segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Uma ditadura mafiosa na Argentina?


Por Jorge Beinstein, no site Carta Maior:

Já se destacou até o cansaço que, pela primeira vez em um século, no dia 10 de dezembro de 2015, a direita chegou ao governo sem ocultar seu rosto, sem fraude, sem golpe militar, através de eleições supostamente limpas, se trata de um grande novidade.

Mas é necessário esclarecer três coisas:

Em primeiro lugar, é evidente que não se tratou de “eleições limpas”, mas sim de um processo assimétrico, completamente distorcido por uma manipulação midiática sem precedentes na Argentina, ativada há vários anos e que finalmente derivou num operativo sofisticado e avassalador. Consumada a operação eleitoral, a presidenta que saía foi destituída poucas horas antes de entregar a faixa presidencial através de um golpe de Estado “judiciário”, demonstração de força do poder real que estabelecia, desse modo, um precedente importante, na verdade o primeiro passo do novo regime.

Isto nos leva a um segundo esclarecimento: o kirchnerismo não produziu transformações estruturais decisivas do sistema, introduziu reformas que incluíram vastos setores das classes baixas, saciou demandas populares insatisfeitas (como o julgamento de protagonistas da última ditadura militar), implantou uma política internacional que distanciou o país do submetimento integral aos Estados Unidos e outras medidas que se impuseram às estruturas e grupos de poder pré existentes. Mas não gerou uma avalanche plebeia capaz de neutralizar as bases sociais da direita, não quebrou os pilares do sistema (seus aparatos judiciais, midiáticos, financeiros, transnacionais, etc) não desarticulou a ofensiva reacionária. 

A alternativa transformadora radicalizada estava completamente fora do script progressista, a astúcia, o jogo hábil e seus bons resultados em curto e médio prazo maravilharam o kirchnerismo, o levou por um caminho sinuoso, acumulando contradições marchando rumo a uma derrota final. O governo que terminou nunca propôs uma transgressão dos limites do sistema, um salto por cima da institucionalidade elitista-mafiosa, das panelinhas judiciais influenciadas pelo partido midiático, pelos personagens destacados de uma lúmpen burguesia que aproveitou o restabelecimento da governabilidade pós 2001-2002 para curar suas feridas, recuperar forças e renovar seu apetite.

Como era previsível, as classes médias, grandes beneficiárias da prosperidade econômica dos anos do auge progressista, não tiveram uma reação de gratidão para com o kirchnerismo, e sim o contrário. Incentivadas pelo poder midiático, ela retomou os velhos preconceitos reacionários, sua ascensão social reproduziu formas culturais latentes provenientes do velho gorilismo, do desprezo à “negrada”, sintonizada com a onda regional e ocidental de aproximação dessas classes médias ao neofascismo. Não se tratou, portanto, de uma simples manipulação midiática, manejada por um aparato comunicacional bem organizado, mas sim do aproveitamento das irracionalidades ancoradas no mais profundo da alma do país burguês.

A terceira observação é que o fenômeno não é tão novo. É verdade que o processo de manipulação eleitoral se insere no declínio do progressismo latino-americano, o que foi realizado de forma impecável por especialistas de primeiro nível, certamente monitorados pelo aparato de inteligência dos Estados Unidos, não deveríamos esquecer que antes da chegada do peronismo, em 1945, a sociedade argentina foi moldada durante cerca de um século de república oligárquica (que não foi abolida durante o período dos governos radicais, entre 1916 e 1930), deixando rastros culturais e institucionais bem profundos, atravessando as sucessivas transformações das elites dominantes, como uma espécie de referência mítica de uma época onde supostamente os de cima mandavam através de estruturas autoritárias estáveis.

Nesse sentido, é uma curiosa casualidade, carregada de simbolismo, o fato de que foi o presidente “cautelar instantâneo”, Federico Pinedo imposto pela máfia judicial, o encarregado de entregar o bastão presidencial a Macri. Federico Pinedo: neto de Federico Pinedo, uma das figuras mais representativas da restauração oligárquica dos anos 1930, bisneto de Federico Pinedo Rubio, intendente de Buenos Aires no final do Século XIX e depois deputado nacional durante um prolongado período, representante do velho partido conservador. 

Seguir a trajetória dessa família permite observar a ascensão e a consolidação do país aristocrático colonial, construído desde mediados do Século XIX. O longínquo descendente daquela oligarquia foi o encarregado de entregar os atributos do mando presidencial a Mauricio Macri, que por sua parte é herdeiro de um clã familiar mafioso de raiz ítalo-fascista, instaurado por um “governo de gerentes”. Os avatares de um golpe de Estado instantâneo, estabelecendo um vínculo histórico entre a lúmpen burguesia atual e a velha casta oligárquica.

A crise

O contexto econômico internacional consiste numa crise deflacionária motorizada pelo desinflar das grandes potências econômicas. Os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão navegando entre o crescimento anêmico, o estancamento e a recessão, a China desacelerando seu crescimento e o Brasil em recessão determinam uma conjuntura marcada pelo esfriamento da demanda global, o que deprime os preços das matérias-primas e estanca ou diminui os mercados de produtos industriais. Em suma, um panorama mundial negativo para um país como a Argentina, que vive da exportação de matérias-primas e, em menor escala, de produtos industriais de médio e baixo nível tecnológico. 

Antes, para não cair na recessão por esses ciclos internacionais adversos – desde o ponto de vista teórico –, a economia Argentina precisava se apoiar cada vez mais na expansão e na proteção do seu mercado interno, seu tecido industrial, sua autonomia financeira. Porém, o governo de Macri inicia seu mandato fazendo exatamente o contrário: diminuindo o mercado interno através de uma redução drástica, em termos reais, de salários e aposentadorias, aumentando o endividamento externo, desprotegendo o grosso da estrutura industrial. É nessa direção que apontam suas primeiras decisões econômicas iniciais como a mega desvalorização do peso, a eliminação ou diminuição dos impostos às exportações, o aumento da taxa de juros, a liberalização das importações, e logo a eliminação de subsídios aos serviços públicos, com o conseguinte aumento de suas tarifas. 

Se trata de uma gigantesca transferência de renda em favor dos grupos econômicos mais concentrados (grandes exportadores agrários, empresas e especuladores financeiros possuidores de fundos em dólares, etc.), de um saque descomunal, que se prolongará no tempo ao ritmo dos aumentos dos preços, as depressões salariais, as desvalorizações e aumentos de tarifas. O desemprego cresce, assim como a pobreza e a indigência, a concentração de rendas avançará (já está avançando) rapidamente e o crescimento econômico nulo ou negativo será inevitável.

Segundo alguns especialistas, estaríamos embarcando num vórtice completamente irracional, marcado pelo declínio do grosso da indústria e da desintegração da sociedade, resultado da aplicação ortodoxa de receitas neoliberais “equivocadas”. Entretanto, o governo não se equivoca, atua segundo a dinâmica de uma lúmpen burguesia portadora de uma racionalidade instrumental, cujo fim não é outro senão o da acumulação rápida de riquezas, o saqueamento de tudo o que se cruzar pelo caminho. A racionalidade que brota da cabeça de certos economistas é a dos bandidos, dos donos do poder econômico, não é a do desenvolvimento econômico harmonioso e com resultados que beneficiem toda a sociedade.

Assim é como passamos de uma versão suave da política econômica anticíclica (desde o ponto de vista da tendência da economia global) a uma nova política pró-cíclica, que vem se incorporando com notável ferocidade à degeneração geral (financeira, institucional, ideológica, etc) do mundo capitalista.

O progressismo governou a Argentina entre 2003 e 2015 restabelecendo a governabilidade do sistema, tudo andou bem enquanto a besta lambia suas feridas, num contexto de relativa prosperidade, se recompondo do terremoto dos anos 2001-2002, mas desde 2008 as coisas foram mudando: o achatamento do crescimento econômico exacerbou sua vontade de abocanhar uma porção maior da torta, e nesse sentido, o dia 10 de dezembro de 2015 pode ser visto como o ponto de inflexão, como um salto qualitativo do poder draculesco das elites dominantes, inaugurando uma etapa de decadência da sociedade argentina. As forças entrópicas, devastadoras, conseguiram finalmente impor sua dinâmica.

Dois cenários

Nos encontramos diante dos primeiros passos de uma aventura autoritária de trajetória incerta. Não é fruto do acaso, e sim resultado de um prolongado processo de amadurecimento (degeneração) das elites dominantes da Argentina, transformadas em matilhas de predadores, em sintonia com o fenômeno global da financeirização e da decadência. Basta ver o próprio governo e seus apoiadores, um grupo no qual se sobressaem personagens acusados de crimes especulativos, como Alfonso Prat Gay, Carlos Melconian e Juan José Aranguren, ou “poderosos chefões” como Cristiano Rattazzi, Paolo Roca, Franco Macri (pai do presidente), ou de outros suspeitos de serem agentes da CIA, como a nova chanceler Susana Malcorra e Patricia Bullrich, para perceber que a tragédia local não é mais que um apêndice periférico de um capitalismo global embarcado numa louca corrida liderada por lobos de Wall Streeet, militares delirantes e políticos corruptos destruindo países inteiros, triturando instituições, saqueando recursos naturais e impondo um processo de destruição em escala planetária.

A lúmpen burguesia argentina, com sua articulação mafiosa na cúpula do poder (empresarial, judicial, midiático) e suas prolongações institucionais e abertamente ilegais, deixou de ser a força dominante nas sombras, que conspirava, condicionava, bloqueava e impunha, passando a assumir abertamente o governo. Isso pode ser atribuído a vários fatores, como a inexistência de um elenco de “políticos” com capacidade de decisão para implementar o mega-saque planejado, o que leva os próprios gerentes a tomar essa responsabilidade de forma direta – quer dizer, os “técnicos”, completamente alheios à conjuntura eleitoral.

O novo esquema é bastante eficaz na hora de adotar medidas contundentes contra a maioria da população, mas parece ser pouco útil na hora de amortecer o inevitável descontentamento popular (incluindo o de uma porção significativa de ingênuos eleitores de Macri). As panelinhas sindicais poderão gerar inação durante certo tempo, alguns políticos provinciais empurrarão para esse mesmo sentido, e também os meios massivos de comunicação buscarão distrair, confundir, justificar (já o estão fazendo), intensificando a campanha de idiotização, mas tudo isso é insuficiente para conter a magnitude do desastre em curso.

Por outra parte, o carácter lúmpen e instável do regime macrista, afetado por previsíveis disputas internas, golpes financeiros, turbulências exógenas de todos os tipos e próprias de um sistema global à deriva, e pressionado por uma base social cuja insatisfação crescerá até formar uma avalanche gigantesca, revelando a única alternativa possível de governabilidade mafiosa.

Se trata da formação de um sistema ditatorial com rosto civil e de configuração variável, que tem claros antecedentes internacionais recentes, é guiado pelo aparato de inteligência dos Estados Unidos e se apoia na chamada doutrina da guerra de quarta geração, cujo objetivo central é a transformação da sociedade, objeto do ataque, numa massa amorfa, degradada, acossada por erupções prolixas de violência caótica, impotente diante do roubo que está sofrendo. Iraque, Líbia e Síria aparecem como experiências extremas e longínquas, ao contrário de México e Guatemala, paradigmas latino-americanos que devem ser lembrados, embora a especificidade argentina incluirá certamente suas características originais ao novo caso. 

Temos que pensar numa combinação pragmática de distintas doses de repressão direta “clássica”, judicialização de opositores sindicais e políticos, bombardeio midiático (diversionista e/ou demonizador), repressão clandestina, incentivos às rivalidades sociais (quanto mais sanguinárias melhor), irrupção de grupos que aterrorizam a população (como os “maras” na América Central ou os batalhões de narcos no México), fraudes eleitorais, etc. Desse modo, a Argentina entraria com tudo num Século XXI marcado pela escalada do capitalismo tanático.

Entretanto, essa estratégia não pode se instalar plenamente de um dia para outro, requer tempo e uma certa passividade inicial das bases populares, e encontraria sérias dificuldades numa sociedade complexa como a argentina, com um amplo leque de classes baixas e médias portadoras de culturas, capacidade de organização, de histórias que a visão superficial dos gerentes financeiros e dos especialistas em controle social não conseguem ver como ameaças visíveis (ou parecem ser resistências ou nostalgias impotentes), mas que constituem latências, bombas de tempo de enorme poder, que podem explodir em qualquer momento. Este desafio de lidar com os de baixo pode convergir com o antigo temor que os de cima têm das hordas incontroláveis de pobres, conformando grandes interrogantes gelatinosos que generalizam as incertezas das elites, deteriorando sua psicologia.

A não viabilidade desse cenário sinistro, o possível rechaço a ele, deixaria espaço aberto para o desenvolvimento de um segundo cenário: o de uma crise de governabilidade muito mais devastadora que a de 2001. Nesse caso, a fantasia elitista da recomposição ditatorial mafiosa do poder político não havia sido outra coisa senão uma ilusão burguesa acompanhada do fim da governabilidade, do começo de um período de alta turbulência, de desintegração social de duração imprevisível. O progressismo tão desprezado pelas elites havia sido um paraíso capitalista destruído por seus principais beneficiários.

Como vemos, o inferno mafioso não é inevitável, embora não devamos subestimar a capacidade operativa dos seus executores locais e seu mega padrinho imperial, pois os Estados Unidos estão decididos a reconquistar o seu quintal latino-americano.

Para que lado penderá esta história? A resistência popular terá a resposta.

* Tradução de Victor Farinelli.

Por que atacar o Chico Buarque?


Por Rogerio Dultra dos Santos, no blog Democracia e Conjuntura:

Por que parar o Chico Buarque de madrugada, no meio da rua, para um esculacho?

A resposta é até simples.

O Chico representa a sofisticação e a genialidade singela, a beleza e o som que as elites imaginam ser de sua exclusividade.

Chico, filho da mais fina flor da aristocracia intelectual paulista, não se aliou – e nem se aliaria – aos gritos raivosos balbuciados contra o PT, contra as classes populares, contra o processo de igualização das condições sociais no país (o que Tocqueville chamaria, inclusive, democracia).

Chico não é a imagem especular das elites – ou pretensas elites – tucanas. Chico representa, a contrário senso, o que estas elites deveriam ser e não são. E isso as irrita profundamente.

Chico é original, enquanto os truculentos playboys do Leblon são uma cópia tosca, pretensiosa e vazia, perdida em devaneios de exclusivismo e revoltadas off line pela sua situação política kirch e por suas inteligências precarizadas e de aluguel.

E o gozo perverso desses moleques anabolizados pelo dinheiro expropriado do trabalho alheio é destruir tudo aquilo que não é espelho. Narcisismo voraz e inculto, que se locupleta da violência enquanto forma de manifestação cultural.

Os filhos e netos da elite vagabunda do Leblon, ao atacarem Chico Buarque, sinalizam qual o seu projeto de país, qual a compreensão de sociedade que chancelam: querem do Brasil a extração fácil das distinções e o reconhecimento dos privilégios que estão se esvaindo numa velocidade cada vez mais acelerada.

E Chico Buarque representa exatamente o lugar que eles nunca irão alcançar. Para o bárbaro, aquilo que não se compreende ou se controla, aquilo que não se alcança nem se alcançará, deve ser destruído.

Com relação a este, infelizmente, não há espaço para o diálogo. O que resta é apenas o império da lei.

Mas Chico está acima da necessidade de reconhecer estes indivíduos através de um processo penal. Preferirá o mais simples desprezo. E uma nota musical do tipo “Vai trabalhar, vagabundo!”.

domingo, 27 de dezembro de 2015

PARA MUDAR O BRASIL!





O SR. ROBERTO REQUIÃO 
(PMDB – PR) – Senador Paim, o pronunciamento que eu farei hoje é um pronunciamento consequência da reflexão, do estudo de um grupo de intelectuais do velho MDB de guerra. É uma reflexão sobre o Brasil e sobre as possibilidades reais que temos para mudar a situação em que nos encontramos, tanto a política, quanto a econômica, quanto a social. Nós daremos a este pronunciamento um nome. O nome é o seguinte: “Para mudar o Brasil”.Se abstrairmos o momento em que vivemos e olharmos o Brasil de uma perspectiva histórica, veremos que o nosso País, como nação, é um grande êxito! Saindo de levas populacionais marginalizadas, deslocadas de suas origens, criamos um povo novo. Indígenas, portugueses e africanos, acrescidos depois de gente de todo o mundo, formaram o povo brasileiro, hoje uno e diversificado, dotado de identidade, algo que inexistia há muito poucas gerações.
Estruturamos um sistema produtivo, habitamos um território bem definido, falamos a mesma língua, sem dialetos, e fundamos um Estado nacional, constituindo uma memória com sentimentos comuns.
Estamos unidos por uma clara identidade nacional. Ela não tem raízes em ideias de raça ou de religião. Não tem raízes em vocação imperial, em xenofobias e ódios, em qualquer tipo de arrogância. Tudo nos une na construção exitosa de um mundo novo no Novo Mundo.
Olhamos sempre para o futuro, somos abertos ao que é novo. Aceitamos a diferença e temos na cultura, uma cultura de síntese, a nossa razão de existir. Somos um grande País e temos o maior povo no mundo moderno.
No entanto, paradoxalmente, nossa história registra também um enorme fracasso. Esse povo, a imensa maioria, não assumiu até hoje o controle da Nação.
O estatuto colonial originário transmudou-se em dependência externa, e o escravismo prolongado, em gigantescas desigualdades sociais. Aliás, desigualdades que o atual projeto de escravatura pretender perenizar, porque não é um projeto para extinguir a escravatura, é um projeto para organizar e perenizar o regime escravo no Brasil.Ao longo da história, governado por uma elite que nunca se identificou com o seu povo, nunca se sentiu nacional, o Brasil mudou, mas sempre de forma a conservar relações com o passado. Até recentemente, essa situação podia perpetuar-se, com alto custo humano, apesar de comprometer, significativamente, a nossa existência. Agora não pode mais! O crescimento demográfico, a formação de inúmeras grandes metrópoles, o acesso à informação e a maior capacitação técnica colocaram o nosso povo diante de um desafio incontornável: o desafio de tornar-se o agente da sua história.
O Brasil, que desde a origem se organizou para servir ao mercado mundial, terá agora que se organizar para si mesmo. O Brasil de poucos terá de ser o Brasil de todos. Se formos incapazes de dar esse salto, nossa existência como Nação soberana e sociedade organizada está em perigo. Seria mais realista dizer: “Com a crise atual, esse risco é crescente”. E essa é a origem e o sentido da crise brasileira atual. Por isso, ela é dolorida, profunda e duradoura. Ela não reside na corrupção, fenômeno sempre presente na natureza humana e gananciosa; reside, sim, na falta de diretrizes das lideranças, que galvanizam o povo na construção de um projeto nacional que puna aqueles que a desvirtuam.
Nossa história recente é uma impressionante sequência de promessas frustradas. Em oposição à desesperança, ao pessimismo, à baixa autoestima, apresento à Nação um documento programático, para redefinir a própria inserção na vida política brasileira, neste momento crucial.
Temos uma herança a reivindicar. Fomos nós, do PMDB, como próceres e intelectuais do antigo MDB, depois PMDB, que participamos da vida pública.
O velho PMDB não é este que está aí – o velho PMDB que teve como marco a Assembleia Nacional Constituinte de 1988, presidida por Ulysses Guimarães.A Constituição continha importantes conquistas, avanços e potencialidades.
Na área pública, devolveu aos brasileiros o direito de eleger diretamente seu Presidente; ampliou a participação cidadã; reequilibrou os três Poderes do Estado; criou novas instituições de defesa da sociedade; e redesenhou o Pacto Federativo, Senadora Ana Amélia – essa luta que é sua e de todos os outros. O Pacto foi redesenhado pela Constituição e foi deformado depois com uma série de emendas e com a substituição de tributos por contribuições financeiras que não são distribuídas por entre as unidades federadas dos Estados e Municípios.
Na economia, a Constituição deu prioridade às empresas brasileiras de capital nacional e manteve a participação do Estado em setores estratégicos, como o do petróleo e o da energia elétrica.
Na área social, ela defendeu os direitos trabalhistas e definiu um sistema integrado de seguridade, dotado de orçamento próprio e voltado para garantir amparo aos segmentos sociais mais fragilizados: saúde pública para os doentes; previdência para os que ultrapassam o período de vida laboral; assistência social para portadores de deficiência e pessoas em situação de risco.
Havia um projeto civilizatório por trás de tudo isso. No entanto, todas as conquistas da Constituição de 1988 foram, por inúmeras emendas, anuladas. Na década de 90, deu-se a contrarreforma conservadora, feita em etapas, como se fosse um golpe de Estado estendido no tempo. A Constituição cidadã, escrita à luz do dia, com ampla participação, foi sendo esquartejada por meio de decisões sucessivas que a sociedade nem acompanhou nem compreendeu nem controlou, sequer foi chamada para referendar.
Na economia, a ideia de um futuro construído por uma coletividade que interage democraticamente, tendo como foco o bem-estar para todos, foi substituída pelo futuro opaco que resulta do jogo do mercado. A cooperação deu lugar a uma competição feroz, que só interessa aos mais fortes. O conceito de empresa nacional desapareceu da nossa legislação, e o papel do Estado foi erodido e debilitado.
Na área social, com o anunciado fim da Era Vargas, os direitos trabalhistas ficaram sob ameaça, e o sistema de seguridade, subordinado à lógica do arrocho fiscal, foi retalhado até tornar-se irreconhecível.O nosso crescimento econômico despencou. Depois de 50 anos de crescimento rápido, completamos duas décadas perdidas, seguidas por uma terceira, contemplativa, e caminhamos, a passos largos, para uma quarta, depressiva. Deixamos de ser a 8ª e passamos a ser a 16ª economia industrial do mundo. A riqueza concentrou-se em atividades vinculadas ao mercado financeiro, que se tornou mais atrativo que os investimentos produtivos que geram empregos e salários. E a economia desnacionalizou-se ainda mais, com empresas brasileiras sendo transformadas em massa, até mesmo nos setores mais estratégicos, em filiais de multinacionais que reservam para as matrizes as atividades mais nobres. Os vínculos tênues desse capital estrangeiro com o espaço econômico nacional atrofiam a capacidade de controlarmos o nosso processo de desenvolvimento.
A incipiente e recente tentativa de construir um Estado nacional de bem-estar social foi e está sendo hoje interrompida. O Estado perdeu a capacidade de realizar, induzir e coordenar investimentos, tornando-se refém do mercado financeiro, do sistema financeiro. O tempo histórico da Nação ficou subordinado ao tempo curto do capital financeiro.
O País, que, em poucas décadas, fez a Petrobras, a Companhia Vale do Rio Doce, a Embrapa, a Fundação Oswaldo Cruz, a Embraer, a Eletrobras, uma rede de excelentes universidades públicas, um instituto militar de engenharia e centenas de empresas e instituições desse tipo, que até hoje o sustentam, perdeu a capacidade de fazer, de criar e de ousar. Há muitos anos, só conjugamos os verbos cortar, vender, desnacionalizar, fatiar, desmontar e desfazer.
Compreendemos a gravidade da crise brasileira e desejamos propor um novo projeto para a Nação. Trata-se agora de reconstituir o bloco histórico capaz de retomar a construção do Brasil, o bloco formado pelos grupos sociais, que vivem no mundo da produção, do trabalho e da cultura, de um lado, unidos ao povo mais pobre, do outro. Assim, proponho, como base para a construção do projeto nacional, cinco compromissos.Primeiro: compromisso com a democracia. Ele aponta para o aperfeiçoamento do sistema político brasileiro em bases amplamente participativas, com o resgate da dignidade da função pública em todos os níveis, e a punição aos corruptos.
Segundo: compromisso com a soberania. Ele representa a nossa determinação de dar continuidade ao processo de construção nacional, buscando recuperar para o Brasil a autonomia decisória que nós estamos perdendo para o capital financeiro.
Terceiro: compromisso com a solidariedade. Construir uma nação de cidadãos, eliminando-se as chocantes desigualdades na distribuição da riqueza, da renda e, fundamentalmente, do acesso à cultura.
Quarto: compromisso com o desenvolvimento. Ele expressa a decisão de pôr fim à tirania do capital financeiro e à nossa condição de economia periférica, dizendo que mobilizaremos todos os nossos recursos produtivos e não aceitaremos mais a imposição interna ou externa de políticas que frustem o nosso potencial.
Quinto: compromisso com a sustentabilidade. Ele estabelece uma aliança com as gerações futuras, pois refere-se à necessidade de buscarmos um novo estilo de desenvolvimento socialmente justo e ecologicamente viável.
A expressão imediata do nosso descaminho é a ampla predominância, já faz muito tempo, de uma macroeconomia de curto prazo, que se nutre do próprio fracasso. Quanto maior o apelo a ela, maior a crise; quanto maior a crise, maior o apelo. Ela precisa ser substituída por uma economia do desenvolvimento com a combinação de políticas monetárias e fiscais que nos coloquem no rumo do pleno emprego, pois o direito ao trabalho é o suporte da cidadania.
Isso exige, desde logo, um conjunto de medidas conjugadas, como transformação progressiva e ordenada da dívida pública em investimento produtivo, em obras de infraestrutura, em novas fábricas; controle da entrada e saída de capitais; redução da taxa básica de juros para níveis internacionais; administração do câmbio em um patamar favorável ao equilíbrio das contas externas; políticas fiscal e monetária que busquem a estabilidade dos preços.Nos últimos anos, Senador Otto, mais de 40% dos recursos da União têm sido usados com encargos de dívidas financeiras, restando bem menos de 5% para investimentos. A desproporção dos gastos com serviço da dívida em relação aos demais gastos do Estado é chocante. No Orçamento da União em vigor, um mês de pagamento de juros corresponde mais do que o dispêndio anual do Sistema Único de Saúde; quinze dias correspondem a mais que o gasto anual com a educação; dez dias, bem mais que os recursos alocados no Programa Bolsa Família; cinco dias de pagamento de juros cobrem com sobras o gasto previsto em um ano para a construção de habitações populares; um minuto, apenas um minuto, corresponde a mais que a alocação anual com recursos para defesa dos direitos humanos.
Tanta deformação provoca o aumento irracional da dívida externa, pois as obras em curso, insuficientes, acabam sendo realizadas com financiamento do Banco Mundial e do BID. Endividamo-nos em dólar para realizar obras que poderiam ser completamente financiadas em moeda nacional. Essa engrenagem precisa mudar. Os trilhões de reais que compõem a atual dívida pública precisam ser usados criteriosamente para financiar obras de infraestrutura, segurança, defesa, agricultura e fábricas.
Em uma nova política macroeconômica, exige-se também o controle sobre a movimentação de capitais. A movimentação sem regulamentação, para dentro e para fora, altera, antes de tudo, as relações de poder; a movimentação sem regras impede o controle e até mesmo o cálculo da taxa de câmbio, ameaçando, com esse descontrole, desorganizar o sistema de preços em que se baseia a economia real. Como o mercado de câmbio é excepcionalmente volátil e ultrassensível a movimentos especulativos, o capital financeiro adquire um poder de veto sobre quaisquer decisões que a sociedade queira tomar.
Encurralado, o Estado torna-se refém desses movimentos. O poder soberano troca de mãos. A arquitetura institucional da política econômica está virada de ponta-cabeça, de cabeça para baixo, tendo o Banco Central como o seu operador, pois ele age com autonomia como um Estado dentro do Estado. O sistema financeiro subordina a ação de todo Estado nacional e do setor produtivo. A democracia se frustra, pois o poder real fica fora do alcance do povo.Na nova arquitetura que propomos, o Banco Central precisará trabalhar de forma intimamente articulada com o Tesouro Nacional, ambos perseguindo metas combinadas não só para a inflação, como hoje, mas também para o emprego, a…
(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB – PR) – … utilização da capacidade produtiva e o volume de crédito ofertado à economia real. Há um projeto nesse sentido do Senador Lindbergh que está dormindo na Mesa há dois, três ou quatro anos.
É vital retomar investimentos em grande escala em infraestrutura. Ineficiência e crises de energia, transportes e telecomunicações transformam-se em ineficiência e crises sistêmicas que atingem todos os empreendimentos. Esses são setores que exigem projetos grandes e de longa maturação, sempre relacionados com o planejamento estratégico de um projeto nacional.
O papel do Estado na elaboração dessa visão sistêmica permanece hoje, aqui e em todo mundo, rigorosamente insubstituível.
Só retomaremos um crescimento acelerado se adotarmos uma estratégia que, contrariamente ao que ocorre hoje, torne mais homogêneos os níveis de produtividade e de renda existentes em nossa sociedade.
Quanto à renda, quanto mais igualitária for a sua distribuição, maior e mais variada será a demanda e mais rapidamente o mercado interno alcançará dimensões que permitam ganhos de escala na produção nacional de bens e serviços, o que aumenta também nossa capacidade de competir nos mercados externos.
Paralelamente, o Estado precisará definir um conjunto de políticas destinado a baratear significativamente os custos da alimentação, da habitação e dos transportes.A mais recente recente Pesquisa de Orçamentos Familiar, realizada pelo IBGE, mostra que mais de 75% da renda das famílias brasileiras dirigem-se apenas a estes três itens: alimentação, habitação e transportes. Além de ser um indicador de baixa qualidade de vida – pois as pessoas apenas moral mal, se deslocam mal e comem mal –, é uma informação decisiva para a política econômica, pois explica a atrofia do mercado interno, que poderia ser o mais importante motor do nosso desenvolvimento.





Na nova pauta de investimentos públicos destacam-se também aqueles ligados à educação em todos os níveis, desde a pré-escola até a universidade.
Na última década, o Estado arrecadou cada vez mais, gastou cada vez menos com a sociedade e, mesmo assim, suas contas permanecem desequilibradas. Incapaz de compensar um enorme déficit financeiro, o corte de gastos aparece sempre como insuficiente, recolocando a necessidade de novos cortes mais adiante.
Povos sem Estado são facilmente expulsos da história. Os países capturados por essa dinâmica, como o Brasil, terminam por encaixar-se, de forma subordinada, na nova ordem mundial unipolar. Mas essa ordem não é estável nem permanente. A formação da União Europeia e o fortalecimento da China contêm as sementes de uma nova ordem multipolar. O espaço econômico da União Europeia rivaliza em tamanho com o dos Estados Unidos, e o euro pode vir a questionar a primazia do dólar.
As economias do Leste da Ásia, por sua vez, crescem muito rapidamente e formam uma área cada vez mais integrada com o estado chinês cumprindo um papel regional cada vez mais relevante. Nos três principais continentes – América do Norte, Europa e Ásia – surgem megaestados regionais, comandando grandes economias, com grande base territorial e populacional.
A América do Sul, o Oriente Médio e a África são as grandes regiões do mundo que ainda não definiram os seus próprios projetos regionais e não constituíram – nem estão em vias de constituir – os seus megaestados. Estão simplesmente marginalizados.
No caso da América do Sul, duas grandes possibilidades estão colocadas. A primeira vem sendo defendida por um número cada vez maior de cidadãos e instituições: a constituição…(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB – PR) – … de um projeto sul-americano, que garanta a união dos nossos povos e a inserção soberana dos nossos países no sistema internacional tem na Alca e seus sucedâneos o seu centro de articulação.
Isso reforçaria e tornaria quase irreversíveis os processos de fragilização do continente, com sua incorporação formal a uma área regional, sob o controle único, direto dos Estados Unidos da América do Norte.
Nossa margem de manobra no cenário internacional aumentará significativamente, se a América do Sul assumir um projeto próprio.
É um continente com grande potencial. A complementariedade das economias é enorme. A Venezuela é o segundo mais importante do mundo em recursos energéticos, só atrás da Rússia; a Argentina tem uma agricultura fortíssima; dos dez países mais bem dotados em recursos biológicos, seis estão na Amazônia. Temos gás, petróleo, minérios, capacidade de geração elétrica, água, terras, insolação abundante. Nossos povos podem construir com facilidade uma identidade comum.
Um projeto sul-americano é necessário e é viável. O Brasil tem um papel central nisso e, sem pretensões de hegemonia, tem grande interesse na integração.
Mas é preciso ressaltar que só teremos política externa forte, se tivermos controle sobre nossa própria base produtiva; capacidade de defesa; estoques estratégicos de alimentos e matérias-primas essenciais e a capacidade de produzir nossas sementes e medicamentos; investimentos pesados e coerentes em capacitação científica e tecnológica; alto grau de cidadania, e assim por diante.
Projetos multilaterais que permitam um reposicionamento, como o BRICS, deve ser incentivado. Esse conjunto de condições é vital para podermos tomar decisões com uma boa margem de autonomia.
A sociedade brasileira está vivendo uma época crítica. Sua sobrevivência depende da solução que for encontrada. De forma consciente ou não, seremos cada vez mais chamados a tomar decisões num ou noutro sentido que dizem respeito às questões decisivas. Afinal, o Brasil tem sentido. Deseja mesmo se autogovernar, pretende fazer do seu povo o construtor da Nação? Nós respondemos que sim. A ampla predominância do capital internacional e de seus associados internos no contexto de uma dependência essencialmente financeira tem impedido a continuidade dos processos de construção nacional. “Nunca foi tão grande a distância entre o que somos e o que poderíamos ser”, disse Celso Furtado antes de nos deixar.As condições essenciais para preparar o salto do Brasil, no século XXI, são de natureza política (com a definição de um projeto próprio e a vontade de elevá-lo adiante) e cultural (identidade clara e autoestima elevada). Aqui reside a fragilidade a ser combatida. Temos que repor a verdade que vem sendo destruída há mais de 20 anos pela elite venal. Somos um povo belo, mestiço, sincrético, tropical, feliz, tolerante e orgulhoso de ser brasileiro. Amamos o Brasil.
Estamos no limiar de uma fase histórica nova, em que o povo brasileiro assumirá o comando de sua Nação. Sua elevação plena à condição cidadã é de longe o nosso principal desafio. É preciso transformar a eliminação da pobreza e da “incultura” sob todas as suas formas de manifestações em um objetivo explícito, ao qual a sociedade subordina os demais. Esse objetivo nunca será atingido se for tratado, como hoje, como resultado presumido do modelo econômico qualquer.
Sabemos ainda ser um país pobre, com brutais desigualdades, mas temos um parque industrial articulado e quase completo, uma população jovem com presença marcante de quadros técnicos e pessoas habituadas à produção moderna. Agricultura capaz de responder a estímulos adequados, vasto espaço geográfico, recheado de recursos de todo o tipo. Temos capacidade científica.
A história está perguntando se a nossa geração vencerá a crise que vivemos e as nossas instituições terão a grandeza de fazer desabrochar a promessa civilizatória contida na sociedade brasileira.
Com esse trabalho, convocamos todos os brasileiros que desejam responder que o façam repetindo o nosso “sim”; queremos, sim, construir uma Nação moderna, independente e soberana. A esse trabalho seguiremos com algumas propostas pontuais.Senador Cristovam, o nosso projeto de educação, apesar de toda a discussão corporativa que tivemos, não é um projeto redentor da educação brasileira. Nós não temos ainda delineado de forma completa um projeto de infraestrutura que diga respeito às necessidades de um projeto nacional para gerar empregos e empresas.
Eu lembro aqui sempre o exemplo da Espanha, que teve um investimento simplesmente brutal em infraestrutura, que fez a riqueza de bancos e de empreiteiros, e hoje ela tem a maior estrutura rodoviária do mundo, mas não tem emprego, não tem indústria e não tem condição fácil de sair da situação em que se encontra.
Nós precisamos detalhar um projeto nacional, e é a isso que nós estamos nos dedicamos dentro do velho MDB de guerra, que não pode se submeter àquela asnice da ponte para o futuro, que é o dependentismo e o entreguismo subordinado, pouco racional, colocado a serviço de interesse do mercado financeiro e com nenhuma preocupação pelo povo, pelo emprego, pelo desenvolvimento e pela soberania nacional.
Nós vamos continuar com esse trabalho, pretendemos apresentá-lo na convenção do PMDB, que será o ano que vem, para que o Partido volte às origens que, cá entre nós, foram as origens comuns de todos os partidos e de todas as pessoas conscientes que militam na política hoje, depois do seu fracionamento. Mas não é um projeto peemedebista, é um projeto para o Brasil-Nação.
Com todo prazer, concedo a palavra ao Senador Cristovam.
O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT – DF) – Senador Requião, em primeiro lugar, é um prazer ouvir um discurso que traz a necessidade e apresenta a dimensão de um projeto nacional. Nós perdemos isso. Estou totalmente de acordo quando o senhor diz que o simples jogo da economia, sobretudo no tempo das finanças dominando tanto e das finanças internacionais, como o senhor disse na metade do discurso, dominando o processo…
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB – PR) – Macroeconomia de curto prazo.
O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT – DF) – … com a macroeconomia de curto prazo especulativa, não vai levar a um projeto de Nação. Então, a minha satisfação de vê-lo com essa preocupação.
Também a maneira como V. Exª coloca como fundamental, que é o lado da estabilidade monetária, a gente cuida do emprego também, como o senhor disse com clareza, ao tratar do Banco Central. A um pedaço do seu discurso eu não assisti, porque estava no trajeto do carro, onde ouvi uma parte, e quis chegar aqui correndo porque queria falar. Mas senti falta de duas coisas: primeiro, uma análise, Senador Otto, que, talvez, não seja este momento de saber quais são os limites que temos ainda hoje da independência absoluta de um país em relação ao que acontece no mundo. Até os anos 70, a gente podia falar em independência absoluta. Agora, toda independência é relativa. O problema é que temos uma dependência absoluta. Saímos da possibilidade de uma independência absoluta para uma dependência absoluta. Temos que entrar no tempo de uma certa independência cooperativa, digamos. Então, isso é o que talvez a gente precise aprimorar mais. E, segundo, é a ênfase na educação. Pode ser um equívoco meu, mas acho que o senhor tem muito perto o seu irmão Maurício, que concorda comigo, de que o caminho para mais da metade de tudo isso, como a independência, como a eficiência, como a redução da desigualdade, vem da possibilidade de ofertarmos a educação de qualidade igual para todos: o filho do rico na escola com a mesma qualidade do filho do pobre; melhor ainda dito pelo outro lado, o filho do pobre na mesma escola do filho do rico.O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB – PR) – Permita uma observação no seu aparte?
O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT – DF) – Sim.
O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB – PR) – O trabalho básico sobre o qual redigi este discurso dá uma demonstração clara. Por exemplo, no Brasil, temos 8,5% da força de trabalho empregada nos Estados, nos Municípios e na União. Os Estados Unidos têm 16%, e a França, 27%. Então, o nosso problema não é exatamente o de fazer cortes alucinados aqui e ali, mas sim, de selecionar e fazer esse pessoal trabalhar. Precisamos aumentar, sim ,o número de professores especializados, melhorar a qualidade da escola, diminuir o número de pessoas em cada sala de aula e valorizar a educação, não apenas do ponto de vista corporativo, mas do ponto de vista da eficiência. É claro que o trabalho feito no Congresso tem qualidades, há um outro trabalho do Mangabeira Unger muito interessante, mas nenhum dos dois me parece dar uma fórmula aplicável e eficiente neste momento. Temos que trabalhar sobre isso. Faço aqui o convite para entrar na nossa equipe que está trabalhando nesse projeto. A sua colaboração seria apreciada e inestimável.
O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT – DF) – Eu ia concluir dizendo que, quando o senhor fala em nós – e mais de uma vez fala –, eu queria me incluir também. Eu quero fazer parte deste “nós”, e o “nós” de buscarmos um projeto alternativo para o País. Podemos discordar de muita coisa aí, mas isso não importa. O que importa é que a gente tem uma coisa em comum: o Brasil precisa de um projeto nacional, que abandonou, que ignorou.
Esse projeto nacional tem maior ou menor capacidade de independência em relação ao exterior, a gente pode discordar aqui e ali. Um sistema financeiro tem maior ou menor independência e que a gente não pode dominar. Eu costumo dizer que não adianta reclamar do sequestrador, quando ele põe um revólver na sua cabeça, você tem que pagar o resgate. O mercado financeiro hoje, os bancos, sequestraram a gente. E não podemos, de repente, espernear e ignorar que eles estão com um revólver na cabeça da gente. Tudo isso, eu acho, são detalhes que podemos discutir. Mas eu quero reafirmar o que eu comecei dizendo, é bom ouvir um Senador trazendo a ideia de um projeto nacional em busca de um rumo para o Brasil, e um rumo que leve em conta toda a potencialidade da autonomia, da independência que nós temos a obrigação de buscar e condições de conseguir. Eu quero ser um dos que fazem parte do seu nós.O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB – PR) – O Senador conhece, mais ou menos, o grupo que está elaborando esse tipo de raciocínio. A ideia da autoestima nacional, da condição de ser brasileiro, da formação do povo passa pelo Carlos Lessa, pelo Darc Costa, pelo Márcio Henrique. Temos conversado paralelamente com economistas como a Maria da Conceição, o Belluzzo. O núcleo é aquele conhecido que trabalha perto de mim, no governo do Estado, e está há muito tempo dando uma colaboração que transformou o meu governo em um governo excelente no Paraná.
Agora, é um grupo aberto. Peemedebista, porque nós estamos nesta luta interna do PMDB. Mas muito mais importante que tudo isso é o País.
Com todo o prazer concedo o aparte à Senadora Ana Amélia.
A Srª Ana Amélia (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP – RS) – Obrigada, eu já iria fazer uma cartinha para o senhor, reclamando que eu havia levantado primeiro o microfone, mas como o segundo foi o Senador Cristovam, eu não brigo com ele, porque eu tenho uma admiração enorme. Eu tinha que começar, porque estava aqui na sessão, acompanhando o Senador Requião, e V. Exª dá uma contribuição realmente valiosa para este debate. Quero só fazer duas observações. A primeira, cumprimentá-lo por esse reconhecimento da crise federativa. Quando V. Exª fala do acréscimo de contribuições não compartilhadas com Estados e Municípios, quem foi governador sabe bem da injustiça criada neste processo. Então, teríamos que ter um pouco mais de solidariedade federativa, o que não está havendo, e levando Municípios – eu sou municipalista – e Estados a uma situação de, eu diria, quase insolvência, Senador, porque o que é exigido, o rigor da Lei de Responsabilidade para os prefeitos, muitos afastados dos seus cargos por conta do rigor da lei, e também isso não é justo, a repartição dos recursos arrecadados.
Nós não conseguimos avançar muito, porque os conflitos de interesse entre Estados, Municípios e a União são notórios. Então, vai demorar o tempo que nós vamos chegar a isso. E a observação que eu faria: V. Exª fez uma crítica à Espanha falando que é um País…(Soa a campainha.)
A Srª Ana Amélia (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP – RS) – … que foi uma referência. Fez uma estrutura logística de transportes extraordinária e que está ociosa. Pelo contrário, Senador, isso deu à Espanha a condição de ser hoje, na Europa, entre os países que têm em uma área da economia extraordinariamente relevante, que é o turismo. E, se não fosse essa infraestrutura de transporte, o País não poderia se beneficiar. Mesmo que seja um País pequeno. Hoje o senhor tem um trem rápido de Madrid a cidades como Sevilha, ou Córdoba, que o senhor faz isso com poucas horas. Então, eu penso que essa infraestrutura deu um salto de qualidade na mobilidade para os turistas. E a Espanha, com o turismo, tem uma participação importante no PIB deste importante País que todos nós amamos muito, e que nos mostra como vencer crises – como já passou tantas em sua história. Muito obrigada e parabéns pelo seu pronunciamento.
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB – PR) – E temos nossas raízes ainda na Espanha também. Mas a Espanha, se tivesse casado o projeto de investimento em infraestrutura com a necessidade do desenvolvimento nacional, estaria bem. Porque o turismo é fantástico! Mas hoje você viaja pela Espanha em rodovias com quatro, oito pistas, praticamente isolado, sozinho, solitário. A crise diminuiu o fluxo turístico e a Espanha perdeu receita.
Então, o que eu vejo é a necessidade de um casamento entre um projeto nacional integrado de industrialização com os investimentos em infraestrutura. Infraestrutura não é só turismo! É infraestrutura elétrica, é infraestrutura de saneamento, uma série de outros investimentos paralelos que aumentam a produtividade industrial. A infraestrutura não aumenta a produção industrial, mas ela dá condição de aumento da produtividade industrial: encurtando distâncias, facilitando transportes, fornecendo energia a preço barato, água, dando as condições corretas para o aumento da produtividade.
Eu quero dar a palavra inicialmente, Reguffe, ao Senador Maranhão.
O Sr. José Maranhão (PMDB – PB) – Senador, eu estava ouvindo atentamente o discurso de V. Exª. Cheguei, porque estava olhando a TV Senado e, de repente, pude ouvir V. Exª na tribuna do Senado
trazendo um projeto que pode marcar o reencontro do nosso Partido com as suas origens, o PMDB. O PMDB não pode ficar nessa política de toma lá, dá cá, brigando por empregos no Governo, que podem ser até os mais altos, os ministérios, mas que não têm nenhuma repercussão na vida política nacional e nem reabilitam o PMDB com as suas origens. Na verdade o eleitor do PMDB, que está disseminado no Brasil inteiro – é o Partido que tem mais capilaridade na vida nacional –, não se fez e não se faz, nem a nossa base, que está lá em todos os recantos do País, se empolgaria com uma política dessa natureza, porque ela contraria inclusive as origens,…O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB – PR) – O DNA.
O Sr. José Maranhão (PMDB – PB) – …as causas que deram origem ao PMDB. Mas eu me empolguei muito com o discurso de V. Exª em quase todos os aspectos, mas marcadamente quando V. Exª fala da educação, quando V. Exª fala da necessidade de reformular o modelo de educação que o Brasil tem, um modelo superado, um modelo que não tem um século de atraso, não, deve ter mais de um século, talvez um século e meio ou dois séculos. O Brasil não pôde se livrar da dependência tecnológica e científica que lamentavelmente ainda tem. Ciência não pode ser uma torre de marfim, apenas para alguns iluminados; a ciência deve ser o oxigênio que o País respira, com que o País cresce e é capaz de levar as suas riquezas e os seus produtos, sobretudo no campo da indústria, e da indústria nova, da informática, a todos os países do mundo. É assim que os chamados tigres asiáticos estão fazendo a sua independência, por meio de uma escola moderna, uma escola inclusiva, que abre espaço no mercado de trabalho. É triste a gente que é do Nordeste brasileiro e do interior ver que aqueles alunos que estão frequentando as escolas do curso médio, do curso primário vão terminar o curso e continuar desempregados,
porque os cursos existentes não preparam o aluno para o mercado de trabalho, para a profissionalização. O governo Lula deu um passo à frente nesse sentido, mas ficou muito tímido. A escola profissionalizante, os CEFETs e, agora, os institutos de educação, já na área do ensino superior, são pouquíssimos no Brasil. E o Brasil não sairá dessa crise sem um projeto arrojado. O Brasil precisa ter coragem de investir recursos na inteligência de seu povo, mas não está fazendo isso. E não sei quando vai fazer. Na área corporativa, V. Exª, quando atendeu o aparte do Senador Cristovam Buarque, que é um pioneiro em matéria de educação, porque poucos falam disso – eu o chamo apropriadamente de pioneiro –, falou do corporativismo. É preciso que também os professores e, sobretudo, aqueles que estão administrando a área de educação se convençam de que tudo está errado e é preciso fazer uma reforma radical, uma verdadeira revolução, senão o Brasil não vai sair das dificuldades em que está. A indústria nacional é uma grande linha de montagem, a colocar kits que vêm dos países desenvolvidos, inclusive da China Continental, dentro de uma caixa aqui, que recebem um selo Made in Brazil. E, naturalmente, os “industriais” – entre aspas – financiados pelos subsídios que o Governo concede vão ficar muito felizes e orgulhosos, mas todo mundo sabe que ali não tem nada produzido no Brasil. Eu sou prático. Por exemplo, este aparelhinho que está aqui na minha mão, o telefone. O Brasil tem centenas, talvez milhares, de modelos de telefone. Eu não sei se V. Exª conhece algum que tenha sido produzido no Brasil.O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB – PR) – Nem produzido e nem projetado.
(Soa a campainha.)
O Sr. José Maranhão (PMDB – PB) – Nenhum produzido no Brasil. Onde está a nossa capacidade? Nós queremos continuar como meros importadores de produtos da China e de quem mais tenha capacidade de fazê-lo? A própria indústria automobilística, que, uma vez, foi chamada de indústria de carroças pelo ex-Presidente Collor, agora merecia de novo qualquer apoio nesse sentido, porque estão importando os carros inteiros.
A inteligência do carro, o motor, o câmbio e quando parte para os eletrônicos, nada é produzido no País. Você compra um carro… Hoje a Mercedes-Benz, a Porsche, não sei mais o quê estão aí nas principais revistas nacionais anunciando os seus últimos modelos produzidos na Alemanha, na Europa, na França e nos Estados Unidos como produto nacional. E nós sabemos que é uma mentira, que é uma mentira, porque o Brasil não foi capaz de produzir algo que fosse realmente resultado da inteligência, da capacidade de nossos filhos. V. Exª traçou aí uma ode – e eu assino embaixo – à inteligência da juventude. E essa juventude está sequiosa por saber, por conhecer. Mas é preciso que se lhe ofereçam oportunidades. Os professores são obrigados, em todos os níveis, a ter dois, três bicos para poder sobreviver, vivendo de um salário de fome que não lhes permite frequentar os laboratórios, desenvolver experimentos e novos projetos para motivar os seus alunos. Então, eu acho que você excelência foi muito feliz. Eu estou falando apenas de um aspecto, claro que no improviso de um aparte, para dizer do meu entusiasmo. Mas tudo o mais que V. Exª falou aí poderá se constituir uma bandeira para o nosso grande partido PMDB se os seus dirigentes tiverem juízo para abraçar essas nossas causas e sair do dia a dia medíocre que nós estamos vivendo, lamentavelmente. Talvez por isso mesmo sendo testemunhas dessas desgraças que tem acontecido aí recentemente no Brasil.O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB – PR) – Senador Maranhão, parece um paradoxo, né? Mas a mudança e a modernização do partido veem de dois dinossauros peemedebistas, eu e V. Exª. Eu me lembrava que ironicamente de uma frase do Nelson Rodrigues quando perguntavam a ele “qual é a sua proposta para os jovens”? Ele, com aquele cinismo irônico, dizia: “envelheçam, meus filhos”. Não se muda uma realidade sem o conhecimento do passado, sem uma análise inteligente do presente e uma proposta para o futuro. Nós não podemos continuar a reboque de ideias que veem de fora para dentro e que visam única e tão somente nos colocar na dependência de países já mais desenvolvidos e organizados.
Com todo prazer, concedo o aparte ao Senador Reguffe.
O Sr. Reguffe (Bloco Apoio Governo/PDT – DF) – Senador Roberto Requião, eu quero, primeiro, parabenizar V.EXª pelo pronunciamento por um detalhe muito específico, porque V. Exª está fazendo aqui um debate de um projeto nacional. E eu sinto falta deste debate hoje no Parlamento.
Debate-se muito no Brasil projetos de poder, mas não se discute um projeto de país, um projeto de desenvolvimento nacional, um projeto nacional. Então, primeiro, quero parabenizar V. Exª por ter ido à tribuna fazer um debate de ideias, um debate do futuro do País, e não um debate da barganha política, o debate de um projeto de poder, mas o verdadeiro debate de um projeto nacional. Com relação ao seu pronunciamento, há partes com as quais eu concordo e outras que não refletem bem a minha opinião. Mas V. Exª toca em um ponto que é muito importante, que é a necessidade de termos uma política desenvolvimentista neste País. O Brasil precisa ter uma política desenvolvimentista que desenvolva economicamente o País, que gere emprego e renda, que incentive as pessoas a realmente empreender e desenvolver o Brasil. Então, essa questão do desenvolvimentismo, do desenvolvimento econômico considero importante. Mas quero me ater a um ponto que foi colocado por V. Exª no início do seu pronunciamento que, para mim, é de suma importância e que não vejo as pessoas debatendo, infelizmente. V. Exª falou com muita propriedade, no início do seu pronunciamento, sobre o aperfeiçoamento da democracia. Na minha concepção, a democracia representativa como a gente conhece está falida. As pessoas não querem mais votar por representantes, mas querem a democracia direta. Precisamos, pois, aperfeiçoar os mecanismos de democracia direta. V. Exª utilizou o termo de democracia participativa, aumentar a participação da sociedade. Considero que o futuro é isto: é a sociedade governando junto, a sociedade legislando junto, a sociedade participando junto dos governos neste País nos seus diferentes níveis. E acho que temos avançar para mais mecanismos de democracia direta, para a população participar diretamente do ato de governar. E V. Exª foi muito feliz quando colocou isso como uma das premissas na questão da democracia participativa. Penso que temos que avançar para isso, a fim de fazer com que a sociedade se sinta partícipe do ato de governar diretamente junto ao governo. Assim, quero me congratular com V. Exª.O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB – PR) – Senador Reguffe, a democracia atual é uma democracia inspirada em um processo grego. É a democracia da Ágora…
onde os gregos, cidadãos nascidos em Atenas, decidiam questões muito importantes para o seu Estado. Mas essa democracia também era limitada. Ela excluía todos os estrangeiros, excluía os escravos nascidos e não nascidos, e os mais pobres não participavam.Daí, um líder, um rei grego introduziu o mandato pago, o salário. Eu vejo muita crítica ao salário dos Parlamentares, dos Vereadores. O mandato pago foi uma inovação para possibilitar que os mais pobres pudessem participar da política, porque a política passou a ser um dom, um múnus das pessoas abastadas, porque os pobres não tinham nenhuma condição de se dedicar à administração pública.
Mas essa democracia direta evolui para a democracia representativa na medida em que as questões do Estado são tão complexas, que não podem ser discutidas uma a uma na ágora. Elas têm que se vincular a uma delegação da base para determinados personagens, que são os mandatários, os parlamentares, que vão falar em nome da base.
Mas a traição da delegação, a falência da representatividade foi tão grande, que o movimento sindical italiano criou outra figura, que eu acho que é a que nós temos que utilizar como evolução do processo, é o mandato imperativo. O sujeito se elege dizendo que vai cumprir determinadas condições, tem um programa econômico, tem um programa social. No momento em que ele deixa de cumprir, ele perde imediatamente o mandato, e a base que o elegeu coloca outro no lugar. O mandato imperativo é fundamental. Hoje nós temos a falência da democracia representativa.
Eu vejo essa falência quando o meu PMDB apresenta, na Fundação Ulysses Guimarães, um projeto que está à direita da loucura do Joaquim Levy, que é o dependentismo, é a vinculação definitiva do País aos interesses econômicos do capital financeiro vadio.
Então, a democracia se vinculando a um mandato imperativo, nós estaríamos dando um passo importantíssimo. E a Dilma, em vez de estar preocupada com esse impeachment, que realmente não vai ter sucesso, porque ela não é desonesta, ela deveria estar preocupada com o seu compromisso eleitoral, que a levou ao Palácio do Planalto, e o não cumprimento das ideias colocadas durante o processo da eleição.
O Sr. Reguffe (Bloco Apoio Governo/PDT – DF) – Senador Requião, eu quero só fazer um adendo a V. Exª. Eu concordo em gênero, número e grau. Eu, inclusive, protocolei aqui nesta Casa, no início do mandato, uma proposta de emenda à Constituição, PEC, sobre a revogabilidade de mandatos, onde a pessoa eleita teria que cumprir absolutamente tudo com que se comprometeu durante o processo eleitoral e registrou na Justiça Eleitoral. Ela teria que registrar, no início do processo eleitora, as suas propostas e compromissos pelos quais ela quer ser candidata.
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB – PR) – Na verdade, o registro existe já, é o estatuto do partido pelo qual ele se candidata.
O Sr. Reguffe (Bloco Apoio Governo/PDT – DF) – Ela quer ser candidata. E eleita, ela teria que cumprir tudo aquilo. Então, há uma PEC tramitando, de minha autoria, nesta Casa, sobre a revogabilidade de mandatos.
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB – PR) – E o voto aberto, Senador Reguffe, sempre aberto, em todas as circunstâncias. O pessoal diz: “Não, mas o Judiciário pode retaliar um Parlamentar que vote contra a admissão, a confirmação da nomeação de um Juiz”. Não é bem assim. O que eles podem nós podemos também. Na medida em que eles podem mandar prender um Parlamentar – com o que nós concordamos, em uma sessão memorável aqui –, nós podemos impichá-los também, impedi-los também, desde que não cumpram o seu dever constitucional e não procedam com correção.Então não há porque haver esse medo do Congresso Nacional. Esse medo vem, provavelmente, da origem do financiamento de empresas privadas para campanhas eleitorais. Os Parlamentares se vinculam aos seus financiadores, não se vinculam mais aos ideais partidários.
Eu lembro que o meu PMDB – na época em que algumas pessoas que me ajudaram na reflexão desse processo estavam no Partido – era o Partido das classes populares, o Partido das classes desligadas do interesse do grande capital, o Partido dos funcionários públicos, das mulheres, das minorias. De repente, eu abro o livro do PMDB – estatuto e princípios –, e retiraram isso, em uma convenção mandrake dessas que fazem, sem que a gente tome conhecimento! Assim como retiraram da Constituição o Estado Social, progressivamente, com emendinhas. E agora surge aí o Joaquim Levy, e o PMDB apresenta o tal Uma Ponte para o Futuro, que nada mais é do que uma regressão absoluta de todos os princípios, uma traição completa! Em um partido sério, o pessoal que apresentou aquilo seria excluído dos quadros partidários.
Presidente, muito obrigado pela enorme tolerância, na realização desse debate, e vamos levar essa discussão para a frente.

domingo, 20 de dezembro de 2015

Os juros nos EUA e a estagnação secular


Por Marcio Pochmann, naRede Brasil Atual:

Após a fase de otimismo econômico do início da globalização financeira e as políticas receitadas pelo Consenso de Washington do final de década de 1980, passou-se a assistir ao desempenho econômico e social decepcionante, sobretudo desde a crise de dimensão global iniciada em 2008. O regime de expansão das forças produtivas segue muito abaixo do verificado até o início deste século.

O contexto atual de baixo dinamismo econômico vem reforçando cada vez mais as interpretações de que o capitalismo encontra-se mais uma vez em direção à estagnação de longa duração. Os saltos tecnológicos, embora importantes, apresentam-se insuficientes para motivar a volta sustentável do crescimento econômico.

A adoção do receituário da austeridade fiscal em vários países não surtiu efeitos positivos, a não ser a queda provocada dos custos do trabalho como tentativa de estimular maior lucratividade por parte das empresas. Mas sem elevação dos rendimentos, o consumo global não se acelera, impedindo que a demanda efetiva sustente lucros futuros crescentes.

Além disso, a desigualdade ampliada na repartição da renda, com altíssimo patamar de pobres e desempregados, conecta imediatamente as nações ricas ao passado do século 19. O fosso entre ricos e pobres só tem aumentado.

Nesse sentido que o sistema financeiro apresenta-se como decisivo na organização e gestão das riquezas e rendas dos capitalistas. Todavia, a corda que serve para segurar o valor real dos ativos financeirizados dos ricos não se mostra eficiente para empurrar as economias para frente, pelo contrário, favorecendo o ambiente de estagnação no capitalismo.

Ademais, nota-se que o que vem segurando muitas economias capitalistas de uma depressão grave tem sido a trava da renda indireta recebida pela maior parte da população sustentada pelo Estado de bem estar social. Do total do rendimento médio da população, cerca de 40% passa diretamente pela intermediação do fundo público.

Por isso, não fosse a política monetária expansionista nas economias mais ricas, o quadro internacional seria mais grave. Neste momento, uma possível elevação na taxa de juros dos Estados Unidos pode azedar ainda mais os prognósticos para o ano de 2016.

Por estar submetida ao crescimento econômico medíocre, a mudança da política monetária nos Estados Unidos, com aumento dos juros, tende a apontar para uma instabilidade acentuada, fortalecendo a prevalência do caminho da estagnação secular. Assim, a preparação para o novo ambiente que se avizinha requer a desvalorização de suas moedas que, mesmo sob o impacto de maior inflação, privilegia a posição de superávit no comércio externo.

A existência de saldo comercial positivo na atualidade conta positivamente na posição de força relativa de cada país. Também o acúmulo significativo de reservas em moedas estrangeiras ajuda frente à perspectiva de possível fuga de capital para os Estados Unidos com taxas de juros mais elevadas.

Interessa ainda destacar os sinais de mudanças na política de gasto dos países ricos. Tal como na década de 1930, com a prevalência do quadro depressivo de longo prazo, o aumento do gasto público militar tendeu a ser um caminho perseguido por parcela das economias.

Guardada a devida proporção, constata-se que nos dias de hoje o gasto militar, associado cada vez mais à segurança e informação, concentra parte importante do total das despesas dos governos. Os Estados Unidos, por exemplo, seguem respondendo por dois quintos das despesas militares totais do mundo. Desde 2001, elas crescem 6,5% como média anual.

Estados Unidos é o país que mais violou os direitos humanos no mundo

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Anualmente o Departamento de Estado Norte-Americano divulga um relatório com uma lista de países acusados de desrespeitarem os direitos humanos. Coincidentemente, esses países são conhecidos mundialmente por divergirem política e ideologicamente dos Estados Unidos e por não se submeterem ao imperialismo ianque.
Porém, as atrocidades cometidas pelos Estados Unidos dentro e fora de seu território são provas mais que suficientes de qual é o país que mais viola os direitos humanos no mundo. Falsa liberdade, falsa democracia, falsa igualdade, falsa vida: é com essas ideias que a potência mundial é exaltada como falso exemplo de nação plena. Em março de 2014, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) questionou os Estados Unidos por causa da violação de direitos dentro de seu território.  A ONU, inclusive, insistiu junto ao governo pela necessidade de castigar os responsáveis pelas torturas assumidas por Barack Obama em agosto de 2014, durante uma entrevista coletiva na Casa Branca: “Nós torturamos algumas pessoas. Fizemos algumas coisas que eram contrárias aos nossos valores”.
Medo, violência, fome e desigualdade social
Uma notícia publicada no site Political Blind Spot, portal de notícias especializado em destacar as reportagens que não aparecem na grande mídia estadunidense, revela que na maior nação capitalista do planeta 80% da população vive próxima a pobreza ou abaixo da linha da miséria, e que, só nessa última condição, são 49,7 milhões de pessoas.
Além disso, 125 norte-americanos morrem todos os dias por não poderem pagar qualquer tipo de plano de saúde. Quem não tem plano de saúde (estima-se que sejam 50 milhões de norte-americanos nesta condição) tem boas razões para temer os cuidados de saúde que o governo presta: o transporte em ambulância custa, em média, o equivalente a R$ 1.300,00 e a estadia num hospital público mais de R$ 500,00 reais por dia. Os procedimentos cirúrgicos também são muito caros, impossibilitando o acesso a quem não tem condições de pagar por um plano privado.
Hoje, no país que se diz um exemplo de democracia para o mundo, existem 2,3 milhões de presos, o que representa a maior população carcerária do mundo. Desses, mais de 80.000 estão em regime de isolamento, em calabouços pobres de ventilação, sem luz natural, definhando física e psicologicamente.  Alguns prisioneiros estão nessa situação há 40 anos, conforme relata o Registro de Direitos Humanos nos Estados Unidos, publicado pela China em 2013. De acordo com esse documento, os Estados Unidos é uma das nações que menos garante a vida, a propriedade e a segurança pessoal de seus habitantes, já que a cada ano uma em cada cinco pessoas é vítima de algum crime, a taxa mais alta do planeta.
Racismo Institucionalizado
Nos últimos anos, os afro-americanos têm sido vítimas frequentes de assassinatos raciais. Em 30 de abril de 2014, o policial Christopher Manney disparou 14 vezes contra Dontre Hamilton, de 31 anos, que estava desarmado. Em julho do mesmo ano, Eric Garner, de 43 anos, morreu ao ser estrangulado por um policial branco, Daniel Pantaleo. Um mês depois, o agente Darren Wilson assassinou o jovem estadunidense Michael Brown, de 18 anos, em Ferguson, Missouri. Em setembro do ano passado, funcionários da polícia de Utah assassinaram com seis disparos Darrien Hunto, de 22 anos. Em 22 de novembro, Tamir Rice, de 12 anos, foi baleado pela polícia de Cleveland, Ohio, porque o garoto, que brincava num parque da cidade, sacou uma pistola de brinquedo. Antonio Martin, de 18 anos, também foi assassinado por agentes da polícia da região de San Luis, perto de Ferguson.
Em junho deste ano, o Conselho de Controle e Orçamento da Carolina do Sul aprovou um pedido apresentado pelo grupo “Leais Cavaleiros Brancos”, da KuKluxKlan, para a manifestação em 18 de julho, menos de duas semanas depois de um homem branco ter matado nove pessoas em uma igreja frequentada por negros. O suspeito no ataque a tiros à igreja, DylannRoof, de 21 anos, confessou o assassinato.
Baía de Guantánamo, palco de violações de direitos humanos
A Baía de Guantánamo está localizada ao sul de Cuba. Desde 1903 os Estados Unidos detêm direitos sob essa área através de um contrato que foi firmado com Cuba para que o país norte americano explorasse o minério e para a construção de uma base naval, que hoje abriga os prisioneiros de guerra do Iraque e Afeganistão, além de presos políticos de diversas partes do mundo. O Campo de Detenção da Baía de Guantánamo não está regulamentado em nenhuma convenção internacional e, por esse motivo, não se fiscaliza o que lá acontece, nem mesmo por órgãos da ONU, facilitando a violação de muitos direitos dos detidos.
Em sua posse no primeiro mandato presidencial, Barack Obama prometeu o fechamento de Guantánamo, o que não aconteceu. Para além das torturas na prisão, das 779 pessoas já aprisionadas desde 2002, muitas ficaram presas por mais de dez anos sem ter direito a ampla defesa, o que é um desrespeito ao processo legal, já que, além da falta de julgamento, muitos não tinham nem sequer acusações formais.
A margem dos tratados e convênios internacionais
Os Estados Unidos não firmaram, aderiram ou ratificaram diferentes tratados internacionais considerados chaves pela ONU em matéria de proteção aos direitos humanos, tais como os convênios contra os crimes de guerra e de lesa humanidade. Não ratificaram a convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, a convenção sobre os direitos das crianças ou contra a prostituição e pornografia infantil, o convênio relativo à liberdade sindical, negociação coletiva e idade mínima para emprego, a convenção sobre o direito de pessoas com deficiência. Washington também não ratificou o convênio internacional para a repressão do financiamento do terrorismo, o convênio internacional para a repressão dos atentados terroristas cometidos com bombas, nem o tratado de ONU sobre a proibição completa dos testes nucleares. Tampouco firmaram o Protocolo do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, destinado a abolir a pena de morte; a convenção internacional contra o recrutamento, o financiamento e treinamento de mercenários; o convênio para a repressão do tráfico de pessoas e de exploração de prostituição; nem o Protocolo de Kyoto, sobre mudanças climáticas, ainda que seja o maior emissor de gases do mundo. Ainda suspendeu sua adesão à Corte Internacional de Justiça e ao Estatuto de Roma da Corte Penal Internacional.
Intervenções militares com graves violações dos direitos humanos
Nos últimos 15 anos, os EUA tem sido o autor intelectual e material de intervenções militares em diversos países do mundo, todas com o modus operandi baseado nas mais graves violações dos direitos humanos.
Em 2001 ocorreu a invasão do Afeganistão, quando os EUA lançaram uma operação de busca a Osama Bin Laden, acusado por Washington de ser o mentor do ataque terrorista ao World Trade Center, em Nova Iorque. A invasão permanece e já deixou um saldo de 3.486 soldados mortos, além de ser responsável pelo assassinato de 17.252 civis entre os anos de 2009 e 2014.
O Iraque foi invadido em 2003 sob o falso pretexto da busca de armas de destruição em massa, que nunca existiram. Segundo eles, a invasão foi motivada pela libertação do povo e garantia de democracia e seguridade. Porém, foram assassinados 4.808 militares no período. Até 2013, se calculou em mais de 730.000 o número de civis assassinados, segundo dados da organização Opinion Research Business.
Paquistão, Iêmen e Somália também são vítimas de ataques estadunidenses desde 2002, sob o pretexto de acabar com grupos terroristas. Nesses países é comum o uso de drones (aviões militares não tripulados com poder de fogo), que assassinam centenas de civis, entre eles crianças e idosos. A Líbia foi cenário de uma invasão em 2011, sob o argumento de acabar com uma suposta repressão por parte do governo de Muammar Gaddafi. Além de assassinar o presidente, os invasores destruíram e dividiram o país, que até hoje não alcançou a prometida democracia e liberdade. Também na Síria, desde março de 2011, ocorre o ataque de grupos terroristas financiados pelos próprios Estados Unidos, com mais de 200.000 civis assassinados. Na Ucrânia, em 2014, se levou a cabo um golpe de Estado desenhado pelos Estados Unidos. Nesse processo um milhão de pessoas já foram desalojadas e quase 6.000 foram assassinadas pela repressão do atual governo apoiado pela Casa Branca.
Hoje, nos países que sofreram intervenção dos EUA, o resultado é que milhões de pessoas perderam suas vidas, a pobreza cresceu, a expectativa de vida diminuiu drasticamente, enquanto a mortalidade infantil, a violência, a fome e a desigualdade social estão entre as maiores do mundo. Boa parte da população vive abaixo da linha da miséria, além de uma alta taxa de desemprego, com milhões de pessoas sem acesso a saneamento básico, luz elétrica e água potável.
Essa é a prova mais recente de como se ampliou a lista das violações de direitos humanos cometidas pelos EUA. Definitivamente, os EUA não podem falar com autoridade moral sobre os direitos humanos.
Jailson Davi, Movimento Luta de Classes
http://averdade.org.br/