpe, não só nos vendo separados, como por não ter a Província do Pará quem a represente neste Exército, por isso que o 13º Batalhão de Voluntários é hoje fundido com o 6º de Voluntários, sob outro comando” (cf. Diário do Tenente-Coronel Albuquerque Bello, Documentos Históricos, BN, 2011, p. 20).

Ou, na sexta-feira, 24 de novembro de 1865, esse oficial anota:

“Tomei hoje o Comando do 9º Corpo de Voluntários da Pátria, é uma porção de homens sem jeito de soldado; o corpo está em um verdadeiro caos” (cf. idem, p. 80).

O Brasil tinha apenas 18 mil e 320 soldados no exército (Caxias, em seu discurso, falou em 16 mil) quando estourou a guerra, contra 77 mil do exército paraguaio (quanto aos aliados do Brasil, o exército argentino tinha um efetivo de 6 mil homens e o uruguaio, 3 mil e 163 homens).

Daí a necessidade de expandir os efetivos.

Caxias, realmente, quando chegou ao Paraguai, parou as operações até conseguir vestir e agasalhar, alimentar, apetrechar com armas e munição, treinar, em suma, organizar o caos em que estava o exército.

Somente depois disso – e de algum reconhecimento do terreno – começou a movimentar as tropas.

No discurso abaixo, ele observa que, mesmo assim, pouco se conhecia:

“… nada mais fácil, depois dos fatos consumados, e conhecido o terreno, a força e manobra do inimigo, de longe e com toda a calma e sangue frio, à vista de partes oficiais, criticar operações e indicar planos mais vantajosos.
“Mas o mesmo não acontece a quem se acha no teatro das operações, caminhando nas trevas, em país inteiramente desconhecido, inçado de dificuldades naturais. E’ preciso que os nobres senadores se convençam que a guerra do Paraguai, desde o seu começo, foi feita às apalpadelas. Não havia mapas do país por onde me pudesse guiar, nem práticos de confiança. Só se conhecia o terreno que se pisava. Era preciso ir fazendo reconhecimentos e explorações para se poder dar um passo”.

Aqui, Caxias estava se referindo aos acontecimentos da batalha de Itororó, uma das mais sangrentas da guerra (em cinco horas de combate, o exército brasileiro sofreu 1.806 baixas, inclusive dois generais, enquanto as perdas paraguaias chegaram a 1.200 homens).




Não existe, para quem estudou a Guerra do Paraguai, do ponto de vista militar – ou, mesmo, apenas se interessou por suas batalhas – episódio mais emocionante que aquele sobre a ponte de Itororó.




“… após quatro horas de combate, quando os brasileiros estavam sendo repelidos pela quarta vez, Caxias ‘desceu a colina de onde comandava a luta, desembainhou a espada e ‘gritando vivas ao Imperador e ao Brasil’ lançou-se sobre a ponte, e nesse ato seu cavalo foi morto pelas balas, assim como vários homens que o acompanhavam’. A pé, ele continuou. Várias testemunhas relatam que, ao passar pela tropa, Caxias ‘deu voz de ‘firme’ e se arrojou sobre aquela posição, e exclamou, de espada desembainhada, ‘sigam-me os que forem brasileiros!’” (v. Caxias: “Sigam-me os que forem brasileiros!”).




Um dos oficiais que combateram em Itororó, o então tenente Dionísio Cerqueira – depois general, ministro das Relações Exteriores, ministro da Guerra e ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas – escreveu, em seu livro “Reminiscências da Campanha do Paraguai”:




“Passou pela nossa frente, animado, ereto no cavalo, o boné de capa branca com tapa-nuca, de pala levantada e presa ao queixo pelo jugular, a espada curva, desembainhada, empunhada com vigor e presa pelo fiador de ouro, o velho general em chefe, que parecia ter recuperado a energia e o fogo dos vinte anos. Estava realmente belo. Perfilamo-nos como se uma centelha elétrica tivesse passado por todos nós. Apertávamos o punho das espadas, ouvia-se um murmúrio de bravos ao grande marechal. O batalhão mexia-se agitado e atraído pela nobre figura, que abaixou a espada em ligeira saudação a seus soldados. O comandante deu a voz firme. Daí há pouco, o maior dos nossos generais arrojava-se impávido sobre a ponte, acompanhado dos batalhões galvanizados pela irradiação da sua glória. Houve quem visse moribundos, quando ele passou, erguerem-se brandindo espadas ou carabinas, para caírem mortos adiante.”




Caxias tinha, então, 65 anos. Para a época, em que se vivia bem menos que hoje, era bastante velho.




No entanto, Caxias fora acusado, depois da guerra, pela mortandade em Itororó.




A GUERRA




Vejamos, então, outra questão: qual a importância da Guerra do Paraguai?




Pois, se reconhecêssemos o valor de Caxias por atos em uma guerra inútil ou perniciosa, pouco teríamos a reconhecer.




Mas não se trata disso.




Hoje, temos uma historiografia que recuperou muito das observações, por exemplo, de um Manoel Maurício de Albuquerque (v. M.M. de Albuquerque, Pequena História da Formação Social Brasileira, Graal, 1981, pp. 396 a 414):




“Em termos de importância, as ligações em Londres e em Paris assumiam papel preponderante. Ainda que a Inglaterra não fosse a maior consumidora de produtos brasileiros, era, no entanto, quem dominava o mercado importador nacional. Esta dominância, que se estendia às demais unidades sociais latino-americanas e mesmo aos Estados Unidos, não nos autoriza, no entanto, a reduzir a ação diplomática do Império Brasileiro a uma simples execução das diretrizes externas britânicas. Nas relações de dependência-dominação que articulavam os Governos do Rio de Janeiro e de Londres existia, implicitamente, uma tensão inevitável, que não só se manifestou em conflitos diretos, como também, em conjunturas específicas, se representou numa ação mais autônoma e em desacordo com os interesses ingleses, principalmente no Rio da Prata” (cf. Manoel Maurício de Albuquerque, op. cit., p. 396, grifos nossos).




Em um artigo bastante interessante sobre a historiografia da Guerra do Paraguai, Francisco Doratioto observa, com bastante justiça: “… o Império mobilizou brasileiros de todas as províncias para a luta e, pela primeira vez na história do Brasil independente, se combateu pela mesma causa de norte a sul do país” (cf, Francisco Doratioto, “História e Ideologia: a produção brasileira sobre a Guerra do Paraguai”, Nuevo Mundo Mundos Nuevos, 13/01/2009, grifo nosso).




Não tentaremos tirar, agora, as decorrências dessa observação – até porque outros já o fizeram. E o leitor poderá, por si mesmo, chegar às suas conclusões.




Resta dizer que aquela tropa mesclada – negros, mulatos, brancos, caboclos – era bem a mostra do povo brasileiro em formação.




A nova geração de oficiais no Paraguai – Deodoro, Floriano – seria depois a velha geração que proclamaria a República.




O sentimento de que somos um único povo, que ao Exército não cabe o papel de “capitão do mato”, formou-se – ou acabou de formar-se – nessa longa campanha do Paraguai.


TESTAMENTO


Caxias tinha 67 anos quando proferiu o seu discurso de defesa no Senado.


Depois, ele ainda voltaria, em 1875, com 72 anos, à presidência do Conselho de Ministros do Império, quando Pedro II meteu-se em mais um sarilho: a Questão Religiosa.

O próprio Caxias era maçom – e a maçonaria era o alvo dos bispos católicos “ultramontanos”, que foram presos pelo Império. Mas foi somente a ele que Pedro II recorreu, como, depois, o duque contou a uma de suas filhas:

“Minha querida filha, 17 jul 1875.


“Só hoje, que é domingo, me deixaram um instante disponível para responder sua carta de 3 do corrente.

“Estou, minha cara filha, apesar de todos os meus protestos em contrário, outra vez Ministro da Guerra e Presidente do Conselho.


“Você deve fazer ideia dos apuros em que me vi para cair nesta asneira e creia que quando me meti na sege para ir a São Cristóvão, a chamado do Imperador, ia firme em não aceitar; mas Ele, assim que me viu me abraçou e me disse que não me largava sem que eu lhe dissesse que aceitava o cargo de ministro e que se me negasse a fazer-lhe esse serviço, que Ele chamava os liberais e que havia de dizer a todos que eu era o responsável pelas consequências que daí resultassem, mas disse tudo isto tendo-me preso com os seus braços.

“Ponderei-lhe as minhas circunstâncias, a minha idade, a incapacidade, a nada cedeu.

“Para me poder libertar dele era preciso empurrá-lo, e isso eu não devia fazer; abaixei a cabeça e disse que fizesse o que quisesse, pois eu tinha consciência que Ele se havia de arrepender, porque eu não seria ministro por muito tempo, porque morreria de trabalho e desgostos; mas a nada atendeu, e disse-me que só fizesse o que pudesse, mas que o não abandonasse, porque então Ele também nos abandonaria e se iria embora!!

“Que fazer minha querida Anicota, senão resignar-me e morrer no meu posto! E acresce que eu já tenho arriscado tantas vezes a minha vida por Ele, que mais uma na idade em que estou pouco sacrifício será.

“Seu pai que muito a estima,




Luiz.”


Depois dessa missão, ao sair, em janeiro de 1878, do governo, era um homem amargurado com o Império; a vida política lhe parecia algo medíocre; o país lhe parecia ir muito mal, e ele se sentia sem forças para enfrentar tal situação; o imperador, a quem sempre servira, parecia-lhe mais nulo do que nunca.

Mas tudo isso, que se pode perceber na carta à filha, já vinha de antes.

Tanto assim que, em seu testamento, datado em 23 de abril de 1874 – portanto, antes de assumir pela última vez a presidência do Conselho de Ministros – ele pede:

“Recomendo (…) que meu enterro seja feito, sem pompa alguma, e só como irmão da Cruz dos Militares, no grau que ali tenho. Dispensando o estado da Casa Imperial, que se costuma a mandar aos que exercem o cargo que tenho.

“Não desejo, mesmo, que se façam convites para o meu enterro, porque os meus amigos que me quiserem fazer este favor, não precisam dessa formalidade e muito menos consintam os meus filhos que eu seja embalsamado.

“Logo que eu falecer deve o meu testamenteiro fazer saber ao Quartel General, e ao ministro da Guerra, que dispenso as honras fúnebres que me pertencem como Marechal do Exército e que só desejo que me mandem seis soldados, escolhidos dos mais antigos, e melhor conduta, dos corpos da Guarnição, para pegar as argolas do meu caixão, a cada um dos quais o meu testamenteiro, no fim do enterro, dará 30$000 de gratificação.”

Este era o homem que, no dia 15 de julho de 1870, contra o seu costume, levantou-se para uma intervenção mais longa.

CARLOS LOPES
Senado do Império – Sessão de 15 de julho de 1870

O SR. DUQUE DE CAXIAS (Atenção): – Não pedi a palavra, Sr. presidente, como era de presumir, para me opor a nenhum dos períodos da resposta à fala do trono: voto por todos eles, especialmente por aquele que contém bem merecidos elogios ao augusto príncipe que comandou o exército na última fase da guerra. Pedi a palavra, Sr. presidente, para defender-me das inúmeras acusações dirigidas contra mim nesta casa, em minha ausência, e posto tenha consciência de que meus generosos amigos responderam vitoriosamente a todas elas, todavia cumpre-me dar algumas explicações relativamente a fatos que se passaram comigo e só por mim podem ser explicados. Aproveitarei também a ocasião de responder às três perguntas que me fez o nobre ex-presidente do conselho.

Antes, porém, de tratar destes assuntos, o Senado me permitirá que exponha o histórico de tudo quanto se passou comigo, desde o começo da guerra declarada ao Brasil pelo ditador do Paraguai.

Apenas chegou aqui a notícia dessa declaração, fui procurado pelo nobre ministro que então dirigia a repartição da guerra. Disse-me S. Ex. que, tendo instantemente de organizar o exército que devia marchar para o Paraguai, via-se embaraçado acerca das providências que cumpria tomar quanto antes. Conquanto fosse o nobre ex-ministro, como todos reconhecem, um homem de inteligência, engenheiro abalizado, não tinha contudo prática de organizações de exércitos; não conhecia o pessoal de nossas forças; não sabia ainda qual o material existente, nem o necessário para a guerra que íamos empreender; e, pois, exigia de mim que em tudo o coadjuvasse.

Escusado é dizer, Sr. presidente, que pus-me imediatamente à disposição deste nobre ministro que, como o Senado já deve saber, era o honrado Sr. Beaurepaire Rohan. Desde esse momento propus-me coadjuvá-lo por todos os modos possíveis. S. Ex. pediu-me imediatamente um plano de organização do exército; dei-lho; pediu-me um plano de campanha; também lho dei, como se prova com estes documentos, que não leio para não abusar da atenção do Senado:

“1ª diretoria. – 1ª seção. – Ministerio dos Negócios da Guerra, em 20 de Janeiro de 1865.

“Illm. e Exm. Sr. – O governo imperial deseja ouvir a opinião de V. Ex. a respeito dos seguintes quesitos:

“1º) A que número de praças das diferentes armas deveremos elevar o nosso exército, em relação à guerra com o Estado do Paraguai?

“2º) Quais os recursos de que devemos lançar mão para que esse exército se possa organizar com presteza


“3º) Qual o melhor plano de campanha a adotar-se para assegurar o triunfo de nossas armas?

“4º) Se acha conveniente que os corpos que vão chegando das províncias do Norte sigam imediatamente a se reunirem ao exército em operações, ou se convém antes demorá-los na Corte para serem convenientemente exercitados.

“Além destes quesitos, espero que V. Ex. me comunicará qualquer ideia sua que possa interessar nossos preparativos de guerra, quer em relação ao ataque, quer em relação à defesa de alguns pontos da nossa fronteira.

“Deus guarde a V. Ex. – Henrique Beaurepaire Rohan – Sr. marquês de Caxias.”

“Cópia. – Illm. e Exm. Sr. – Respondendo aos quesitos, que V. Ex. fez-me a honra de propôr em seu aviso de 20 do corrente, cumpre-me dizer:

“Quanto ao 1º: É minha opinião que o nosso exército deve ser elevado, quanto antes, a 50.000 homens, sendo 35.000 de infantaria, 10.000 de cavalaria e 5.000 de artilharia; devendo-se desta força empregar 45.000, das três armas, em operações contra o Paraguai, ficando 5.000 como reserva nas províncias de Santa Catarina e Rio de Janeiro.

“Quanto ao 2º. Parece-me que o mais eficaz e certo é recorrer à Guarda Nacional de todo o Império, tirando dela, em proporção de sua força, as praças de pré que forem precisas para completar os corpos de 1ª linha, que deverão ser elevados ao número marcado no plano que já tive a honra de remeter a V. Ex.; criando-se, além disso, corpos provisórios de Voluntários da Pátria da mesma força e organização, nos quais se poderão admitir oficiais da Guarda Nacional com exceção dos majores, ajudantes e quarteis mestres, que deverão ser tirados dos de 1ª linha, que ali irão servir, por comissão, nesses postos, como instrutores.

“Quanto ao 3º. Julgo que convém dividir o exército em três colunas, ou corpos de exército, devendo o principal marchar pelo Passo da Pátria no Paraná, pela estrada mais próxima e paralela ao rio Paraguai, com direção a Humaitá, e daí a Assunção. Esta força deverá operar de acordo com a nossa esquadra, que subir o rio Paraguai, batido Humaitá, nosso exército deve continuar sua marcha a todo transe até a capital do Paraguai, combinando seus movimentos com as forças de Mato Grosso, as quais deverão perseguir o inimigo que tiver invadido a província, até a linha do Apa, esperando aí as ordens do general em chefe do exército do Sul, para, de acordo com ele, descer até onde convier. E a outra coluna, que não deverá ser menor de 6.000 homens, marchará por S. Paulo com direção à província de Mato Grosso, fazendo junção com as forças que já guarnecem aquela província, as quais calculo em 4.000 homens. Esta coluna deverá operar por Miranda, com o fim não só de assegurar as cavalhadas e gados que existem por esse lado, como para obrigar o inimigo a distrair forças de sua base de operações, e facilitar assim a entrada do grosso do nosso exército, que deve invadir pelo lado de Humaitá.

“Uma outra coluna, ou corpo de exército, deve chamar a atenção do inimigo pelo lado de S. Cosme, Itapùa, ou S. Carlos, para que, não só não possa ele cortar-nos a retirada pelo Passo da Pátria, no caso de revés no Humaitá, como para que não convirja com todas as suas forças sobre esse ponto quando atacado pelo nosso exército. Este movimento deverá competir às nossas forças que guarnecem a fronteira de S. Borja e deverão constar, pelo menos, de 10.000 homens das três armas, e ser bem comandadas.

“Quanto ao 4º. Cumpre-me observar a V. Ex. que estando os corpos muito mal instruídos e precisando de fardamentos, armamentos e equipamentos novos, para poderem entrar em operações de guerra, convirá muito que sejam aqui demorados, enquanto adquirem a indispensável instrução, principalmente os novos recrutas que se lhes forem incorporando, pois que, em operações de campanha, não há tempo nem meios de poder ensinar paisanos, que, não estando ainda habituados a esses trabalhos, muito o estranharão, e não poderão, talvez, suportar as marchas contínuas, e ao mesmo tempo o afadigoso ensino dos primeiros rudimentos militares.

“Creio ter respondido com franqueza aos quesitos que me foram feitos, não me ocorrendo, por ora, mais coisa alguma a este respeito, pois que, já em forma de apontamentos, tive ocasião de lembrar a V. Ex. muitas providências que julguei dever o governo tomar com tempo, afim de poder com vantagem realizar as operações de guerra que projeta contra o Estado do Paraguai.

“Tendo ouvido diferentes práticos sobre os recursos e melhores estradas para a marcha das forças que devem ir por S. Paulo e Minas, remeto a V. Ex. uma memória em resumo do que me pareceu melhor, afim de que V. Ex. a tome na consideração que lhe parecer.

“Deus guarde a V. Ex. Rio de Janeiro, 25 de Janeiro de 1865.

“Illm. e Exm. Sr. conselheiro, general Henrique de Beaurepaire Rohan, ministro e secretário de Estado dos Negócios da Guerra. – (Assinado) Marquês de Caxias.”

Continuei a auxiliá-lo em outros trabalhos; fui pessoalmente aos arsenais, às casas de armas para ver o que era possível fazer aqui, e necessário encomendar para a Europa. Dissera-me S. Ex. qual era sua intenção a meu respeito. Pretendia propor-me para comandar o exército; não dei certeza de que aceitaria esta comissão, mas não me neguei.

Continuaram os preparativos; principiavam a chegar os contingentes do Norte. Um dia em que tinha de embarcar um desses contingentes (parece-me que o primeiro que seguiu para o Paraguai), fui a bordo do vapor, que o tinha de transportar, na qualidade de ajudante de campo de Sua Majestade o Imperador. Aí estavam reunidos todos os membros do Ministério: Sua Majestade conferenciou com eles e depois desta conferência o Sr. Rohan se dirigiu a mim e comunicou-me que o governo acabava de resolver que eu partisse imediatamente para o Rio Grande do Sul, onde devia organizar o exército afim de com ele seguir para o Paraguai. Respondi a S. Ex. (formais palavras).

“Se V. Ex. quer que eu siga neste mesmo vapor, conceda-me duas horas de demora para mandar buscar à casa duas canastras com roupa.”


Disse-me S. Ex. que não era necessária tanta precipitação; bastava que eu partisse naqueles oito dias. Retirei-me para minha casa e passaram-se dias sem que eu recebesse o decreto da nomeação.

Conversando depois com o Sr. Rohan, fiz-lhe ver as necessidades que convinha satisfazer para o bom desempenho de uma comissão em que se achava gravemente comprometida a honra da nação.

“Sr. ministro, disse-lhe eu, já duas vezes tenho ido à província do Rio Grande do Sul desempenhar comissões semelhantes, quando outra era a minha posição militar e social; fui sempre investido da autoridade, não só de comandante em chefe do exército, como de presidente, e assim sucedeu em todas as quatro províncias em que tive de defender a ordem publica, embora em todas não houvesse a necessidade de exercer as funções de presidente.

“V. Ex. sabe que a força principal do Rio Grande é a Guarda Nacional, sujeita pela lei ao presidente da província, e, pois, indo eu organizar o exército ali, tinha de lançar mão dela, e não o posso fazer sem concessão do presidente. Daí podem surgir embaraços que sobremaneira dificultem, senão impossibilitem a organização que me cumpre fazer.”

S. Ex. imediatamente respondeu-me:

“Sobre isto não pode haver questão; V. Ex. não pode deixar de ir na dupla qualidade de presidente e comandante em chefe do exército. Enquanto estiver na província exercerá as funções de presidente, mas logo que retirar-se entrará no exercício o vice-presidente.”

Ficamos nisto; nesta inteligência separou-se de mim o Sr. Rohan. Mas logo no dia seguinte S. Ex. procurou-me e disse:

– “Sr. marquês, o que assentamos ontem, não pode ter lugar; não sou mais ministro.”

Pois bem, respondi-lhe, “se V. Ex. não é mais ministro, minha palavra também está retirada.”


“Propus aos meus colegas, continuou o Sr. Rohan, a nomeação de V. Ex. nos termos em que havíamos acordado; todos foram unânimes em que V. Ex. fosse nomeado comandante em chefe, mas não presidente da província, porque esta última nomeação iria prejudicar a politica do partido.”

VOZES: – Oh! Oh!

O SR. JOBIM: – Oh! que miséria!

O SR. DUQUE DE CAXIAS: – Não pude deixar de observar ao Sr. Rohan:

“Pois em uma ocasião destas em que a província do Rio Grande está ameaçada de uma invasão, há quem se lembre de partidos? Creia V. Ex. que a província toda reunida não será demais para resistir, como convém, à invasão dos paraguaios; como, pois, atender em tão graves circunstâncias a interesses de partido?”

Separamo-nos, ficando ciente de que o Sr. Rohan pediria sua demissão e eu ficaria exonerado de seguir para o Rio Grande.

Daí a dois dias apareceu com efeito no Jornal do Comércio a noticia de ter sido aceita a demissão pedida pelo Sr. Beaurepaire Rohan.

Para substituí-lo no Ministério da Guerra, foi nomeado o visconde de Camamú. Esta nomeação importava tornar-me impossível para a comissão que se pretendia confiar-me, pois era sabido no exército que o visconde de Camamú era o único oficial general do Império com quem eu não entretinha relações. A sua nomeação em tais circunstâncias me pareceu muito significativa, e, pois, continuei na resolução em que estava de não fazer o sacrifício de partir para o Paraguai, não obstante o meu mau estado de saúde. Dias depois, o novo ministro da Guerra, para não deixar-me a menor dúvida acerca de sua entrada para o Ministério, chamou para o seu gabinete um oficial-maior da secretaria da Guerra que eu havia aposentado, quando fazia parte dos conselhos da Coroa. Despeitado por ter sido a aposentadoria decretada contra a sua vontade, escreveu na imprensa uma série de artigos insultando-me, caluniando-me, bem como ao ministro da Guerra dessa época, publicando até segredos da secretaria. Este ato do visconde de Camamú ainda mais me firmou na resolução em que estava.

No dia 14 de Fevereiro de 1865, quando me supunha, pelo fato da nomeação do sucessor do Sr. Rohan, dispensado da comissão para que havia sido lembrado, apareceu em minha casa, às 10 horas da manhã, o Sr. presidente do conselho de 31 de Agosto, o nobre senador pelo Maranhão. S. Ex. procurava-me pela primeira vez, pois não tínhamos até então as menores relações, conquanto sempre o respeitasse muito. Disse-me S. Ex.:

“Sr. marquês, venho aqui na qualidade de presidente do conselho convidá-lo para aceitar o comando em chefe do nosso exército.”

Respondi a S. Ex. o que já tinha comunicado ao Sr. Rohan, isto é, a resolução que eu havia tomado quando ele se retirou do Ministério. Respondeu-me S. Ex. que sabia das minhas desavenças com o visconde de Camamú, mas não as considerava motivos suficientes que me impedissem de servir sob suas ordens.

Ora, Sr. presidente, o finado visconde de Camamú era um oficial que eu nunca desejei ter sob meu comando. Dirigi por diferentes vezes o exército no Sul e no Norte do Império, e nunca o quis ter como meu subordinado: como, pois, nesta ocasião e lá no último quartel da vida, havia de ir servir sob suas ordens, quando sabia a má disposição que havia da parte dele para comigo, o que se confirmava pela nomeação do seu oficial de gabinete? Poderia eu escrever-lhe cartas reservadas para serem depois publicadas? E a força moral de que eu tanto precisava para o bom desempenho de tão importante comissão poderia subsistir, quando meus subordinados sabiam que eu não podia contar com a necessária confiança do ministro da Guerra, pois era notório no exército nossas desavenças de muitos anos?

Não era possível, pois, que eu aceitasse o comando que em tais circunstâncias me era oferecido. Em vista da minha recusa, S. Ex., formalizando-se, fez-me a seguinte observação:

“Atenda que a comissão é militar, e que V. Ex., como militar, não a pode recusar.”

Respondi-lhe com toda a calma:

“Sei que sou militar, e que a comissão é militar; mas eu sou militar que gozo de imunidades, das quais V. Ex. não pode prescindir. Sou senador do Império, e o governo não pode dispor de mim sem licença da câmara a que pertenço. Procure, portanto, V. Ex., quem vá desempenhar esta comissão, que para mim se tornou impossível não só pelo mau estado da minha saúde, como por falta de acordo com o ministro da Guerra.”

Retirou-se, então, o nobre ministro; e tomou outra resolução. Nada mais soube das providências do governo acerca dos preparativos de guerra, pois nunca fui consultado a tal respeito.

Passaram-se alguns meses; deixou de existir o Ministério do Sr. Furtado; Sua majestade resolveu ir fazer uma viagem à província do Rio Grande do Sul, e eu tive ordem para acompanhá-lo. Estava então, Sr. presidente, bem doente; levantei-me da cama para cumprir esse dever. Chegando ao Rio Grande, seguimos para Uruguaiana; ali encontramos já dois generais estrangeiros e um brasileiro que se disputavam a primazia do comando. Chegando o Imperador resolveu-se que se apertasse o cerco para apressar-se a tomada da praça, e que se dispusesse o ataque para daí a alguns dias, fazendo-se antes um reconhecimento. Foram convidados os generais estrangeiros que nunca tinham pisado aquele solo, e alguns outros generais brasileiros; mas eu fui excluído de assistir ao reconhecimento, eu, senhores, que tinha por duas vezes presidido a província do Rio Grande, que outras tantas vezes havia feito a guerra naquelas regiões e, portanto, até estado acampado nesse mesmo lugar e, como presidente, havia muitos anos mandado traçar o plano da povoação! Doeu-me sobremaneira um tal procedimento; mas resignei-me…

Voltei para o Rio de Janeiro. Meses depois fui procurado pelo Sr. presidente do Conselho, então o Sr. [Zacarias de] Góes de Vasconcellos. S. Ex., bem como seu antecessor, não entretinha relações comigo; eu, contudo, fazia, como ainda hoje faço, bom conceito do seu caráter. S. Ex., depois que soube do desastre de Curupaiti, julgou conveniente entender-se comigo a respeito dos negócios da guerra, tendo sido antes prevenido das suas intenções pelo Sr. ministro da Justiça, e disse-me que o governo necessitava dos meus serviços no Paraguai; e eu, Sr. presidente, apesar de ter sofrido o que acabei de relatar, não hesitei um momento em pôr-me à sua disposição imediatamente, sem oferecer a menor condição!

O SR. ZACARIAS: – Menos uma.

O SR. DUQUE DE CAXIAS: – Sim, uma única; mas essa era indispensável. Observei a S. Ex., que aceitava o comando de nossas forças em operações, mas com única condição; e qual era? A de ter a plena confiança do governo.

O SR. FRANCISCO OTAVIANO: – Era uma necessidade.

O SR. SILVEIRA DA MOTTA: – Era da essência da coisa; não era uma condição.

O SR. DUQUE DE CAXIAS: – E cumpre-me dizer, Sr. presidente, que fui tratado pelo Ministério de 3 de Agosto com a maior deferência possível. Propus ao governo algumas dúvidas sobre o modo de haver-me ante a autoridade do comandante em chefe dos exércitos aliados, e SS. EEx. me responderam satisfatoriamente a todos os quesitos que formulei.

O SR. ZACARIAS: – Dando instruções em resposta aos quesitos.

O SR. DUQUE DE CAXIAS: – Segui para o Paraguai e fui tomar conta do exército. Relevo agora fazer algumas observações sobre o estado em que o encontrei. Ao entrar no Rio da Prata, a primeira coisa que chamou minha atenção foram dois hospitais no Estado Oriental, outros dois em Buenos Aires, três em Corrientes, um no Cerrito, um no Itapiru, outro no Passo da Pátria e um ultimo em Tuiuti. Já se vê, pelo número dos hospitais, qual poderia ser o número dos doentes. Era, sem dúvida nenhuma, a terça parte da força do exército que se achava fora das suas fileiras.

O 1º corpo do exército ocupava a linha de Tuiuti, o 2º estava em Curuzu: não havia mais que 3.000 cavalos e estes não em muito bom estado; a cavalaria do 2º corpo estava toda apeada; não havia carros suficientes para se empreender qualquer movimento; não havia bois para a condução das carretas. Os dois corpos de exército eram inteiramente diversos em número e organização; pareciam pertencer a nações diferentes, tais eram as disparidades que neles se notavam. Em cada um deles havia uma economia, uma numeração e uma promoção particular. Havia valores diversos para as etapas; em um pagava-se a etapa por um preço, em outro por outro, etc., etc.

Era preciso, portanto, chamar tudo a um centro, fazendo uma nova organização, e para tudo isto é indispensável o tempo. Fiz a redução dos hospitais; acabei inteiramente com os de Buenos Aires e suprimi um em Montevidéu, ficando unicamente os três de Corrientes. Continuei a desempenhar a comissão de que estava encarregado com toda a boa vontade, zelando quanto era possível os interesses dos cofres públicos, e cumpro um dever de lealdade declarando que em todo esse trabalho sempre fui perfeita e completamente auxiliado pelo governo de quem recebi as maiores provas de confiança que era possível receber.

Assim correram as cousas durante os primeiros quatorze meses. Principiaram depois a aparecer acusações contra a direção da guerra. Perguntava-se incessantemente: Por que não se ataca Humaitá? Por que não se avança? Para que tantas delongas?

O exército achava-se no estado já referido. Era necessário organizá-lo, discipliná-lo, procurar meios de mobilidade, que não havia suficientes; não obstante, prosseguiam as acusações mais injustas na imprensa, e até na tribuna algumas vozes se erguiam contra o general em chefe. Ora, coincidiam essas acusações com algumas ordens que daqui foram e me pareceram não significar a mesma consideração com que até aí havia sido tratado. Minha boa fé sugeriu-me então o receio que o Ministério já não tinha em mim a confiança que até então parecia ter; que algum motivo haveria para supor fundadas as acusações, embora injustíssimas, que me eram dirigidas.

Julguei que o Ministério, tendo-me confiado o comando de nossas forças no Paraguai, exigindo de mim com instância o aceitar essa comissão, sentia vexar-me em exonerar-me dela, mas que, entretanto, desejaria ver-se livre de mim por motivos que de todo ignorava, mas que nem por isso deixariam de existir para ele. Nesta persuasão, dirigi uma carta (note-se que já estava doente), dirigi uma carta particular ao Sr. ministro da Guerra, em que fazia minhas queixas por essas pequenas cousas que me fizeram desconfiar, e pedia a exoneração de comando. Dizia eu comigo: “se o Ministério não está contente, me demite, mas se estou enganado, se ele está satisfeito com meus serviços, recusa a demissão, e então continuarei a cumprir meu dever enquanto minhas forças o permitirem”.

Tal era a minha boa fé que, quando aqui talvez se resolvesse minha demissão, estava em pessoa atacando as obras exteriores de Humaitá, determinando a subida da esquadra, dando assim novo impulso às operações da guerra. Se eu não fosse, Sr. presidente, como tenho sido sempre, o homem do dever e da lealdade, teria procedido desta maneira?

Não, decerto.

O Ministério recusou a demissão pedida; recebi explicações que me satisfizeram completamente e continuei a cumprir meu dever com a mesma dedicação e lealdade. Seguiu-se a marcha do exército de Pera-Cuê para Tebicuari.

O Ministério de 3 de Agosto, por motivos que eu inteiramente ignorava, deixou o poder em 16 de Julho.

Até então sabe o Senado a alta consideração com que fui sempre tratado nesta tribuna pelo nobre senador pela província da Bahia. Nunca ministro algum me fez os elogios que recebi do nobre ex-presidente do gabinete de 3 de Agosto; mas depois dessa época, S. Ex., não sei por que, declarou-se meu inimigo, procurou por todos os meios mortificar-me, desacreditar-me, assim na tribuna como na imprensa…

Estou tão fatigado, Sr. presidente, que não sei se poderei continuar; entretanto, farei ainda um esforço para dizer mais algumas palavras.

As acusações que daí por diante me foram dirigidas, já disse, foram respondidas vitoriosamente pelos meus generosos amigos; mas como alguns pontos necessitam de mais amplas explicações, pois se baseiam em fatos de que não podiam ter, como eu, tão cabal conhecimento, julgo conveniente referi-los com todas as circunstâncias, para que se restabeleça em tudo a verdade.

Não houve ato, por mais insignificante, que não fosse considerado grave falta do general em chefe. Acusam-me de ter administrado mal o exército, de não ter cuidado de sua economia. Disse-se que os presos eram maltratados, metidos no porão de um navio que fazia água; que não tinham que comer, o rancho não tinha gordura, etc.

Sinto, Sr. presidente, que o nobre senador por Goiás [Silveira da Mota] tivesse ido ao Paraguai depois de minha retirada do exército, e não conhecesse pessoalmente o estado das cousas antes e depois desse tempo, afim de poder comparar as três fases da guerra. Se pudesse fazer essa comparação, se convenceria de que muitas cousas, que teve de censurar, sempre se deram em muito maior escala.

Quando cheguei ao exército, qual era o lugar que servia de prisão?

Encontrei os presos no meio do campo, cercados de sentinelas. Aí eles não tinham licença para armar barracas, nem para acender fogo; estavam, pois, ao rigor do tempo.

Todas as noites de tempestade fugiam aos 10 e 12, e, entretanto, o número deles não diminuía, porque os pobres soldados que os guardavam eram punidos por essa fuga, ficando em seu lugar. Isto continuou por maneira que já não havia oficiais que quisessem encarregar-se deste serviço, preferindo antes ir para os postos mais arriscados da vanguarda.

Então julguei conveniente, não só para comodidade dos mesmos presos, como para segurança deles, tirá-los do lugar onde estavam: encarreguei os chefes do estado-maior da esquadra de prepararem um navio com as acomodações necessárias para recebê-los sob a vigilância de um oficial superior.

Mandei-lhes um médico, uma botica, tudo quanto se julgou preciso. Essa prisão ficou sob a fiscalização de um dos generais dos corpos do exército, que estava mais próximo ao lugar onde estacionava a esquadra.

Como poderia eu, em pontos tão distantes, fiscalizar esse serviço, e o modo de proceder dos meus subalternos a tal respeito?

Era possível que me separasse da frente do exército, com o inimigo à vista, entregue a cuidados tão graves, para ir à retaguarda examinar o pontão, revistar a comida e comodidade dos presos, depois de ter já dado todas as providências para o seu bom tratamento?

Não; não era possível.

Não duvido que houvesse faltas; mas por elas não posso ser responsável. Se S. Ex. pudesse comparar o que viu com o que se dava antes, e aconteceu depois, se convenceria que o tratamento dos presos nunca foi melhor do que no tempo de minha administração, e que um general em chefe não pode ser responsável por atos de seus subalternos, que nem sempre chegam a seu conhecimento, pois nunca tive uma só representação a tal respeito.

Disse-se também que eu tinha mandado dar gratificações arbitrárias aos oficiais do meu estado maior, quando me retirei.

Senhores, isto é uma acusação inteiramente falsa.

O Sr. ministro da Guerra mandou saber imediatamente que gratificações tinham sido mandadas dar por mim ao retirar-me do exército, e eu já li no Diário Oficial a resposta que deu a pagadoria, e por ela se vê que nem um vintém mais do que o marcado nas tabelas dos vencimentos dos oficiais, eu mandei abonar.

Fui também acusado de ter promovido oficiais por atos de bravura em número superior ao do quadro do exército.

Aqui está um mapa por onde se vê que em 27 meses que comandei o exército, isto é, desde 18 de Novembro de 1866 até Janeiro de 1869, promovi apenas 227 oficiais; e tanto não fui além dos limites do quadro, que o meu sucessor em 11 meses pôde promover 320, excedendo o quadro em 3 majores apenas. Creio que estes algarismos falam bem claro e provam cabalmente a falsidade da acusação. (Apoiados. Muito bem.)

Senhores, fui também muito censurado por não ter incluído nas listas que mandei ao Sr. ministro da Guerra, para a distribuição da medalha de mérito, a dois oficiais reconhecidamente valentes, como são os Srs. conde de Porto Alegre e coronel Tibúrcio.

E, pois que trato deste assunto, referirei o ocorrido acerca da criação dessa medalha.

Quando tomei conta do comando do exército, observei para logo os graves inconvenientes originados da prática adotada pelo governo de conceder a praças de pré, condecorações que lhes davam honras de capitão.

Esta prática era nociva à disciplina. Soldados que se distinguiam por atos de grande coragem, e que nem sempre eram os mais morigerados, quando se viam, por condecorações, equiparados em honras aos seus capitães, desde logo não queriam mais obedecer aos cabos de esquadra, sargentos e até aos oficiais subalternos de suas companhias, se julgavam em tudo iguais aos seus capitães (apoiados); daí provieram resultados terríveis: houve até assassinatos de tenentes e capitães. Não queriam sujeitar-se a certos serviços a que eram destinados; queriam que esses serviços recaíssem sobre os outros.

Mil outros inconvenientes ainda se deram, que é inútil enumerar. Representei ao governo referindo todos estes inconvenientes tão fatais à disciplina, e então lembrei-lhe a conveniência da criação de uma medalha especial de mérito, que só significasse a bravura pessoal, sem dar honras militares.

O governo atendeu à minha representação. Recebendo eu o decreto, e depois as medalhas, tive escrúpulos de executá-lo, distribuindo-as somente àqueles que se distinguissem da data do decreto em diante.

Porque, Sr. presidente, nos exércitos em campanha, logo depois dos primeiros combates, cria-se uma aristocracia de valor; e certos oficiais, e mesmo praças de pré, adquirem, pelos atos de coragem que praticam, crédito de valentes; todos os outros os reconhecem como tais.

Esses bravos, daí em diante, continuam a ser olhados com reverência por seus companheiros, sem que muitas vezes tenham outras ocasiões de se distinguirem de novo, ao passo que outros oficiais menos conhecidos, tendo o ensejo de praticar atos de valor, receberam a medalha de bravura, por feitos talvez de menor distinção, e que aos outros não poderia ser dada.

Atendendo a estas considerações, representei de novo ao Sr. ministro da Guerra, que foi justamente quem no Senado notou aquela falta, sobre a conveniência de se remunerar com a medalha de mérito também os serviços anteriores ao decreto que a criou. A decisão foi que o decreto não podia ter efeito retroativo; que essa medalha devia remunerar os atos de valor praticados da data de sua criação em diante, tanto mais que os militares que já se haviam anteriormente distinguido tinham, por isso, recebido outras condecorações.

À vista disto, senhores, reconhecendo os inconvenientes da distribuição de medalhas, abstive-me de a fazer, esperando que o governo reconsiderasse a matéria.

Remetendo depois ao atual nobre ministro da Guerra [marquês de Muritiba] as relações dos que julgava no caso de obter a medalha de mérito, foi ela distribuída a todos, sem se atender à data dos serviços prestados.

Portanto, já se vê que não tive parte alguma na exclusão desses dois oficiais (apoiados), e que a minha intenção era inteiramente oposta a que eles não fossem contemplados, e não só estes, como muitos outros.

Senhores, uma das acusações que mais mágoa me causou, foi a de minha retirada do exército sem licença do governo.

Já no Senado foram lidas as comunicações que recebi do ex-ministro da Guerra, o nobre senador pelo Piauí [marquês de Paranaguá], as quais foram ratificadas por um apoiado que nessa ocasião deu S. Ex., com todo o cavalheirismo. Essas comunicações importavam uma concessão de licença. É, pois, indubitável que a tinha desde o Ministério anterior.

Assumindo o poder o atual gabinete, e não sabendo se o nobre ministro da Guerra estava inteirado do que a este respeito havia ocorrido, tornei a pedir licença ao governo para deixar o comando do exército, no caso de piorar o meu estado de saúde a ponto de inabilitar-me para o serviço da guerra.

O governo não só concedeu-me a licença pedida como nomeou-me sucessor.

Este sucessor achou-me no exército e em mísero estado de saúde. Entreguei-lhe o comando, como consta da ordem do dia de 18 de janeiro, e parti para Montevidéu, onde, encontrando um dos membros do Ministério que seguia para o Rio da Prata em missão especial, dele soube que o governo imperial me havia concedido licença para vir tratar de minha saúde no Brasil, se não obtivesse melhoras naquela cidade, e como as não obtivesse, retirei-me para esta Corte.

Acusam-me também de haver-me retirado do exército, não por doente, apesar de estar plenamente provado o contrário, mas por ter dado a guerra por acabada.

Senhores, nunca dei a guerra por acabada. Apenas manifestei a minha opinião. Depois do que vi, depois do que se passou, eu não podia supor que López pudesse ainda continuá-la do modo como a tinha sustentado até então.

Qual foi o ato que pratiquei, quais as forças que mandei retirar das posições em que se achavam, dando por finda a guerra?

Não há nenhum.

É’ certo que os distintos generais os Srs. marquês de Herval [Osório] e visconde de Itaparica [Argolo] tiveram de ausentar-se; mas quem ignora que se achavam gravemente feridos?

“Veio comigo o chefe do estado maior”. Mas por quê? Porque tinha de dar contas ao governo de minha missão, estava gravemente enfermo, nada mais natural do que vir acompanhado do oficial que melhor podia auxiliar-me no cumprimento daquele dever, pois se achava ao fato de todos os acontecimentos e podia dar todas as informações que o governo pudesse exigir.

O SR. FIRMINO: – Muito bem.

O SR. DUQUE DE CAXIAS: – Ainda fui acusado de ter trazido meus ajudantes de ordens.

Mas quem eram eles?

Dois pertenciam à Guarda Nacional do Rio Grande do Sul, e estavam ausentes de suas famílias desde o principio da guerra, e os outros, que eram de 1ª linha [isto é, do exército regular], vieram só acompanhar-me e voltaram imediatamente para seus corpos.

O que há nisto que estranhar?

Tanto mais que, como é geralmente sabido, os ajudantes de ordens são considerados como pessoas de família dos generais, e sempre deles inseparáveis. Acresce que eu ainda não estava demitido do comando.

Outra acusação: “Ter reduzido os batalhões de voluntários, privando alguns de suas bandeiras”.

Como havia de proceder depois de batalhas e combates que reduziram alguns corpos a 70 e 80 praças e a 2 ou 3 oficiais?

Para que serviria um batalhão reduzido a este estado?

Não há quem desconheça que em tais ocasiões é sempre indispensável a reorganização dos corpos assim reduzidos. Essa reorganização era mais uma prova de que eu não considerava a guerra definitivamente acabada, pois nesse caso não haveria necessidade de reorganizar o exército.

Quanto às bandeiras, o que havia de fazer? Deixar batalhões com 3 ou 4 bandeiras cada um?

Proibi, diz-se, aos voluntários usarem de suas legendas.

Qual a ordem do dia, ou onde insinuação alguma nesse sentido? Não as podem apresentar porque nunca existiram.


Senhores, até me acusam de ter lembrado para substituir-me no comando do exército, o marechal Guilherme Xavier de Souza, considerando-se uma crueldade confiar esta comissão a um general que se achava doente.

Não há dúvida, senhores; quando pedi licença para tratar da minha saúde, lembrei a nomeação desse distinto general; mas este não estava com parte de doente, não se levantou da cama para ir tomar o comando do exército; pelo contrário achava-se desempenhando uma importantíssima comissão, qual a de presidente (apoiado) e comandante das armas da província do Rio Grande do Sul. (Apoiados)

Quem podia desempenhar tão importantes comissões não estava no caso de ir comandar o exército interinamente?

Decerto que sim.

Responderei agora à pergunta que me dirigiu o nobre senador pela Bahia [Zacarias de Góis e Vasconcelos], sobre o não ter perseguido a López em Lomas Valentinas, e ao pedido que me fez de vingar a memória do Sr. visconde de Itaparica [general Argolo] e salvar a reputação do Sr. marquês do Herval [general Osório].

Senhores, a minha ordem do dia de 14 de janeiro perfeitamente me justifica de não haver perseguido a López depois da batalha de 27 de Dezembro, e bem assim ressalva a reputação dos dois bravos generais já indicados.

Entretanto, vou satisfazer ao nobre senador.

Quando resolvi o movimento que levou o exército a Santo Antonio, ordenei ao general Argolo, depois visconde de Itaparica, logo que pusesse pé em terra, mandasse ocupar a ponte de Itororó.

S. Ex. seguiu embarcado às duas horas da noite, com a sua vanguarda, do ponto em que nos achávamos no Chaco, em direção a Santo Antonio, e eu, com o Sr. general Herval, partimos às duas horas da tarde. Cheguei ao lugar do desembarque às quatro horas da tarde, e apenas avistei aquele bravo general, perguntei-lhe imediatamente:

“Já está ocupada a ponte de Itororó?”

Respondeu-me: “Não…”.

“Por quê?” repliquei.

Soube então que não era possível ocupar a ponte sem se fazer um reconhecimento, mas que não se tinha desembarcado cavalaria suficiente para empreender essa operação.

Mandei marchar a pouca cavalaria que havia em terra, adicionando-lhe dois batalhões de infantaria.
Quando essa força chegou a seu destino, já achou a ponte ocupada pelo inimigo.

A posição era terrível. Ninguém conhecia o terreno; eram 4 para 5 horas da tarde, por isso julguei conveniente não atacar logo. Tínhamos de atravessar espessa mata onde o inimigo podia estar oculto, e ignorava-se até de que força dispunha além da mata.

Mandei retroceder essa vanguarda e ordenei o ataque para o dia seguinte.

Senhores, nada mais fácil, depois dos fatos consumados, e conhecido o terreno, a força e manobra do inimigo, de longe e com toda a calma e sangue frio, à vista de partes oficiais, criticar operações e indicar planos mais vantajosos. (Apoiados).

O SR. JOBIM: – Não faltam mestres de obra feita.

O SR. DUQUE DE CAXIAS: – Mas o mesmo não acontece a quem se acha no teatro das operações, caminhando nas trevas, em país inteiramente desconhecido, inçado de dificuldades naturais. (Apoiados.) E’ preciso que os nobres senadores se convençam que a guerra do Paraguai desde o seu começo, foi feita às apalpadelas. (Apoiados) Não havia mapas do país por onde me pudesse guiar, nem práticos de confiança. Só se conhecia o terreno que se pisava. Era preciso ir fazendo reconhecimentos e explorações para se poder dar um passo.

No dia seguinte, ao amanhecer, marchamos sobre a ponte. Travou-se o combate; nossa vanguarda apoderou-se da artilharia do inimigo, mas teve de retroceder em desordem sobre a testa da coluna, depois de ter caído morto o bravo coronel Fernando Machado.

Então soube pelo dito de um paraguaio que pelo nosso flanco esquerdo havia uma vereda que ia sair à retaguarda da posição ocupada pelo inimigo.

Ordenei logo, incontinente, ao Sr. marquês do Herval que à testa do 3º corpo seguisse por essa vereda, procurando contornar o inimigo, na suposição de que a distância, segundo informava o prático, seria de légua e meia.

Mas o que aconteceu? O caminho era péssimo e o ilustre general teve de percorrer uma curva de três léguas de extensão. Demorou-se, portanto, e com toda razão, mais tempo do que eu supunha.

O combate estava engajado, como já disse; a bateria já tinha sido retomada pelo inimigo, que com ela nos fazia grande dano. Forçoso, pois, era continuar o ataque para nos assenhorearmos dela. Efetuou-se segunda e terceira carga: foram feridos no seu posto de honra, e retiraram-se do combate, os Srs. generais Itaparica e Gurjão; as forças que eles comandavam tornaram a retroceder em debandada, e vieram sobre a testa da coluna em que eu me achava.

Que fazer? As circunstâncias eram críticas. Eu não sabia, nem podia saber onde se achava o Sr. marquês do Herval, nem que obstáculos teria encontrado, nem que demora podia ter. Duas horas já eram passadas; não havia tempo a perder. (Apoiados). A desordem da vanguarda podia comunicar-se à força principal; não vacilei um momento; pus-me à frente de todas as forças e tomei a posição.

Meia hora depois chegou o Sr. marquês do Herval e deu razões que provaram a absoluta impossibilidade de apresentar-se mais cedo. Justificou-se completamente.

Quanto ao Sr. visconde de Itaparica, torno a dizer o que já consta de ordem do dia. Não mandou fazer o reconhecimento pela razão já indicada.

Não é possível, Sr. presidente, fazer ideia adequada dos terrenos do Chaco. Durante o tempo seco, criam uma crosta de três ou quatro palmos de grossura, que permite a passagem de um ou outro cavaleiro, de uma ou outra carreta; mas se o trânsito se amiúda e o tráfego aumenta, a terra fende-se e cavalo, cavaleiro, carretas e tudo é absorvido por tremedais insondáveis.

Em luta com tantas e tamanhas dificuldades, pisando-se um terreno completamente desconhecido, como se quer exigir impossíveis? Onde está a culpa atribuída aos dois generais? Pode ser que o meu nobre colega, se fosse general e lá estivesse, procedesse de outro modo; eu fiz o que julguei mais acertado.

O SR. SILVEIRA DA MOTTA: – O Diário do Exército disse outra coisa.

O SR. DUQUE DE CAXIAS: – O que é que disse o Diário do Exército?

O SR. SILVEIRA DA MOTTA: – Tenho-o aqui.

O SR. DUQUE DE CAXIAS: – Também o tenho.

O SR. SILVEIRA DA MOTTA: – V. Ex. refere o reconhecimento de um modo diverso do Diário.
O SR. DUQUE DE CAXIAS: – Pois bem; V. Ex. agora julgue como quiser.
O SR. SILVEIRA DA MOTTA: – Não; julgo como V. Ex. Diz.
O SR. DUQUE DE CAXIAS: – A redação pode não ser boa, mas o fato é este.
O SR. SILVEIRA DA MOTTA: – Julgo pelas palavras de V. Ex.; mas argumentei em boa fé com o Diário do Exército.
O SR. PRESIDENTE: – Atenção.

O SR. DUQUE DE CAXIAS: – Perdoe-me; V. Ex. também me acusou, em um de seus discursos, de que, se nossas tropas não entraram em Humaitá, a 16 de julho, foi porque mandei ordem ao Sr. marquês do Herval para retirar-se, quando já estava dentro de Humaitá. É inexato; nem dentro de Humaitá esteve nesse dia nenhum dos nossos, nem tal ordem de retirada foi dada; e citou o Diário do Exército.

O SR. JAGUARIBE: – Apoiado; lembro-me disto.

O SR. SILVEIRA DA MOTTA: – Sim senhor.

O SR. DUQUE DE CAXIAS: – Aqui está o Diário do Exército. O que diz ele? Inteiramente o contrário do que referiu V. Ex. (Lê.)

“Dois ajudantes de campo foram então enviados pelo visconde do Herval, com pequeno intervalo de tempo um do outro.

“O primeiro participou a S. Ex. que o mesmo general havia já transposto o primeiro fosso, e que o inimigo parecia apresentar pouca resistência.

“A resposta de S. Ex. foi a seguinte: que procedesse como entendesse conveniente, levando a efeito o assalto, se visse probabilidade disto, sem grandes perdas de nossa parte.

“Neste mesmo sentido mandou S. Ex. expedir um telegrama ao general Argolo.

“O segundo ajudante de campo veio pouco depois participar que o mesmo general já se achava próximo à trincheira; que as nossas perdas já se tornavam consideráveis e que ele aguardava a decisão de S. Ex. para, não obstante, avançar ou recuar.

“Mandou-lhe S. Ex. dizer que deixava ao seu juízo o que entendesse mais acertado, e que se precisasse de mais forças, ele marcharia em seu apoio com as da reserva; devendo, outrossim, considerar que em tais ocasiões perdia-se às vezes mais gente retirando do que avançando.

“Nesta ocasião, mandou também S. Ex. expedir outro telegrama ao general Argolo, determinando-lhe que levasse a efeito o assalto, e fizesse seguir a seu destino a brigada que se tinha mandado embarcar.

“Acabava, porém, esta ordem de ser expedida, quando S. Ex. recebeu aviso de que vinha o visconde do Herval retirando; pelo que mandou imediatamente desfazê-la.

“Este general tinha já sofrido muitas perdas, e vendo que a resistência do inimigo se tornava tenaz, julgou conveniente contramarchar, uma vez que já havia conseguido o reconhecimento ordenado…

Eis o que houve. O Sr. marquês do Herval cumpriu seu dever, fez e procedeu como entendeu, e procedeu bem. Não retirou-se em consequência de ordem minha; mas usando do arbítrio que eu lhe havia confiado. Esta é a verdade.

Este Diário foi publicado no exército há dois anos; o Sr. marquês do Herval é um general de pundonor e brio, não deixaria pairar sobre sua honra a menor suspeita; se lhe eu tivesse faltado à justiça, não deixaria de reclamar em tempo. (Apoiados.) Nunca o fez e antes continua a conservar comigo as mais íntimas relações de amizade.

Passo a outro assunto.

Perguntou-me também o nobre senador pela província da Bahia, por que não persegui a López no dia 27 de Dezembro.

Senhores, não persegui a López por muitas razões: 1ª, porque eu não podia saber por onde López fugiria. O exército inimigo desfez-se na frente do nosso. Ahi está o depoimento do chefe de estado-maior do exército paraguaio; é ele quem declara que López se escapara pela picada do Potreiro Marmoré com 60 cavaleiros. Como o havia de perseguir em uma circunferência de três léguas que compreendia a área das operações?

Eu estava em um ponto, López fugiu pelo outro, metendo-se pela mata; como persegui-lo? Todavia, nesses lugares eu tinha mandado colocar cavalaria; mas ele podia passar pela mata sem que a cavalaria o pressentisse. Um grupo de 60 homens em um grande combate passa desapercebido. Além disto esse grupo internou-se em uma matta que ninguém sabia que dava trânsito.

Tinha de mais, à minha retaguarda, Angostura, com 15 peças de artilharia e 2.000 homens, pouco mais ou menos, de guarnição; como havia de entranhar-me com o exército por esses caminhos desconhecidos? Não era possível, sobretudo estando, em nossa retaguarda, Angostura ocupada pelo inimigo.

Entretanto, uma partida teve ordem de explorar a mata e trouxeram dela muitos fugitivos. Naquela ocasião ninguém sabia por onde se tinha escapado López; só três dias depois é que se soube a direção que ele tinha tomado, quando alguns oficiais, dos 60 cavaleiros que o acompanharam, deixando-o em caminho, se me vieram apresentar, e disseram que López se dirigia para Ascurra; mas eu não podia confiar ainda inteiramente em tais notícia

Hoje nada é mais fácil do que discorrer sobre a maneira de se ter agarrado López (apoiados); mas lá quem é que sabia onde ele estava, em tão considerável extensão de terreno ocupado pelas forças combatentes?

Depois de três semanas de contínuos combates, em que estado não se achariam o exército, os soldados, os cavalos, munições, e até o próprio armamento

Não estando concluída a manobra, voltei sobre Angostura, obriguei essa praça a render-se; não tive mais inimigos a combater. A navegação do rio ficou completamente desembaraçada e franca.

Marchei então para Assunção, onde me constava que havia ali ainda 2.000 homens às ordens de Camiños.

Cheguei a essa capital no dia 5 de Janeiro, tendo mandado ocupá-la no dia 1º. Três dias depois adoeci gravemente.

Tendo chegado o general que devia substituir-me, entreguei-lhe o comando das forças que ali se achavam.

Entendi que não devia permanecer na Assunção, porque essa permanência, além de agravar o mau estado de minha saúde, seria um embaraço para meu sucessor.

Um general da minha idade e graduação, tendo ocupado o lugar que ocupei, permanecendo na localidade em que está outro, aquele que o vai substituir interinamente, quem quer que ele seja, este nada resolve sem que o outro seja ouvido; tais eram meus sofrimentos que não me julgava em circunstâncias de dar conselhos: necessariamente minha presença havia de perturbar a marcha do serviço. Assim, julguei que devia retirar-me imediatamente para Montevidéu, que era ainda distrito do exército, e aí aguardar as últimas ordens do governo. Eu já tinha duas licenças, uma do Sr. Paranaguá e outra do Sr. barão de Muritiba

Tenho ainda muita coisa a dizer, mas estou tão fatigado…

O SR. MINISTRO DA MARINHA: – Descanse um pouco.


O SR. DUQUE DE CAXIAS: – Senhores, ainda direi alguma coisa para esclarecer ao meu colega (o Sr. Silveira Lobo) sobre uma acusação que me dirigiu na melhor boa fé.


Sr. presidente, até se me quis fazer um crime de haver trazido do Paraguai os animais de meu uso. Os meus amigos não deram grande apreço a esta acusação; mas nem por isso deixarei de defender-me.

É verdade que assim pratiquei. Estava no meu direito. Se o nobre senador soubesse isto, não me faria a acusação que fez.


Os oficiais montados têm direito à cavalgadura quando encarregados de qualquer comissão. Recebem na pagadoria das tropas o valor dos cavalos e bestas de bagagem.

O SR. SILVEIRA LOBO: – Perdoe-me; não foi pelos animais, foi pelo transporte ser caro.


O SR. DUQUE DE CAXIAS: – Quero apenas explicar o fato; nenhuma animosidade tenho contra o nobre senador, não.

Esses oficiais, como ia dizendo, quando são nomeados para alguma comissão têm direito à cavalgaduras, e as recebem em dinheiro na pagadoria das tropas. Se eles as quisessem comprar aqui e exigissem do governo o transporte, o governo teria obrigação de lho dar. Mas nunca acontece isto, quando as comissões são para o Sul do Império, pois neste caso ninguém compra animais aqui, todos levam dinheiro e lá os compram.

Se o oficial serve cinco anos na comissão para que foi nomeado, não restitui o valor do cavalo; mas se serve menos tempo, quando volta, a tesouraria lhe desconta no soldo pela 5ª parte, até que pague o valor, pelo qual ainda está responsável. Por consequência, se quiser trazer consigo as suas cavalgaduras, o governo tem restrita obrigação de lhes proporcionar transporte, porque elas não são propriedade do oficial e sim da nação.

Eu tinha o direito de trazer 6 cavalos e 12 bestas de bagagem; trouxe 3 cavalos e 4 bestas; creio que não fui além daquilo que podia fazer; e ainda sofro em meu soldo o desconto do valor desses animais, por isso que não estive na campanha cinco anos.

Acredito que se o nobre senador soubesse destas circunstâncias não me faria a acusação que fez.
E isto que pratiquei, praticaram todos os meus antecessores e o meu sucessor, e ninguém fez a respeito deles o menor reparo; todos os julgaram em seu perfeito direito. O que para eles era lícito, permitido expressamente pela lei, praticado por mim foi reputado um crime!

O SR. FIRMINO: – Apoiado.
O SR. DUQUE DE CAXIAS: – Senhores, ainda há uma acusação que muito me penalizou.

O nobre senador pela província de Goiás imputou-me um fato de grave negligência, isto é, não ter mandado recolher as armas dos nossos soldados que morreram ou foram gravemente feridos, e, as deixara, por isso, nos campos da batalha de Lomas Valentinas, proporcionando assim a López poderoso auxílio de mandar recolher essas armas, com as quais, depois de derrotado, pôde continuar a guerra contra nós.

Senhores, esta acusação é muito grave; tão grave quanto infundada. Mas, felizmente para minha defesa, está acabada a guerra. Já foi recolhido todo o armamento que havia em poder do inimigo; quantas armas brasileiras se acharam? Resquin, no seu depoimento, diz que apenas foram encontradas 500, sem declarar a que nacionalidade pertenciam; um boletim do exército, referindo-se ao dito de um passado do inimigo, não indicou o número.

Seria com estas 500 armas que López pôde sustentar a guerra por mais um ano? Não é de supor.

Procurei depois indagar se algumas armas brasileiras tinham sido encontradas nos últimos despojos do inimigo; escrevi a vários chefes, dos mais competentes, pedindo informações a este respeito, e eles me responderam que nenhuma arma nossa tinha sido encontrada.

Pode haver refutação mais completa de semelhante acusação?

Certo que não. Dúvida nenhuma pode hoje pairar a este respeito.

Estou intimamente convencido que o meu nobre colega foi iludido pelas informações inexatas que teve, pois, a não ser assim, a não se ter abusado de sua boa fé, era impossível que dirigisse tão grave acusação contra um general velho, que serve a seu país há mais de meio século.

Senhores, o Senado sabe que não tenho o hábito da tribuna.

VOZES: – Tem falado muito bem.


O SR. DUQUE DE CAXIAS: – Se o meu estado de saúde era péssimo ao retirar-me do Paraguai, hoje não está ainda de todo restabelecido. Paro aqui, por ora; se for preciso darei depois outros esclarecimentos. (Muito bem. Perfeitamente).

(Extraído de Annaes do Senado do Imperio do Brazil, Anno de 1870, Livro 2)


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FOI O PRESIDENTE JOÃO GOULART ,EM 1962, QUE DESIGNOU, DUQUE DE CAXIAS COMO PATRONO DO EXERCITO BRASILEIRO.

                                                                                                                                                                                   

PENSEMOS JUNTOS.

Nestes momentos de traição de parte da cúpula do exercito brasileiro, juntando-se aos traidores da pátria como Boçalnaro e sua quadrilha, é bom mostrar que Duque de Caxias jamais foi um traidor da pátria, sempre defendeu a independência do Brasil e sua unidade. Essa cúpula traidora, é a negação de Duque de Caxias e dos Guararapes, do qual Exercito brasileiro tem como referencia e inicio do Exercito nacional, que foi os Guararapes, que resultou na expulsão dos invasores holandeses. Aylton Mattos Movimento Getulista

O Duque de Caxias, por Capistrano de Abreu


Por Hora do Povo Publicado em 15 de maio de 2020





O texto que publicamos nesta página é o artigo escrito por Capistrano de Abreu, no centenário do Duque de Caxias, originalmente aparecido na Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, em 4 de agosto de 1903.


Como escreveu à sua esposa, a primeira impressão de Caxias, ao assumir o comando das tropas brasileiras na Guerra do Paraguai, foram os hospitais, em que os nossos soldados morriam.





Como escreveu um oficial, que lá estava antes que Caxias assumisse o comando:


“Começando a grassar a disenteria, de modo assustador, e, atribuindo-se ao fato da distribuição da carne no momento de abatido o gado, este serviço passou a ser feito com antecedência de 12 horas, cessando o mal em erupção, para reaparecer mais tarde, transformando em cólera morbo asiático, bexiga pele de lixa, tifo e sarampo, tudo a um tempo” (cf. general José Luís Rodrigues da Silva, “Recordações da Campanha do Paraguai”, ed. Senado Federal, 2007, p. 51).


Poucos meses após o início da guerra, em julho de 1865, Osório escreveu ao ministro da Guerra, Ângelo Muniz da Silva Ferraz: “A peste é a maior inimiga que temos” (cf. Maria Teresa Garritano Dourado, “História Social da Guerra do Paraguai: fome, doenças e penalidades”, Albuquerque: revista de História, Campo Grande, MS, v. 3, nº 6, jul./dez. 2011, p. 131).





Os netos do general Osório, no segundo volume da biografia iniciada por seu pai, Fernando Luís Osório, transcrevem um documento de um dos seus ajudantes de campo, no dia em que assumiu o comando:


“Montevidéu 1° de Março de 1865. – Nesta data assumiu o Comando em Chefe o Ex. Sr. Brigadeiro Manoel Luís Osório. O Exército nesse dia, não passava de um caos de calamidades. A soldadesca nua, a oficialidade desgostosa em consequência da Ordem do Dia nº 17 que publicou o combate de Paysandu. Uns, pedindo justiça pelo desprezo ou olvido a que foram atirados seus serviços; outros, inspecionando-se de saúde e fazendo-se julgar inválidos; muitos a pedirem licença; enfim, a mágoa, o descontentamento era o que se manifestava desde os soldados até aos oficiais superiores” (cf. Joaquim Luís Osório e Fernando Luís Osório (filho), “História do General Osório”, segundo volume, Typographia do Diario Popular, Pelotas, 1915, p. 40, Exposição do alferes Francisco de Assis Trajano de Menezes, do 5° Regimento de Cavalaria Ligeira).





Esse quadro somente foi inteiramente revertido com a posse de Caxias, nomeado comandante do Exército do Brasil na guerra, após o desastre a que Mitre conduzira os três exércitos aliados em Curupaiti.


“… a partir da administração do exército pelo General Caxias, em 1867, houve um cuidado mais acentuado na hospitalização, ambulâncias e higiene na alimentação, vestuário apropriado, abrigo da tropa e asseio dos acampamentos. A morte por afogamentos, suicídios, doenças venéreas, pneumonia, lepra, raios, varíola, sarampo, impaludismo, diarreia, disenteria, tifo, cólera, sífilis, beribéri, tuberculose, insolação e febres malignas rapidamente disseminadas durante a guerra devido ao deslocamento de soldados, migrações de populações refugiadas e aos estupros da população feminina, ocasionaram uma mortandade nunca vista antes em campos de batalha e [segundo o general Dionísio Cerqueira, em suas Reminiscências da Campanha do Paraguai] ‘causavam mais mortes que a metralha paraguaia’” (cf. Maria Teresa Garritano Dourad, op. cit.).


Caxias era um líder militar que, mais do que odiava, sentia repugnância visceral pela mortandade, pelos banhos de sangue e pelos crimes de guerra. Qualquer recurso que preservasse ao máximo a vida, inclusive de inimigos, era, para ele, não somente válido, mas urgente, imprescindível.


Daí, a sua famosa proclamação, quando outra vez comandante no Sul, em 1851:





“Não tendes no Estado Oriental outros inimigos senão os soldados do general D. Manoel Oribe, e esses mesmos enquanto iludidos empunharem armas contra os interesses de sua pátria; desarmados ou vencidos, são americanos, são nossos irmãos e como tais os deveis tratar. A verdadeira bravura do soldado é nobre, generosa e respeitadora dos princípios de humanidade.”


Daí, também, seu apego à ciência, que ia da vacinação dos soldados contra a varíola – muito antes de Oswaldo Cruz determinar a vacinação obrigatória no Brasil – ao uso de balões para reconhecimento aéreo.


Esse perfil, correspondente ao perfil que os brasileiros desenhavam para si próprios desde antes da Independência, tornou-o o maior gênio militar brasileiro (e não falamos de que não existe genialidade militar sem genialidade política, porque essa é uma questão ainda em disputa, na nossa historiografia, que merece abordagem à parte).

Assim, preferiu levar dois anos reorganizando o Exército no Paraguai, começando pelo sistema de saúde, além de disciplinar as tropas. Era um comandante implacável com crimes e delitos de soldados e oficiais em suas tropas.

O ENSAIO DE CAPISTRANO

Em 1903, quando Capistrano de Abreu publicou seu artigo sobre o Duque de Caxias, este ainda não era o patrono do nosso Exército.

Capistrano, na opinião de ninguém menos que José Honório Rodrigues, foi o maior historiador brasileiro. Nas suas palavras:

“É especialmente com Capistrano de Abreu que se inicia a historiografia nova, expressão do Brasil novo, pois ao escrever os Caminhos Antigos e o Povoamento do Brasil (1899), tema colonial ainda, ele rejeita a ênfase sobre as origens europeias e as relações europeias. Seu tema é inteiramente nacional, pois convidava os historiadores brasileiros a não centralizar o seu interesse nas comunidades do litoral, mas no interior, no próprio Brasil arcaico, é verdade, mas nas origens autônomas do Brasil novo: as minas, as bandeiras, os caminhos. A rejeição colonial está implícita no próprio tema colonial. Além disso, desde 1875 Capistrano considerava a Independência como a transformação da emoção de inferioridade a Portugal em consciência de nossa superioridade, embora sem modificar a emoção de inferioridade à Europa.

“Mas é sua orientação para a historiografia nova que nos interessa agora. Ele a enriqueceu, graças à sua formação, de novos conceitos: o de cultura substitui o de raça, seus estudos indígenas são atuais e renovam nossa etnografia; a importância da história social e dos costumes aparece pela primeira vez nos Capítulos [de História Colonial]; e o próprio sistema de casa-grande e de senzala e sua importância no Nordeste viu-o pela primeira vez em 1910. Ele sugeriu e indicou a seus amigos e discípulos novos problemas e teses, ainda não resolvidos, como a história do regime de terras, a história da legislação e do parlamento, a dos partidos, um dicionário e um atlas de história do Brasil (cf. José Honório Rodrigues, “Teoria da História do Brasil: introdução metodológica”, 5ª ed., Ed. Nacional, 1978, p. 34).


Nelson Werneck Sodré, apesar de apontar, na obra de Capistrano, “preconceitos, distorções, repetição de velhos erros de julgamento, omissões lamentáveis” – e, por alguma razão, emitir um julgamento que, em nossa opinião, está muito longe de ser exato (“Capistrano não acrescenta ao tratamento da História brasileira nenhum elemento fundamental, não a ilumina pela aplicação de um método, não a esclarece pela revisão de fatos, quanto ao conteúdo destes”) – diz, também, algo essencial sobre o historiador cearense:

“Na segunda metade do século XIX, na mesma medida em que instituições congêneres [do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro] começam a surgir nas Províncias, a historiografia assinala a tendência, que não era peculiar ao Brasil, de ver na História um gênero literário, apropriado ao discurso, à homenagem cívica.

“Ao aproximar-se o fim do século, a tendência é neutralizada em parte por outra, que leva à erudição, à pesquisa detalhista, ao exame dos documentos, à consulta de arquivos, à controvérsia minuciosa, destinada a regular pontos obscuros e dúvidas de pessoas e lugares acumuladas em quatro séculos. Os exemplos quanto à primeira tendência são numerosos. Quanto à segunda, o típico é Capistrano de Abreu, que faz escola” (cf. Nelson Werneck Sodré, “O Que Se Deve Ler Para Conhecer o Brasil”, 3ª ed., Civilização Brasileira, 1967, pp. 216-217).



Capistrano de Abreu




No texto abaixo, o leitor poderá conferir o que Capistrano concebia como historiografia – e como História.

Neste sucinto perfil do Duque de Caxias, é todo um desenrolar da História do Brasil que é exposto, sempre de acordo com documentos. Alguém (que nós, miseravelmente, esquecemos) já disse que, para Capistrano, a história era como um nó górdio, que cabia resolver (mas não, acrescentamos nós, pelo método de Alexandre, que era o de destruir o nó, desistindo de desfazê-lo).

Três anos depois de publicado, o artigo de Capistrano sobre o Duque de Caxias foi reproduzido na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (Tomo LXIX, parte II, 1906).

Em livro, foi incluído na segunda série dos “Ensaios e Estudos (Crítica e História)”, de Capistrano de Abreu, na edição das obras do historiador cearense, organizada pela Sociedade Capistrano de Abreu, e publicada, em 1932, pela Editora Briguiet.

Existem muitos comentários possíveis ao texto de Capistrano sobre o Duque de Caxias – a começar pelo ápice do Império, que ele localiza, corretamente, a nosso ver, na década de 50 do século XIX.

Depois disso, veio a longa descida de ladeira da decadência monárquica, em direção à ditadura pessoal do “poder moderador”, até sua remoção, mais de três décadas depois, pela Revolução Abolicionista-Republicana.

Deixamos, por ora, de fazer outros comentários. O mais importante é o que se pode aprender sobre Caxias e sua época, com o trabalho de Capistrano de Abreu.

(CARLOS LOPES)
O Duque de Caxias


por J. CAPISTRANO DE ABREU


Há um século, em Magé, na baixada do Rio de Janeiro, nasceu Luiz Alves de Lima, a 25 de agosto, dia de S. Luiz, rei de França, de quem tomou o nome. Descendia de notável família em que cruzavam o elemento francês, o elemento português e o elemento nacional; pelo lado paterno como pelo lado materno dela saíram onze generais, no decurso de três gerações.

A 25 de novembro de 1908 sentou praça de cadete no regimento do seu avô José Joaquim de Lima e Silva; aos quinze anos foi promovido a alferes; terminados vantajosamente os estudos na Real Academia Militar, passou a tenente, ainda no tempo de D. João VI.

A retirada do velho rei para a Europa foi o despertar de um sonho agradável que durara treze anos. Metrópole e reino, o Brasil voltava a colônia. E as cortes portuguesas, com uma coerência democrática, honrada mas imprudente, começaram a obra de regeneração pelo trono e pelas cumeadas. No Brasil foram logo feridos em seus interesses os altos dignatários que circundavam o jovem príncipe regente, e em contato contínuo com este podiam incitar e incitaram seu temperamento impetuoso e impulsivo. Após breve hesitação, o representante de el-rei trabalhou contra o próprio pai; quem devia garantir obediência e fidelidade à metrópole, encabeçou o levante contra ela; a autoridade foi derrocada pelos órgãos da autoridade. Não seria a última vez na história da dinastia.

Desde que tinha a dirigi-la o príncipe regente, afastados os elementos que podiam afrontá-la, a ideia de independência lavrou subitânea no Brasil inteiro. Na Bahia, as tropas da metrópole resistiram com vantagem por algum tempo aos filhos da terra, reduzidas a seus únicos recursos. Socorros mandados do Rio realentaram os espíritos dos patriotas; a esquadra começou o bloqueio do porto da capital; a 2 de julho de 23, desanimados e derrotados, partiram para além-mar os últimos defensores do poderio lusitano. A resistência na Bahia teve ainda o resultado do benefício de levar a esquadra às alongadas regiões do NE, evitando assim que, em nossa história, houvesse separação, como sucedeu geralmente na América espanhola, ou que ficasse ainda na grande colônia livre alguma pequena dependência da metrópole, como sucedeu à solitária Cuba até nossos dias.

Na Bahia, Luiz Alves avistou-se com guerra pela primeira vez. Seus assentamentos mencionaram feitos de 28 de março, 3 de maio e 3 de junho de 23. Ali conquistou um dos títulos que mais prezava, o de veterano da independência. A 22 de janeiro do ano seguinte teve a patente de capitão.

Ao movimento de independência contra Portugal aderiram também as terras da banda oriental do Prata, incorporada ao Brasil pela força das armas, pelo cansaço dos motins e guerrilhas, pelas combinações diplomáticas e pelas afinidades geográficas. Em começo de 25 parecia resolvido de vez o litígio secular, levantado pela fundação da colônia do Sacramento, e sempre pendente e irritante, apesar de tantas campanhas e tantos tratados; quem só atendesse às manifestações oficiais juraria a indissolubilidade da união entre brasileiros e orientais.

Como iludiam tais aparências verificou-se desde abril do mesmo ano. Trinta e três patriotas, entre estes João Antônio de Lavalleja, desembarcaram no porto das Vaccas, junto à Colônia, internaram-se, angariaram adeptos, e já em setembro e outubro ganhavam as batalhas do Rincón de las Gallinas e Sarandi sobre as tropas imperiais. Ao apoio quase unânime da população agregaram-se auxílios e socorros vindos do outro lado do rio, primeiro clandestina, mais tarde publicamente, depois do império declarar guerra às províncias platinas. O bloqueio de Buenos Aires, fruto desta declaração, teve em resposta a criação de uma esquadra de pequenos vasos, que zombou da nossa alterosa Armada, e dezenas de corsários que feriam a golpes redobrados e terríveis nosso comércio marítimo, desrespeitando nossos mares.

O teatro da guerra passou do Uruguai para o Rio Grande do Sul, e as operações bélicas poderiam protrair-se indefinidamente, se a intervenção inglesa, em 1828, não trouxesse com a paz a criação da República Oriental, independente ao mesmo tempo do Brasil e da Confederação Argentina.

Luiz Alves tomou parte nesta campanha do sul, ao qual devia depois tornar mais de uma vez, sempre com mais glorioso renome e prestando novos serviços à pátria. De lá voltou major.

Como major, chegado a esta capital, comandou o batalhão do imperador, e assistiu bem de perto aos sucessos da abdicação de D. Pedro I. Embora seu pai fosse um dos chefes mais infensos ao fundador do império, ele conservou-se ao lado do soberano até o último momento. Compreendeu quanto havia de artificial na agitação, e sugeriu meios de jugulá-la; mas D. Pedro sentia-se contrafeito entre seus súditos, que lhe não perdoavam o pecado original de estrangeiro, nem acreditavam mais na sinceridade do seu constitucionalismo; via-se alheio, segregado do povo, tão outro das multidões entusiásticas do 22. Ao mesmo tempo ocorriam em Europa sucessos que lhe prometiam nova e mais brilhante carreira no velho mundo. Preferiu partir quando lhe seria fácil ficar, e talvez fosse melhor, tanto para ele como para o país.

Com a partida de D. Pedro, desencadearam-se as forças revolucionárias desde o Amazonas ao Prata. Um dos lugares mais flagelados, senão pela amplitude, certamente pela frequência das convulsões, foi esta muito heroica e leal cidade. E ninguém mais fez para arrancá-la ao caos elementar do que Luiz Alves de Lima, comandante da polícia militar durante longos anos.

Esta comissão espinhosa, desempenhada brilhantemente, deixou vestígios bem profundos em seu espírito. Aí aprendeu como é difícil governar, como qualquer pronunciamento, que se parece resolver uma dificuldade momentânea, na realidade acrescenta aos antigos novos problemas mais árduos. Sobretudo aprendeu a identificar-se com seus subordinados, a não querer para si glórias e triunfos de que a parte maior não lhes coubesse.

Teve de abandonar algum tempo este posto para, já tenente-coronel, acompanhar em 39 o ministro da Guerra ao Rio Grande do Sul.

Rebentara um movimento revolucionário em Porto Alegre a 20 de setembro de 35. O presidente, homem de incontestável coragem, não achou quem o ajudasse a resistir nem ali, nem na cidade do Rio Grande, onde, reconhecendo isto, embarcou sem demora para a corte.

Os revoltosos tomaram conta da capital; a força pública passou para seu lado; os recursos do Governo caíram em suas mãos; a maior parte da província tácita ou explicitamente aderiu. Um novo presidente, mandado logo, chamou a si parte dos levantados, reocupou a cidade de Porto Alegre que nunca mais saiu da legalidade, e o combate de Fanfa (4 de outubro de 36) pareceu terminar a revolta, pois nele foram vencidos e presos alguns dos cabecilhas mais influentes.

Desde o princípio os legalistas da província disseram que os sediciosos tinham em vista separar-se da comunhão brasileira e proclamar a república. Negou-o Bento Gonçalves uma e muitas vezes por documentos solenes em que aclamou a constituição e o jovem imperador. E parece que era realmente sincero, pois só depois dele preso em Fanfa, seus amigos e companheiros proclamaram a república em Piratini a 6 de novembro.

É duvidoso se isto lhes deu novos elementos de vitalidade e resistência. Mas Bento Manoel, o vencedor de Fanfa, não achando a seu gosto o novo presidente mandado para substituir seu parente José de Araújo Ribeiro, mais tarde visconde do Rio Grande, prendeu o presidente; Caçapava, evacuada pelas forças legais, foi tomada com os abundantes materiais bélicos que possuía, caiu em poder da República a cidade do Rio Pardo, chave da campanha, e a nova forma de governo, ou governicho, como então se dizia, consolidou-se por muito tempo.

Bento Gonçalves, na ausência eleito presidente da república, fugiu das prisões da Bahia e novamente pôs-se à frente de seus partidários. Em manifesto de 25 de setembro de 35 declarara por único objeto “sustentar o trono do jovem monarca e a integridade do império”. Agora, a 29 de agosto de 38, exprimia-se de outro modo: “Desligado o povo rio-grandense da comunhão brasileira, reassume todos os direitos de primitiva liberdade, usa desses direitos imprescindíveis, constituindo-se república independente, toma na extensa escala dos Estados soberanos o lugar que lhe compete pela suficiência de seus recursos, civilização e naturais riquezas, que lhe asseguram o exercício pleno e inteiro de sua independência, eminente soberania e domínio, sem sujeição ou sacrifício da mais pequena parte dessa mesma independência ou soberania a outra nação, governo, ou potência estranha qualquer. Igual aos Estados soberanos seus irmãos, o povo rio-grandense não reconhece outro juiz sobre a terra, além do autor da natureza, nem outras leis, além daquelas que constituem o código das nações”.

O ministro da Guerra, a quem Luiz Alves acompanhou, parece não ter achado particularmente grave a situação, pois, chegando na província em fins de março, já em fins de maio se retirava para esta capital. É de supor que esta visão rápida não fosse perdida para o jovem sisudo tenente-coronel e desde já pensasse nos meios de desatar ou cortar o nó, se algum dia lhe coubesse tal incumbência. Hipótese aliás pouco provável então, pois ninguém pensava que o governicho durasse ainda muito tempo.

Neste mesmo ano elevado a coronel, Luiz Alves foi encarregado de pacificar a província do Maranhão, no caráter de presidente e comandante das armas.

A 13 de dezembro de 38, na vila da Manga de Igará, o vaqueiro Raimundo Gomes, vulgo Cara Preta, “figura insignificante, quase negro, a que chamamos fula, baixo, grosso, pernas arqueadas, testa larga e achatada, olhar tímido, humilde” que tinha a habilidade de fazer pólvora, arrombou a cadeia da vila e soltou os presos. A 2 de janeiro de 39, no Brejo, Manoel Francisco dos Anjos Ferreira, vulgo Balaio, coloca-se à frente de rebelados e começa a semear destruições e mortes. Um preto Cosme, que se assina “D. Cosme, tutor e imperador das liberdades bemtevis”, chega a aliciar três mil escravos. Tais os cabeças mais salientes desta conclusão conhecida por Balaiada, de nome de um dos seus chefes.

D. Cosme, intitulando-se “tutor e imperador das liberdades bemtevis”, como negro pernóstico fugido das cadeias da capital, insinuava-se representante do partido que tinha por órgão na imprensa o periódico Bemtevi. Mas a desordem só teve alguma coisa de política no Piauí, onde encarnou sérios esforços para sacudir o jugo de ferro do barão da Parnaíba. No Maranhão foi obra social ou, se a palavra parecer muito ambiciosa, etnográfica. Era um protesto contra o recrutamento bárbaro, começado desde a guerra da Cisplatina em 25, contra as prisões arbitrárias, contra os ricos prepotentes, contra todas as violências que caíam sobre os pobres desamparados negros, índios, brancos miseráveis. Duas filhas de Balaio tinham sido defloradas por um oficial da força pública, e daí sua avidez de vingança, a sanha de desagravo. O Cara Preta levantou-se para libertar um irmão preso.

Gente desta não se inspira em política, porque sua ação é contra a política. Podem os Balaios pedir que se acabe com as prefeituras, que se respeite a Constituição, que se expulsem portugueses, tudo isto não passa de oitivas mal decoradas. Sua verdadeira inspiração é matar, destruir, queimar e deixar-se matar como tinha sido na Cabanagem do Pará e entre os Cabanos de Pernambuco, como ia sucedendo com os Quebra-kilos da Paraíba e ainda não há muito se verificou nos santos de Canudos.

Entretanto, essa massa caótica por duas vezes tomou Caxias, cidade opulenta e populosa situada a meio caminho dos que viajam do Maranhão a Bahia, e eram muitos naquela época, pois a navegação de vela não oferecia segurança na costa de N. E., graças ao regime dominante de ventos; esta massa caótica invadiu duas províncias, intimidou a tal ponto a cidade de S. Luiz que o presidente mandou encravar as peças de artilharia para não caírem em seu poder.

“Meu ilustre antecessor”, escreveu mais tarde Luiz Alves de Lima, “entregando-me a presidência desta província, assegurou-me que seis mil rebeldes naquela época a devastavam, número sempre crescente, e nunca maior antes daquela data, porque se alguns se entregavam ou eram capturados, outros em maior cópia se levantavam e os substituíam; e isto mesmo se deduz de sua correspondência oficial, que na secretaria deste governo se acha. Mostrou-me depois a minha própria experiência que bem longe estava de ser exagerado este cômputo, como a princípio julguei, a ponto de acreditar que só existiam três a quatro mil. Se calcularmos em mil seus mortos pela guerra, fome e peste, sendo o número dos capturados e aprisionados, durante o meu governo, passante de quatro mil e para mais de três mil os que reduzidos à fome e cercados foram obrigados a depor as armas depois da publicação de decreto de anistia, temos pelo menos oito mil rebeldes; se a estes adicionarmos três mil negros aquilombados sob a direção do infame Cosme, os quais só de rapina viviam, assolando e despovoando as fazendas, temos onze mil bandidos, que com as nossas tropas lutaram e dos quais houvemos completa vitória. Este cálculo é para menos e não para mais: toda esta província o sabe.”

Partindo do Rio a 22 de dezembro de 39, só a 5 de fevereiro do ano seguinte pôde Luiz Alves chegar a seu destino, por causa de contratempos de diversa ordem, que o detiveram. A 7 tomou posse e começou logo a reparar os numerosos abusos que encontrou, dispôs as forças em três colunas principais, de que deviam separar-se colunas volantes para atacar os diversos pontos onde os Balaios aparecessem. A 7 de março saiu pela primeira vez da capital, indo por Icatú até Vargem Grande. Mais outras viagens fez sempre que lhe pareceu necessário, ora a um, ora a outro ponto, como em Itapecuru-Mirim onde reprimiu, severamente, parte da força pública levantada, por atraso em pagamento de soldadas.

A mais longa de suas excursões foi a Caxias, a antiga princesa do Itapecuru, duas vezes violada, que o recebeu como um salvador.

Graças à mobilidade das forças avulsas, à habilidade com que harmonizou seus movimentos, à providência com que impediu a passagem dos Balaios para o Pará e Goiás, foi por toda a parte vitorioso e em pouco tempo foram aparecendo os lineamentos da nova ordem. A deserção, o desânimo se estabeleceu entre os combatentes do desespero; a anistia facilitou o desfecho. A 29 de janeiro de 41, Luiz Alves proclamou a província pacificada.

No meio destas labutações não se esqueceu que além de chefe militar era também chefe civil. Reuniu a Assembleia e com ela colaborou, começou edifícios, mandou explorar rios.

A 13 de maio entregou o poder ao seu sucessor com um relatório em que se lê:

“Posto seja a guerra uma calamidade pública, e ainda mais a guerra civil, também é às vezes um meio de civilização para o futuro, e a par de seus males presentes alguns germens de benefício deixa. Pela rapidez dos movimentos e contínuas marchas comunicam-se os homens, estreitam-se as relações e os ânimos inertes se vigoram. Algumas pontes se levantaram no teatro das operações militares; citarei por exemplo a de Páulica, de mais de cem pés de comprimento, feita toda pelos soldados da 2ª coluna, sem nada despender a fazenda pública. As vilas se entrincheiraram e a faxina limpou as matas de vegetação ociosa que as invadia e sobre ela acumulava os vapores contrários à saúde; ativaram-se os correios, aumentou-se a necessidade de correspondência, e esta repartição rende hoje mais que em outros tempos.”

Diz ainda melancolicamente: “Não me ufano de haver mudado os corações e sufocado antigos ódios de partido, ou antes de famílias, que por algum tempo se acalmam e como a peste se desenvolvem por motivos que não prevemos ou que não nos é dado dissipar”.

Entretanto, ocorreu nesta capital um sucesso das mais graves consequências. O regente, eleito por um quatriênio, devia governar até 42; o herdeiro da coroa, pela Constituição, só podia subir ao trono aos dezoito anos, isto é, em 43. Isto pareceu muito tempo ao partido inimigo do regente e começou a agitar a ideia de reconhecer-se a maioridade do imperador antes do prazo legal. Neste sentido foi apresentado um projeto ao parlamento, que o rejeitou; mas os maioristas souberam captar o assentimento do jovem monarca, e adiadas as Câmaras, quando o lance parecia irremediavelmente perdido, de chofre, como por mágica, tudo saiu à medida dos desejos dos conspiradores. A 23 de julho de 40 D. Pedro II começou a reinar.

O ministério organizado, como é natural, de maioristas, entre os quais avultavam os dois irmãos Andradas, figuras lendárias da independência e do primeiro império, tinha a esperança e julgava-se capaz de serenar os ânimos, sempre agitados no Rio Grande do Sul.

Enganara-se o ministro da Guerra em 39, se pensou com sua aparição fugaz ter modificado vantajosamente a situação.

Em julho, com a tomada de Laguna, a república rio-grandense conquistava afinal um porto de mar, que até então não conseguira, graças à esquadra legal; proclamada a república catarinense, encontrava outro sócio de aventuras: uma marinha aparelhada às pressas por José Garibaldi, desfraldou seu pavilhão no oceano. No interior, Porto Alegre continuava cercada. Em diversos recontros, como em Forquilha e Taquari, os legalistas levaram a melhor; nem por isso a posição do governicho se tornara precária, e o fato de tanto tempo haver resistido ao império, dava-lhe força, e uma confiança extraordinária no futuro. Só em Santa Catarina a legalidade se restabeleceu facilmente de uma só vez; a república extinguiu-se mais depressa ainda do que nascera.

O ministério maiorista mandou ao Rio Grande do Sul um emissário, o benemérito paulista Francisco Álvares Machado, incumbido de encarecer a maioridade, os novos homens que se achavam à frente da governança e pregar a boa nova da conciliação e da paz. Pondo-se em correspondência e depois em contato direto com os inimigos do império, Álvares Machado convenceu-se de que passara a era da intransigência, e voltou com um ramo de oliveira. Para levar a termo sua missão pacificadora, foi nomeado presidente da província, ao mesmo tempo que o general João Paulo dos Santos Barreto seguia para comandar em chefe o exército legal.

Tomaram ambos posse em novembro de 40. Logo as felicidades começaram a sumir-se, os equívocos se desfizeram, as promessas ficaram burladas.

Bento Gonçalves desejou sinceramente voltar à comunhão, mas, como tantas vezes se observa, o chefe só era obedecido porque obedecia às vontades dos que se diziam seus subordinados. Por detrás do velho militar agitava-se um elemento novo e insofrido, que queria a república ainda antes de Fanfa, e este elemento triunfou. Já a 7 de dezembro Álvares Machado declarava rotas as negociações e preparava-se para lutar. João Paulo pisou o território ocupado pelos rebeldes, mostrando que podia fazê-lo sem ser aniquilado imediatamente como eles blasonavam.

A esta primeira decepção do ministério maiorista juntou-se logo outra ainda mais mortificante, a de ser despedido depois de apenas oito meses de exercício e ver chamado ao poder o partido contra o qual montara o golpe de Estado. Foi este o verdadeiro motivo das sedições que no ano seguinte rebentaram em S. Paulo e Minas Gerais e foram encomendadas para Pernambuco e Ceará.

De esmagá-la em S. Paulo foi incumbido o barão de Caxias que, desembarcando em Santos, transpôs a serra de Cubatão, dirigiu-se a Sorocaba e aí de um só golpe restabeleceu a ordem. Mais devagar andou em Minas Gerais, onde o incêndio tivera tempo para se propagar; mas aí a batalha de Santa Luzia mostrou breve que passara o tempo das revoluções fáceis e que, se a regência fora a tempestade, o império podia e queria ser a bonança.

Estas duas campanhas tão rapidamente ganhas legitimaram a promoção do barão de Caxias a marechal de campo, e indicaram seu nome como o do homem capaz de chamar novamente os rio-grandenses ao seio da pátria grande pela qual tantas vezes derramaram seu sangue desde a época colonial.

A situação era em suma a mesma que deixara Álvares Machado. As tropas mandadas pelo interior sob o comando do encaiporado Labatut, general de Napoleão, não deram o que se esperava. Os combates tanto tinham de numerosos como de pouco decisivos. Se a gente da legalidade não desanimava, os defensores do governicho não se sentiam exaustos; aqueles não podiam ser desapossados do litoral, estes continuavam a dominar na campanha.

Caxias tomou posse da presidência e do comando do exército a 9 de novembro de 42. A 11 de janeiro do ano seguinte, atravessa o rio S. Gonçalo sob os olhos de Neto, que não o pôde impedir. Bento Manoel, o vencedor de Fanfa, volta ao serviço e em Ponche Verde mostra que a vitória continuava sua fiel companheira. A discórdia se introduz entre os fundadores da república. A fronteira ocupada tira ao inimigo os recursos de que se alimentava; encerrado dentro do próprio território é por fim obrigado a bater-se. O combate de Porongo, em novembro de 44, produz o desejado efeito sedativo. Começam a sério as negociações. A 1 de março de 45 Caxias proclamava pacificada a província do Rio Grande do Sul.

Abrindo a assembleia provincial, assim apreciava o que tinha feito:

“Em 9 de novembro de 1842 tomei posse da presidência desta província e do comando em chefe do exército em operações, para que tinha sido nomeado por carta imperial de 28 de setembro daquele ano. A revolução que nesta província fizera sua explosão em 20 de setembro de 1825, por motivos que a história um dia relatará, adquirira na sua já tão longa duração novos incrementos, redobrava suas expectativas e refazia suas forças, sem que nada anunciasse o fim de sua torrente, apesar do muito que para isso se fazia.

“Assim achei a província como bem o sabeis.

“No campo era o pleito, e o exército imperial me chamava à sua frente para abrirmos a campanha.

“Depois de dar todas as providências para que minha ausência da capital da província não transtornasse a marcha dos públicos negócios, saí no dia 25 de janeiro de 1843 para o exército, e desde logo encetei as operações, não como o único meio de chamar os dissidentes à ordem, mas como um meio auxiliar da política de conciliação que empregava e que sempre empreguei em iguais casos para poupar sangue de irmãos; porquanto repetidos exemplos nos têm mostrado que nascendo a divergência e a desordem das ideias e das paixões do tempo, o tempo as gasta, e a palavra e a persuasão que as propagam também por sua vez as destroem e por fim reúnem-se os homens em uma mesma crença, abjurando seus passados preconceitos, filhos do tempo e da falta de experiência, e muito mais ainda quando os ligam os santos laços da confraternidade.

“Com este pensamento fiz a guerra, que durou ainda dous anos da minha presidência; e com este pensamento desenvolvido e posto em ação sem jamais ser desmentido, está em paz esta parte do império; e em tão boa e consolidada paz, que após nove anos e meio de uma guerra que apenas terminou em 28 de fevereiro de 1845, francamente se pode atravessar toda esta vasta campanha, sem se encontrar um só homem armado que ainda dispute sobre exageradas ideias, que já o tempo consumiu.

“Todas as autoridades civis estão restabelecidas no exercício de suas funções constitucionais; a paz reanima todos os ramos da pública felicidade; e o espírito novo, nascido do seio da desordem, enriquecido com a dolorosa experiência do passado, apregoa as vantagens da monarquia constitucional representativa.

“Esta tão extraordinária metamorfose é devida em parte ao caráter franco e leal da maioria do povo rio-grandense, caráter que sempre conservaram os legalistas e os dissidentes. No campo os conheci; gente brava, digna de fazer parte da união brasileira! Além de que são todos os brasileiros humanos, sinceros, entusiastas e aferrados ao seu país, fáceis em perdoar, em esquecer e em conformar-se com as ocorrências do tempo.”

Os serviços feitos na pacificação do Rio Grande tiveram como galardão ser elevado a conde de Caxias e promovido a marechal de campo efetivo. A província elegeu-o na lista tríplice para senador, e desde 46 até a morte representou-a no Senado.

Em junho de 51 o conde de Caxias foi nomeado novamente presidente e comandante do exército do Rio Grande do Sul. Não se tratava agora de luta civil, mas de garantir a independência do Uruguai, ameaçada por Manoel Oribe, instrumento de Rosas, o ditador e tirano argentino. Tomando posse de seus cargos em Porto Alegre a 30 do mesmo mês, começou os preparativos para invadir a fronteira. Pôde transpô-la a 4 de setembro. No quartel general de Cunhaperu assim definiu a seus soldados a missão que iam cumprir:

“Não tendes no Estado Oriental outros inimigos senão os soldados do general D. Manoel Oribe, e esses mesmos enquanto iludidos empunharem armas contra os interesses de sua pátria; desarmados ou vencidos, são americanos, são nossos irmãos e como tais os deveis tratar. A verdadeira bravura do soldado é nobre, generosa e respeitadora dos princípios de humanidade. A propriedade de quem quer que seja, nacional, estrangeiro, amigo ou inimigo, é inviolável e sagrada; e deve ser tão religiosamente respeitada pelo soldado do exército imperial como a sua própria honra. O que por desgraça a violar, será considerado indigno de pertencer às fileiras do exército, assassino da honra e reputação nacional e como tal severa e inexoravelmente punido.”

Continuou a marcha para Montevidéu; não foi, porém, preciso que entrasse em ação, porque as forças de Oribe foram se rendendo a Justo Urquiza, governador de Entre Rios, criatura de Rosas, agora revoltada contra o criador.

A esta rápida campanha na banda oriental do Prata, seguiu-se a guerra contra Rosas, que, desde anos, cobria de sangue e ruínas as terras argentinas, de que se constituirá tirano, defendendo-as contra os “imundos e asquerosos unitários”. Justo Urquiza, declarado “louco, traidor e selvagem unitário”, em lei promulgada pela “Honrada Sala de Representantes”, conhecia bem a fragilidade do colosso, nas aparências inabalável, e mais prestigioso e forte ainda depois de ter burlado a intervenção armada de França e de Inglaterra.

Bastaram a passagem de Toneleros, realizada por nossa esquadra, e a batalha de Montes-Caseros (3 de fevereiro de 52), onde combateu uma divisão brasileira mandada por Marques de Souza, futuro conde de Porto Alegre, para apeá-lo. Rosas fugiu para bordo do vapor inglês Centaur, acolheu-se à hospitaleira Inglaterra e aí, anos mais tarde, terminou placidamente sua negregada existência. Hoje procuram reabilitá-lo.

Tão rápidas andaram as duas campanhas libertadoras que já a 4 de junho de 52 o conde de Caxias entregava em Jaguarão o comando interino do exército ao barão de Porto Alegre. Neste mesmo ano foi elevado a marquês de Caxias e a tenente general.

A nova situação resultante da derrota de Oribe e Rosas liquidou-se sem dificuldades particulares na Confederação Argentina; o mesmo se não deu no Uruguai, terreno apropriado à caudilhagem e guerrilhas por sua situação entre dois países, donde lhe vêm incitamentos incessantes para novas perturbações, para onde se recolhem os guerrilheiros quando se vêm mal amparados em sua desditosa pátria.

O combate de Quinteros (28 de janeiro de 58) assegurou por algum tempo o predomínio dos Blancos, pois todos os chefes colorados feitos prisioneiros foram sumariamente degolados; mas o general Flores, que emigrara para a Argentina e lá parecia esquecido de suas antigas ambições, renovou a façanha dos Trinta e três, desembarcando com poucos partidários no Rincón de las Gallinas a 14 de abril de 63.

A revolução rebentou violenta. O governo oriental denunciou ao do Brasil a parte ostensiva tomada por brasileiros na empresa de Flores. Novas queixas, recriminações de parte a parte, o avivamento de antigas feridas levaram a uma situação tensa que terminou pelo ultimatum Saraiva, a aliança do Brasil com Flores, o bombardeamento de Paisandú, a queima acintosa em Montevidéu de todos os tratados e convenções assinados entre o Brasil e a Banda Oriental, a vitória de Flores e a entrega de Montevidéu.

Foi o prólogo do drama sanguinolento que ia começar. Francisco Solano López, ditador do Paraguai, interveio a favor da República Oriental, e vendo desprezada sua intervenção, apossou-se do vapor Marquês de Olinda que ia para Cuiabá, invadiu o sul de Mato Grosso, penetrou pelo território argentino de Entre Rios e Corrientes e, atravessando o Uruguai, apossou-se de parte do Rio Grande do Sul.

Foi declarada a guerra, em que o Brasil, a Argentina e o Uruguai entraram aliados. A batalha naval do Riachuelo, o combate de Yataí e a tomada de Uruguaiana prenunciaram campanha rápida, cheia de encontros decisivos. Puro engano: o tratado da tríplice aliança é de 1º de maio de 65; a morte de López e o fim da guerra só ocorreram em março de 70.

Desde o comêço foi lembrado o nome do marquês de Caxias para o comando em chefe das forças brasileiras. Considerações políticas da parte dos governantes, melindres pessoais da parte do velho general arredaram esta solução. Foi preciso o desastre de Curupaiti para impô-la.

O marquês se apresentou em Tuiuti em novembro de 1866, e desde logo foi fazendo o que lhe permitiam sua situação de subordinado ao comando em chefe do general Mitre (fruto do tratado da tríplice aliança), o cólera que devastava o exército, a natureza traiçoeira do terreno inóspito, o mais fiel e seguro aliado do ditador sanhudo. Quando o general Mitre, chamado à pátria pela morte do vice-presidente, o deixou comandante geral do exército aliado, pôde continuar a obra com maior vigor. De seu comando dos Permanentes na mocidade ficara-lhe a convicção de que mais vale organizar vitórias do que ganhá-las, e é preferível ser Carnot a ser Bonaparte. Mas sabia também ganhá-las: Itororó, Lomas Valentinas bastariam para prová-lo, se restasse alguma dúvida possível.

A 24 de dezembro de 68 os comandantes do exército aliado escreviam a López: “O sangue derramado na ponte de Itororó e no arroio Avaí devia ter persuadido V Ex. a poupar as vidas dos seus soldados no dia 21 do corrente, não os forçando a uma resistência inútil. Sobre a cabeça de V Ex. deve cair todo esse sangue, assim como o que tiver de correr ainda, se V Ex. julgar que o seu capricho deve ser superior à salvação do que resta do povo da República do Paraguai. Se a obstinação cega e inexplicável for considerada por V Ex. preferível a milhares de vidas que ainda se podem poupar, os abaixo assinados responsabilizam a pessoa de V. Ex. perante a República do Paraguai e o mundo civilizado pelo sangue que vai correr a jorro e pelas desgraças que vão aumentar as que já pesam sobre este país”.

E o ditador respondia-lhes: “VV. EEx. Julgam dever recordar-me que o sangue derramado em Itororó e Avaí deveria ter-me determinado a evitar o que correu no dia 21 do corrente. VV. EEx. esqueceram sem dúvida que estes mesmos atos podiam de antemão provar quão certo é o que acabo de ponderar sobre a abnegação de meus compatriotas, e que cada gota de sangue que cai em terra é uma nova obrigação contraída pelos que vivem. VV. EEx. não têm o direito de acusar-me perante a república do Paraguai, porque a defendi, a defendo e continuarei a defendê-la. Ela me impõe este dever e eu me orgulho de levá-lo até à última extremidade, e de mais, legando à história meus atos, só a meu Deus devo contas”.

Depois desta tentativa frustrada, rendida Angostura, ocupada a capital do Paraguai, o marquês de Caxias deu sua missão por terminada. Continuar a guerra era colaborar com López para o aniquilamento da nação. Prendê-lo, era tarefa somenos, de capitão do mato, para quem tinha atrás de si o seu passado altivo. A rato velho gato novo, diz a sabedoria popular e que seria difícil achar um, e de fato se achou.

A 14 de janeiro de 69 Caxias mandou seguir uma expedição para Mato Grosso; a 19 tomou o vapor; a 24 chegou a Montevidéu. No dia 9 de fevereiro escreveu a ordem do dia de despedida, a 15 chegou a esta capital. Foi nomeado duque de Caxias pelos relevantes serviços prestados na guerra do Paraguai. Já era marechal do exército efetivo.


***

Eleito e escolhido senador pelo Rio Grande do Sul, Caxias alistou-se no partido de Vasconcelos, Paraná e Euzébio. Convidado para entrar em mais de um gabinete, recusou sempre, até Paraná conseguir fazê-lo ministro da Guerra a 6 de junho de 55.

Foi um decênio memorável o de 50. O imperador contava vinte e cinco anos e a nação sentia-se igualmente moça. Terminara o período revolucionário, guerras estrangeiras felizes varreram a atmosfera, a extinção do tráfico tolhia novos insultos da soberania nacional, encurtava a distância do velho mundo com a navegação a vapor do Atlântico. Mauá canalizava milhões esterlinos, silvavam as primeiras locomotivas; as letras rasgavam os clássicos andrajos coloniais; falava-se em ópera nacional, em teatro nacional. João Caetano figurava de novo Moisés; três poemas épicos andavam em elaboração, havia quem escrevesse tragédias; na comissão científica do Norte não se admitiu um só estrangeiro, porque brasileiros bastavam e haviam de fazer melhor obra que os pobres Martius e Saint-Hilaire; o Instituto Histórico fitava sem acanhamento o Instituto de França; afinal delia-se a mácula original da nossa gente, a “apagada e vil tristeza”, de que já se queixava o épico lusitano, e Paraná, o político realista e prático, se empenhava em conciliar os partidos políticos.

Paraná pensava em conciliação de partidos e parecia desejá-la realmente. Caxias ajudou-o por sua parte, fazendo na pasta da Guerra todo o bem que pôde a seus camaradas, reformando as partes carunchosas do exército, procurando torná-lo realmente eficaz.

Depois da morte do poderoso marquês, assumiu a presidência do conselho e presidiu às novas eleições, em que pela primeira vez foi executada a lei dos círculos, essa lei de que esperava maravilhas a ingenuidade nunca escarmentada de nossos estadistas de boa fé.

Pela segunda vez organizou gabinete com Paranhos em março de 61 e esteve à frente dos negócios até abrirem-se as Câmaras, em maio do ano seguinte. Na realidade era tão pouco político que, ao começar a guerra, interrogado por um ministro liberal se queria partir para o Rio Grande do Sul, declarou estar pronto a seguir sem demora, se fosse nomeado ao mesmo tempo presidente da província, porque só com este título teria competência para mover a guarda nacional, sem a qual nada poderia.

Encarregado do comando do exército, esqueceu-se inteiramente da política, mas seu exemplo não foi seguido, nem por amigos, nem por inimigos. Principalmente a partir de 68, quando com a queda inesperada do partido liberal rebentou uma intemperança de linguagem, um fogo de paixão que se propagou até a Sibéria senatorial, não lhe pouparam golpes; contrista ler o discurso em que se defende das misérias que lhe assacaram.

Antes anos de dura guerra do que meses de gabinete, — dizia amargamente, resumindo experiências dolorosas. Nem mesmo a vaidade poderia levá-lo a voltar de novo a governar, pois a nada mais poderia aspirar depois da morte da duquesa, D. Ana Luísa Carneiro Viana. “Perdi o maior bem que neste mundo gozava, a minha virtuosa companheira de 41 anos, no dia 23 de março de 1874”.

Entretanto, em 1875, depois da queda do gabinete que com o voto de Caxias libertou o ventre escravo, teve de organizar ministério por instância do Imperador, ansioso para ver e ser visto nos Estados Unidos, e que dizia não fazê-lo com segurança se não deixasse o Estado nas mãos firmes do pacificador de quatro províncias, do lidador da libertação de três nações vizinhas. Enquanto o Imperador andou por fora, montava guarda ao Trono. À sua chegada, pediu para ser rendido, pois suas enfermidades não lhe permitiam mais tais serviços.

O modo por que o soberano exigiu a retirada “do resto do ministério” foi a afronta final. Desde então, não fez mais que vegetar. Mas na agonia lenta, que terminou na fazenda de Santa Mônica a 7 de maio de 1880, ele que assegurara ou verberara ser mais militar que político, quis provar que ao menos uma vez podia ser mais político do que militar: rejeitou todas as honras e pompas oficiais, quis ser enterrado como obscuro paisano.