sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Não penso, logo relincho

Por Matheus Pichonelli, na revista CartaCapital:  


Dizem que uma mentira repetida à exaustão se transforma em verdade. Pura mentira. Uma mentira repetida à exaustão é só uma mentira, que descamba para o clichê, que descamba para o discurso. E o discurso, quando mal calibrado, é o terreno para legitimar ofensas, preconceitos, perseguições e exclusões ao longo da História. Nem sempre é resultado da má-fé. Por estranho que pareça, é na maioria das vezes fruto da indigência mental – uma indigência mental que assola as escolas, a imprensa, as tribunas, as mesas de bares, as redes sociais. Com os anos, a liberdade dos leitores para se manifestar sobre qualquer assunto e o exercício de moderação de comentários nos levam a reconhecer um clichê pelo cheiro. Listamos alguns deles abaixo com um apelo humanitário: ao replicar, você não está sendo original; está apenas repetindo uma fórmula pronta sem precisar pensar sobre tema algum. E um clichê repetido à exaustão, vale lembrar, não é debate. É apenas relincho.



“Negros têm preconceitos contra eles mesmos”


Tentativa clássica de terceirizar o próprio racismo, é a frase mais falada das redes sociais durante o Dia da Consciência Negra. É propagada justamente por quem mais precisa colocar a mão na consciência em datas como esta: pessoas que nunca tomaram enquadro na rua nem foram preteridas em entrevistas de emprego sem motivos aparentes. O discurso é recorrente na boca de quem jamais se questionou por que a maioria da população brasileira não circula em ambientes frequentados pela elite financeira e intelectual do País, como universidades, centros culturais, restaurantes, shows e centros de compra. Tem a sua variação homofóbica aplicada durante a Parada Gay. O sujeito tende a imaginar que Dia Branco e Dia Hétero são equivalentes porque ignora os processos históricos de dominação e exclusão de seu próprio país.



“Não precisamos de consciência preta, parda ou branca. Precisamos de consciência humana”



Eis uma verdade fatiada que deixa algumas perguntas no contrapé: o manifestante a exigir direitos iguais não é gente? O que mais se busca, nessas datas, se não a consciência humana? Ou ela seria necessária, com ou sem feriado, caso a cor da pele (ou o gênero ou a sexualidade) não fosse, ainda hoje, fatores de exclusão e agressão?



“Héteros morrem mais do que homossexuais. Portanto, somos mais vulneráveis”



É o mesmo que medir o volume de um açude com uma régua escolar. Crimes como homicídio, latrocínio, roubo ou furto têm causas diversas: rouba-se ou mata-se por uma carteira, por ciúmes, por fome, por motivo fútil, por futebol, mas não necessariamente por causa da orientação sexual da vítima. O argumento é utilizado por quem nunca se perguntou por que ninguém acorda em um belo dia e decide estourar uma barra de ferro na cabeça de alguém só porque este alguém gosta e anda de mãos dadas com alguém do sexo oposto. O crime motivado por ódio contra heterossexuais é tão plausível quanto ser engolido por uma jaguatirica em plena Avenida Paulista.



“Estamos criando uma ditadura gay (ou racial) no Brasil. O que essas pessoas querem é privilégio



Frase utilizada por quem jamais imaginou a seguinte cena: o sujeito acorda, vê na tevê sempre os mesmos apresentadores, sempre as mesmas pautas, sempre as mesmas gracinhas. No caminho do trabalho, ouve ofensas de pedestres, motoristas e para constantemente em uma mesma blitz que em tese serviria para todos. Mostra documento, RG. Ouve risada às suas costas. Precisa o tempo todo provar que trabalha e paga imposto (além, é claro, de trabalhar e pagar imposto). Chega ao trabalho e é recebido com deferência: “oi boneca”; “oi negão”; “veio sem camisa hoje?”. Quando joga futebol, vê a torcida imitando um macaco, jogando bananas ao campo, ou imitando gazelas. E engasga toda vez que vira as costas e se descobre alvo de algum comentário. Um dia diz: “apenas parem”. E ouve como resposta que ele tem preconceito contra a própria condição ou está em busca de privilégio. Resultado: precisamos de um novo glossário sobre privilégios.



“A mulher deve se dar o valor”



Repetida tanto por homens como por mulheres, é a confissão do recalque, em um caso, e da incompetência, no outro: o homem recorre ao mantra para terceirizar a culpa de não controlar seus próprios instintos; a mulher, por pura assimilação dos mandamentos do pai, do marido e dos irmãos. Nos dois casos o interlocutor acredita que, ao não se dar o valor, a menina assume por sua conta e risco toda e qualquer violência contra sua pretensão. Para se vestir como quer, andar como quer, dizer e fazer o que quer com quem bem quiser, ouvirá, na melhor das hipóteses, que não é a moça certa para casar; na pior, que foi ela quem provocou a agressão.



“Os homens também precisam ser protegidos da violência feminina”



Na Lua, é possível que a violência entre gêneros seja equivalente. Na Terra, ainda está para aparecer o homem que apanhou em casa porque foi chamado de gostoso na rua, levou mão na bunda, ouviu assobios ou ruídos com a língua sem pedir a opinião da mulher. Também não há relevância estatística para os homens que tiveram os corpos rasgados e invadidos por grupos de mulheres que dominam as delegacias do País e minimizam os crimes ao perguntar: “Quem mandou tirar a camisa?”.



“Se ela se deixou ser filmada, é porque quis se exibir”.



Verdade. Mas não leva em conta um detalhe: existe alguém do outro lado da tela, ou da câmera. Este alguém tem um colchão de conforto a seu favor. Se um dia o vídeo vazar, será carregado nos braços como comedor. Ela, enquanto isso, vai ser sempre a exibida. A puta. A idiota que deixou ser flagrada. A vergonha da família. A piada na escola. Parece uma relação bastante equilibrada, não?



 “O humor politicamente correto é sacal”



É a mais pura verdade em um mundo no qual o politicamente incorreto serve para manter as posições originais: ricos rindo de pobres, paulistas ridicularizando nordestinos, brancos ricos fazendo troça de mulatos pobres, machões buscando graça na vulnerabilidade de gays e mulheres. As provocações são brincadeiras saudáveis à medida que a plateia não se identifica com elas: a graça de uma piada sobre português é proporcional à distância do primeiro português daquele salão. Via de regra, a frase é usada por quem jura se ofender quando chamado de girafa branca tanto quanto um negro ao ser chamado de macaco. Só não vale perguntar se o interlocutor já foi chamado de “elemento suspeito”, com tapas e humilhações, pelo simples fato de ser alto como o artiodátilo.



“Bolsa Família incentiva a vagabundagem. Pegar na enxada e trabalhar ninguém quer”



Há duas origens para a sentença. Uma advém da bronca – manifestada, ironicamente, por quem jamais pegou em enxada – por não se encontrar hoje em dia uma boa empregada doméstica pelo mesmo preço e a mesma facilidade. A outra origem é da turma do “pegar o jornal e ler além do horóscopo ninguém quer”; se quisesse, o autor da frase saberia que o Bolsa Empreiteiro (que também dispensa a enxada) consome muito mais o orçamento público do que programa de transferência de renda. Ou que a maioria dos beneficiários de Bolsa Família não só trabalha como é obrigada a vacinar os filhos, manter a regularidade na escola e atravessar as portas de saída do programa. Mas a ojeriza sobre números e fatos é a mesma que consagrou a enxada como símbolo do nojo ao trabalho.



“Na ditadura as coisas funcionavam”



Frase geralmente acolhida por pacientes com síndrome de Estocolmo. Entre 1964 e 1985, a economia nacional crescia para poucos, às custas de endividamento externo e da subserviência a Washington; universalização do ensino e da saúde era piada pronta, ninguém podia escolher os seus representantes, a imprensa não podia criticar os generais e a sensação de segurança e honestidade era construída à base da omissão porque ninguém investigava ninguém. Em todo caso, qualquer desvio identificado era prontamente ofuscado com receitas de bolo na primeira página (os bolos eram de fato melhores).



“Você defende direito de presos porque ele não agrediu ninguém da sua família”. 



É o sofisma usado geralmente contra quem defende o uso das leis para que a lei seja garantida. Para o sujeito, aplicação de penas e encarceramentos são privilégios bancados às custas dele, o contribuinte. Em sua lógica, o Estado só seria efetivo se garantisse a sua segurança e instituísse a vingança como base constitucional. Assim, a eventual agressão contra um integrante de uma família seria compensada com a agressão a um integrante da família do acusado. O acúmulo de experiência, aperfeiçoamento de leis e instituições, para ele, são papo de intelectual: bons eram os tempos dos linchamentos, dos apedrejamentos públicos, da Lei de Talião. Falta perguntar se o defensor do fuzilamento está disposto a dar a cara a tapa, ou a tiro, quando o filho dirigir bêbado, atropelar, agredir e violentar a família de quem, como ele, defende penas mais duras para crimes inafiançáveis.



“A criminalidade só vai diminuir quando tiver pena de morte no Brasil



Frase repetida por quem admira o modelo prisional e o corredor da morte dos EUA, o país mais rico do mundo e ao mesmo tempo o mais violento entre as nações desenvolvidas. Lá o crime pode não compensar (em algum lugar compensa?), mas está longe de ser varrido junto com seus meliantes.



“Político deveria ser tratado por médico cubano”



Tradução: “não gosto de política nem de cubano”. Pelo raciocínio, todo paciente tratado por cubanos VAI morrer e todo político que precisa de tratamento médico DEVE morrer. Para o autor da frase, bons eram os tempos em que, na falta de médico brasileiro, deixava-se o paciente morrer – ou quando as leis eram criadas não pelo Legislativo, mas pelo humor de quem governa na canetada.



“Deveriam fazer testes de medicamento em presidiários, não em animais”



Também conhecida como “não aprendemos nada com a parábola do filho Pródigo que tantas vezes rezamos na catequese”. É citada por quem não aceita tratamento desumano contra os bichos, mas não liga para o tratamento desumano contra humanos. É repetida também por quem se imagina livre de todo pecado e das grandes ironias da vida, como um certo fiscal da prefeitura de São Paulo que um certo dia criticou o direito ao indulto de presidiários e, no outro, estava preso acusado de participação na máfia do ISS. É como dizem: teste de laboratório na cela dos outros é refresco.



“Por que você não vai para Cuba?”



Também conhecida como “acabou meu estoque de argumentos. Estou andando na banguela”.



* Este post é permanente: será atualizado conforme outros clichês não contemplados na primeira postagem aparecerem. Todos estão convidados a colaborar.

Os maiores escândalos de corrupção no Brasil permanecem sem julgamento. STF vamos parar de fazer média. Ou a mídia?


quinta-feira, 28 de novembro de 2013

DITADOS POPULARES



O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Inicio, Presidente, com um pedido inicial de tolerância com o tempo, porque, talvez, eu venha a excedê-lo um pouco. 


Hoje, Presidente, eu vou fazer um discurso diferente dos discursos que, normalmente, faço nesta tribuna. Eu vou falar sobre ditados populares, sobre o significado dos ditados populares. Por exemplo, eu quero falar sobre a origem de ditados como bicho de sete cabeças, com o rei na barriga, favas contadas, fazer ouvidos de mercador, farinha do mesmo saco, casa da mãe joana, elefante branco, pensando na morte da bezerra, andar à toa, tapar o sol com a peneira, maria vai com as outras, erro crasso, a toque de caixa, pomo da discórdia, ver passarinho verde e tantos outros ditados conhecidos pelos brasileiros que não atinam, na verdade, com a origem de cada um deles. 


Quer dizer, pretendo fazer, hoje, com os meus colegas Senadores e Senadoras, uma conversa amena, lúcida, lúdica, bem diversa dos temas que tenho discutido nesta tribuna. Nada de finanças, de leilões de petróleo, de privatizações, de desindustrialização, de primarização da economia, de globalização neoliberal, Senador Wellington, nada de jogos de mercado, nada, nada disso. 


Pretendo fazer uma agradável dissertação ao redor de um tema que tanto cativou o nosso Câmara Cascudo. Claro, vou procurar aplicar cada ditado à nossa realidade para que o significado dele fique bem claro e bem ilustrado. 
Vamos lá! 


As senhoras e os senhores sabem qual é a origem do ditado “fazer ouvidos de mercador”? Segundo o nosso ilustre potiguar, com o tempo, esse ditado sofreu uma adulteração, uma corruptela. Originalmente, dizia-se “fazer ouvidos de marcador”. Marcador, no caso, era o carrasco, que marcava os ladrões e outros condenados com ferro em brasa e permanecia indiferente, surdo à gritaria das vítimas. Logo, fazer ouvidos de mercador, ou de marcador, é permanecer impassível, por maiores que sejam os clamores ao redor. 


Para que o significado do ditado fique cristalino, vou – pretendo pelo menos – iluminá-lo com um exemplo. Nas semanas que se passaram, greves, manifestações, abaixo-assinados, campanhas nas redes sociais, artigos em jornais e revistas, entrevistas, estudos, discursos e protestos nos Parlamentos e ações na Justiça mobilizaram milhões de brasileiros contra o leilão do megacampo de petróleo em Libra. 
Mesmo com tão intenso e aflito vozerio, o Governo Federal fez ouvidos de mercador, continuando a ferrar os interesses do Brasil, atitude que me traz à lembrança outro ditado, que diz assim: “Que se me dá que o muar claudique se o meu desiderato é acicatá-lo”. 


“Maria vai com as outras” é outro ditado cuja origem Câmara Cascudo escarafunchou. Como aprendemos na escola, D. Maria I, a mãe de D. João VI, enlouqueceu – a famosa Maria, a Louca. Afastada do trono, ela passou a viver reclusa e apenas saía de seu retiro para, de vez em quando, caminhar por Lisboa ou pelo Rio de Janeiro. Nessas caminhadas, Senador Randolfe, a demente era acompanhada por numerosas damas de companhia. Quando o povo via aquele cortejo, dizia: “Lá vai Maria, com as outras”. E “maria vai com as outras” passou a significar pessoa que não tem opinião ou vontade própria e se deixa levar. 


Vou dar um exemplo elucidativo para que possamos entender esse ditado em toda a sua extensão. Para impedir o leilão de Libra, apresentei projeto de decreto legislativo, sustando o malfadado pregão. No entanto, embalada pelas vozes da mídia e do mercado, entusiastas da privatização do petróleo, a Mesa condenou a minha proposta a trilhar ínvios caminhos, arremessando-a a três comissões sucessivas. E a Comissão de Constituição e Justiça indicou, para relatar o meu projeto, ninguém menos que o ilustre Líder do Governo, Eduardo Braga. Pois é. 


Quer dizer, o Senado deixou-se levar como a Maria que vai com as outras, caminhando ao sabor da vontade e da decisão do Governo, da mídia, do mercado e do cartel multinacional. 


Outro ditado pesquisado pelo nosso folclorista magno fala sobre pessoas com o rei na barriga. Conhecemos tantas no Congresso, não é, Senador Aloysio? Pessoas com o rei na barriga. Quem levava o rei na barriga, na verdade, era a rainha, gestando o herdeiro do trono e por isso mesmo tratada com toda deferência. Diz-se que uma pessoa tem o rei na barriga quando tal pessoa se dá mais importância do que realmente tem. É a gravidez do vazio. 


Vamos a um exemplo que elucide o significado de com o rei na barriga. Ainda tomando como referência o leilão da maior reserva de petróleo conhecida em todo o Planeta Terra. 
Findo o leilão que não houve, pois apenas um consórcio dele participou, o Governo saiu a festejar como se carregasse o enviado dos céus em suas entranhas. Mais ainda: está prometendo uma festança de arromba em Brasília para comemorar o falso leilão, um rega-bofes semelhante àqueles com que as casas reais ofereciam ao populacho para celebrar a gravidez de suas princesas. 


No nosso caso, vamos festejar uma falsa promessa, uma promessa falsa de prenhez. 


Isso me faz lembrar de um outro rifão, que diz: da montanha pariu-se um rato. Conta-se que os habitantes de determinada aldeia ficaram aterrorizados quando a montanha das vizinhanças começou a rugir, fazendo a terra estremecer. Imaginavam que, do seio da montanha, explodiria um poderosíssimo vulcão, expelindo fogo e lava. De repente, a barulheira toda cessa e a montanha abre-se para que dela saísse correndo um ratinho, assustado com todo aquele barulho. 


Caso semelhante ao leilão de Libra: muito barulho e, por fim, temos apenas um solitário consórcio para a festa de arromba imaginada por nossa Presidenta, pela Magda e pela Maria das Graças. 
Farinha do mesmo saco é outro popularíssimo ditado cuja origem cuidou de deslindar o conterrâneo dos Senadores José Agripino, Garibaldi Alves e Paulo Davim. 


É um adágio latino a raiz: homines sunt ejusdem farinae. Quer dizer, os homens têm a mesma procedência, do pó vieram e ao pó retornarão. Mas o povo acabou dando à sentença outro significado. Quando se diz que fulano e beltrano, apesar das diferenças aparentes que os distinguem, são farinha do mesmo saco, pretende-se dizer que nada os discerne, são iguais. 


Vamos aplicar o ditado à prática, para que o seu significado fique didaticamente esclarecido. 


Na campanha eleitoral de 2010, a candidata Dilma apostrofou o candidato Serra por causa de suas alegadas tendências privatistas. Pois bem, no poder, os petistas radicalizaram os pendões privatistas dos tucanos. Estão aí os portos, os aeroportos e o petróleo privatizado como prova. 
Quer dizer, petistas e seus aliados, supostamente à esquerda, são farinha do mesmo saco, de onde provêm os tucanos e seus parceiros, supostamente à direita. 


Mais um aforismo cuja gênese Câmara Cascudo apurou: “ver o passarinho verde”. O passarinho verde era o periquito, que os jovens apaixonados treinavam para levar mensagens às suas amadas. Daí dizer que fulano ou fulana estão vendo o passarinho verde, para significar que estão apaixonados ou à espera de boas notícias. 


Vamos à aplicação pedagógica desse belo ditado. 


Como todos sabem, o mar não está para peixes em matéria de economia nacional. Desindustrialização, dependência extrema da exportação decommodities, câmbio sobrevalorizado, forte redução dos investimentos públicos e privados, Estados e Municípios endividados e falidos. E mais. 
Conquanto, diante disso, apesar disso, o Governo está vendo o passarinho verde. Apaixonado pelos fundamentos macroeconômicos neoliberais que sacrificam o País desde Fernando Henrique, o Governo vive na lua, afastado da dura realidade das coisas. 


Agora, uma referência educativa para compreender melhor o ditado. 
Semana passada, esteve neste plenário o Ministro da Fazenda, Guido Mantega. Enquanto governadores, prefeitos, Senadores, jornalistas, como seres viventes em uma realidade plena de contradições e dificuldades, esperassem que o Ministro, igualmente, se revelasse ser deste Planeta, Guido Mantega teimou, o tempo todo, em ver apenas o passarinho verde. 


Ah, as insondáveis paixões! 
Câmara Cascudo foi à mitologia grega para traduzir o dito “pomo da discórdia”. 


Em uma festa dos deuses no Olimpo, a deusa da discórdia, Éris, não foi convidada. Para instalar a intriga entre os convivas, ela arremessou no recinto uma maçã de ouro, onde estava escrito “para a mais bela das deusas”. Hera, Afrodite e Atena, as três belas deusas que estavam na festa, engalfinharam-se para disputar o pomo de ouro, cada uma se dizendo “a mais bela”. 


Zeus, o deus dos deuses, passou o abacaxi de escolher quem seria a mais formosa das três ciumentas divindades a Páris, filho do rei de Troia. 
Páris mancomunou-se com Afrodite, a deusa do amor, prometendo indicá-la como a mais bela, desde que ela fizesse com que Helena, mulher do rei de Esparta, se apaixonasse por ele. E assim fez Afrodite. Páris foge para Troia com Helena, e aí começa a famosa guerra. 
Vamos, então, a um exemplo da vida prática, para que o sentido de pomo da discórdia fique bem claro. 


Entre 1995 e 2002, os tucanos desandaram a privatizar o que havia pela frente. As joias da coroa foram todas empenhadas por alguns caraminguás. 


A joia das joias, a Petrobras, quase transformada em Petrobax, foi marretada, quebrada, dividida e boa parte dela entregue a acionistas estrangeiros na Bolsa de Nova York. 
O Partido dos Trabalhadores e aliados, presumivelmente à esquerda, amotinaram-se contra tamanha desfaçatez. Mas, como não há nada tão verdadeiro como “um dia depois do outro”, ou ainda “nada mais parecido com um saquarema que um luzia no poder”, o PT e seus aliados ficticiamente à esquerda, instalados no Planalto, arrancam ciúmes e inveja dos tucanos com as privatizações em curso. 


O pomo da discórdia, hoje, é saber quem privatizou mais. 
“Espelho, espelho meu, surge do espaço profundo e vem dizer se há no mundo alguém mais privatista do que eu” – interrogam-se diante do País aturdido com tanto contorcionismo. 


Mais um ditado para ilustrar os nossos conhecimentos da cultura popular: “casa da mãe joana”. 


Esse dito veio lá da Itália. Joana, rainha de Nápoles e senhora de Provença, refugiada em Avinhão, França, liberou os bordéis na cidade que, anos depois, tornar-se-ia sede do papado. E fez até um estatuto dos bordéis, mandando escrever nele: "Que tenham – logicamente, os bordéis – uma porta por onde todos entrarão". 


Quer dizer, às casas de encontros liberadas por Joana, a ela todos tinham acesso. Era a democratização da esbórnia. 
Em Portugal, o lugar dessas casas passou a ser chamado de "paço de mãe joana"; no Brasil, a expressão virou "casa da mãe joana" e ganhou também a significação de baderna, desordem, algazarra, lugar onde todos gritam, e ninguém se entende. 


Para entendimento exato de "casa da mãe joana”, tomemos um fato de nossa vida real. 


Em junho passado, o Brasil conflagrou-se com esse fogo das ruas, malharam-se e queimaram-se principalmente os políticos. E lá foram o Governo e o Congresso em louca correria atrás dos manifestantes. Plebiscito, referendo, reforma política, constituinte específica para mudar o Brasil. Cada um, fazendo a própria e limitada leitura dos acontecimentos, apresentava seus unguentos, cataplasmas, placebos e benzeduras para secar a ferida. 


As senhoras e os senhores hão de se lembrar daqueles dias. De cada cabeça, uma sentença, uma ideia, uma interpretação, uma proposta. 
Uma verdadeira “casa da mãe joana", todo mundo falando e poucos se entendendo. Como diria a canção de Martinho da Vila, "... em minha casa todo mundo xinga, todo mundo briga". 


Nesta Casa, as primeiras manifestações receberam fortíssimas repreensões de alguns Senadores, fazendo coro à mídia, que, em furibundos editoriais, classificou os protestantes de baderneiros e adjetivos ao gosto e sabor da ditadura militar, não faltando sequer o famosíssimo "subversivo". 


Do outro lado da rua, vimos o Governo mudar de posição várias vezes por dia. 


Lá e cá, uma verdadeira rebordosa. Um alarido de "casa da mãe joana". 
E essa zoada toda deu no quê? 
Deu na ridícula minirreforma eleitoral que esta Casa e depois a Câmara aprovaram, garantindo, entre outras coisas, o sigilo do nome dos doadores eleitorais, uma excrescência na contramão do anseio popular de transparência. “A montanha pariu um camundongo”, ou, como diria Vinícius, "para tudo acabar na quarta-feira de cinzas", tristemente. 
Outro ditado perscrutado pelo genial potiguar é “não entender patavina”. 
Conta-se que o grande historiador romano Tito Lívio era natural da cidade de Patavinum e lá se falava um latim incompreensível, pavoroso, de doer os ouvidos. Daí o ditado "não entender patavina” para significar não entender o que o povo de Patavinum falava, não entender nada. 
Aplicando o ditado à nossa vida, o Congresso e o Planalto não entendem patavina do que querem os brasileiros, quando “fazem ouvidos de mercador” – ou, como antigamente, “ouvidos do marcador” – às insatisfações e à descrença das multidões. 


Mais um ditado colecionado e explicado por Câmara Cascudo: "ficar pensando na morte da bezerra". 
(Soa a campainha.) 


O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB - PR) – Vem da Bíblia, Senador Jorge Viana. Quando Absalão, filho do rei Davi, sem mais bezerros em seu rebanho para sacrificar a Deus, pois os judeus sacrificavam a Jeová apenas os animais machos, decidiu sacrificar uma bezerra. Seu filho, que tinha a bezerra como animal de estimação, opôs-se firmemente. Absalão não se comoveu com a dor do filho e sacrificou a bezerra. Desconsolado, o rapaz passou o resto da vida ao pé do altar do sacrifício, “chorando a morte da bezerra”. 


Chorar a morte da bezerra passou a ser traduzido por estar alheio a tudo, deixar a vida passar sem reagir ou apegar-se a ninharias. 


Vamos à pedagogia, à aplicação prática do dito. 
São meridianos os sinais de esgotamento da política do Governo Federal para enfrentar a crise financeira global: isenções, desonerações, estímulo ao consumo, exportação de commodities e importação de quinquilharias chinesas. Como diz outro ditado, “já deu para o gasto”. 


Mas o Governo não reage, não se esperta, fica pensando na morte da bezerra, enquanto o tempo passa e as ameaças contra o País avolumam-se. 


Outro ditado de origem curiosa, segundo pesquisou Câmara Cascudo, é o que diz "deixar de nhe-nhe-nhem”. Esse ditado, Senador Aloysio Nunes, é brasileiríssimo. “Nhe”, em tupi, quer dizer falar. Quando os portugueses aqui aportaram, os índios não compreendiam o que eles falavam, então diziam que os brancos ficavam a dizer nhe-nhe-nhem. 
Igualzinho ao nosso Governo e à nossa base. 


De nada adianta falar, advertir, questionar, discordar. De nada adianta. A cada crítica, reparo ou sugestão, lá vêm o Governo e sua base a repetir o nhe-nhe-nhem de sempre. 


Dezenas de milhões de brasileiros foram resgatados da pobreza? Sim, foram. Formou-se no País uma nova classe média? Sim, é verdade. A política do salário mínimo aumentou os ganhos e a capacidade de consumo dos trabalhadores? Também é verdade. O Brasil é um dos países com um dos menores índices de desemprego no mundo todo? Corretíssimo. É também verdade. As políticas compensatórias, como o Bolsa Família, são um caso notável de sucesso? Nada mais verdadeiro, Senador Aloysio. Agora, repetir isso a toda crítica que se faça é transformar as belíssimas conquistas, avanços admiráveis em “nhe-nhe-nhem” ou em “conversa mole para boi dormir”. 
(Soa a campainha.) 


O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB - PR) – A história não acabou. Viva o Bolsa Família, viva o aumento real do salário mínimo, viva a nova classe média, viva a minha casa e minha geladeira, viva o acesso dos mais pobres ao ensino superior, viva a política de cotas, viva o anel de doutor nos dedos dos filhos dos trabalhadores! Viva a revolução do Enem! 

Enfim, viva! Viva o que tem que ser louvado! 


Mas será que o Governo e sua Base não perceberam que todos esses avanços podem ser levados de roldão, de uma só vez, se não mudar radicalmente a política econômica? 
Digam-me lá: que país no mundo desenvolveu-se, criou uma sociedade de bem-estar social para a sua gente apoiando-se tão somente em exportação de carnes, grãos e minérios? 


Isso faz com que me ocorra aqui outro ditado: “tapar o sol com a peneira”. 


O significado é óbvio, como é óbvio que o Governo e a sua Base estão tentando tapar o sol da realidade com aquele instrumento de madeira, com fundo em trama de metal, por onde passa a farinha e outras substâncias moídas e também o sol, popularmente conhecido como peneira. 


Para concluir essa amena conversa sobre ditados populares, origem e significados, vou falar de dois outros adágios pesquisados pelo folclorista potiguar. 


“Elefante branco”. Sabem por que dizem que determinada coisa é um elefante branco? No antigo reino de Sião, hoje Tailândia, o rei dava um elefante branco aos cortesãos que caíssem em desgraça. Como o elefante branco era sagrado, ele não podia servir como animal de carga, de transporte ou fazer qualquer outra tarefa. Pelo contrário, aos elefantes brancos deviam-se todas as mordomias e afagos. Logo, receber um elefante branco era uma punição, porque ele só implicava em gastos e era completamente inútil para o seu proprietário. 


Pois bem, senhoras e senhores, às vezes sinto que o mandato que o povo nos concedeu transformou-se em um elefante branco, em uma verdadeira inutilidade. Por quê? De que vale o nosso voto, de que vale o mandato que recebemos se prevalecem sobre o voto e o mandato as medidas provisórias e o rolo compressor do Governo? Não teriam se transformados o Senado e a Câmara em elefantes brancos? 
Por fim, um último ditado... 
(Interrupção do som.) 


O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB - PR) – ... sua origem e aplicação à prática da nossa vida.(Fora do microfone.) O ditado é “andar à toa”. 


Toa, explica-nos Câmara Cascudo, é a corda com que uma embarcação reboca outra embarcação. Quer dizer, um navio à toa é um navio amarrado a outro, sem rumo, sem leme, que vai para onde o rebocador quiser levá-lo. 


É como anda o nosso Governo, à toa, rebocado pelos acontecimentos, pelo vai da valsa, sem leme, sem rumo, ao sabor dos ventos. Ou, como diz outro dito, “não há bons ventos para navios sem rumo”; ou, como ensinam os monges tibetanos, “nenhum vento sopra a favor de quem não sabe para onde ir”. 


Eu já havia concluído a redação deste discurso quando veio ao baile a proposta de autonomia do Banco Central. Aqui se ajusta à fiveleta um antigo dito: colocar a raposa para cuidar do galinheiro. 
Ora, proponho, então, que a gente eleja o Presidente do Banco Central e não mais o Presidente da República, que, com a autonomia do Banco, torna-se uma mera figura decorativa. A autonomia do Banco Central é a senha para que o mercado se aposse de vez da República e dite políticas segundo seu interesse, do mercado, de Mamon, do dinheiro, e não do povo brasileiro e da Nação. 


Srªs e Srs. Senadores, o que me traz à tribuna é uma descontraída conversa sobre os ditados populares e seu genial explicador Câmara Cascudo, mesmo que no plenário, no momento, haja “gatos pingados”. Aliás, este é outro ditado perquirido pela curiosidade do potiguar. 


O Sr. Aloysio Nunes Ferreira (Bloco Minoria/PSDB - SP) – Mas não há “santos do pau oco”. “Santos do pau oco” não existem aqui no plenário. 


O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB - PR) – Conversamos sobre isso. 


Conforme ele, a expressão gatos pingados refere-se a uma tortura japonesa que consistia em pingar óleo fervente em pessoas e animais, especialmente em gatos. Como a prática era uma crueldade extrema, o dito “gatos pingados” passou a significar a pequena assistência, o baixo quórum que frequentava essas sessões de tortura. 


Só espero que o meu discurso não tenha sido uma tortura para ninguém. 


Por fim, um agradecimento ao blog Tok de História, de Rostand Medeiros, que pesquisou esses ditos populares colecionados por Câmara Cascudo, e a Luís Nassif, que os divulgou. 


O “santo do pau oco” tem outra origem. Aqueles que tentavam escapar dos impostos sobre o ouro esculpiam santos em madeira que eram ocos e recheados com o minério, que assim era contrabandeado. 
Obrigado pela atenção, essa atenção vigorosa dos “gatos pingados” que frequentam o plenário neste momento. 

30% a participação de estrangeiros no capital ordinário do Banco do Brasil.


O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB - PR. Sem revisão do orador.) – Senador Paim, Senadores que ainda se mantêm firmes aqui no plenário do Senado Federal às 21h23, eu fiquei surpreendido e estupefato em razão do inexplicável decreto da nossa Presidente da República, levantando para 30% a participação de estrangeiros no capital ordinário do Banco do Brasil. O Banco do Brasil é uma instituição pública. Não entendi. 
Mas, antes de fazer a crítica, quero fazer um pedido de informação. E, para dar conhecimento ao Brasil a respeito desse pedido de informação, vou lê-lo na sua integralidade: 
Requerimento de informações. 
Requeiro, nos termos do §2º do art. 50 da Constituição Federal, combinado com o art. 216 do Regimento interno do Senado, informações ao Senhor Ministro [...] da Fazenda sobre as motivações de natureza técnica que levaram aquela pasta a propor à Presidente da República o texto do decreto sem número publicado em 25 de outubro de 2013, destinado a reconhecer “como de interesse do Governo brasileiro a participação estrangeira no capital ordinário do Banco do Brasil S.A. e dá outras providências.” 
O presente requerimento alcança o envio de cópia de todos os documentos produzidos previamente à publicação daquele Decreto sobre a matéria. 
Justificação. 
No dia 5 de outubro de 2013, a Presidente da República promulgou, com a assinatura do Ministro Guido Mantega, um decreto sem número, que contém os três seguintes artigos: 
“Art. 1º É do interesse do Governo brasileiro a participação estrangeira de até trinta por cento no capital ordinário do Banco do Brasil[Sociedade Anônima]. 
Art. 2º O Banco Central do Brasil adotará as providências para execução do disposto neste Decreto. 
Art. 3º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.” 
Ocorre, todavia, que não há razões técnicas ou jurídicas que justifiquem esse Decreto. 
No sentido oposto, há um dispositivo constitucional (§3º, do art. 164), que resguarda direitos próprios de instituições financeiras públicas a receber as disponibilidades de caixa da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: 
“§3º - As disponibilidades de caixa da União serão depositadas no Banco Central; as dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos órgãos ou entidades do Poder Público e das empresas por ele controladas, em instituições [...] oficiais, ressalvados os casos previstos em lei.” 
Permitir [Senador Randolfe] que 30% das ações do Banco do Brasil sejam transferidas para mãos de estrangeiros é o mesmo que fraudar a norma que dá ao Banco do Brasil as características de instituição financeira oficial. 
Pior ainda, dá seguimento ao processo de privatização e de transferência de parcela significativa do capital aos estrangeiros em um dos poucos setores que têm obtido lucros expressivos em comparação com outros setores da nossa economia. 
Trata-se de uma forma disfarçada de permitir que adentre no Brasil capital meramente especulativo, que somente gerará uma transitória elevação de nossas reservas cambiais, com a tendência de corroê-las quando das vultosas remessas de lucros que advirão da distribuição de resultados do Banco do Brasil. 
Não é um aumento de capital, é venda de ações ordinárias. O aumento de capital ainda possibilitaria aumentar a capacidade de financiamentos produtivos no Brasil. 
A lei 9.784/99 impõe, em seu art. 2º, que o gestor ofereça sociedade e aos órgãos de controle a motivação dos atos públicos, [vamos lá]: 
“Art. 2º A administração pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.” 
O controle constitucional da administração pública repousa precipuamente sobre o Congresso Nacional. 
Pois é no exercício desse controle que requeiro as motivações técnicas e jurídicas da edição daquele decreto. 
Sala das Sessões, em 6 de novembro de 2013. 
Senador Roberto Requião PMDB/PR 
Em 6 de novembro de 2013, ano de mais um aniversário do Senador Randolfe Rodrigues. 
Cumpro, dessa forma, com a minha obrigação. Não me parece razoável, pelo contrário, parece-me absurdo esse aumento da participação estrangeira no Banco do Brasil. Não tenho ideia de qual é o montante da participação privada nacional, mas daqui a pouco esse Banco sairá das mãos, sem dúvida, do Estado brasileiro. 
Esses acionistas, mesmo que ainda permaneçam minoritários, têm direitos na legislação, acordos entre os bancos, acordo de Basileia, e não consigo, realmente, entender o que quer a nossa Presidente. Privatiza porto, privatiza petróleo – a privatização do campo de Libra –, privatiza ferrovia, privatiza estrada, privatiza aeroporto. O que significa isso? Nesse caso, é absolutamente inexplicável a participação. A participação não acrescenta nada, não aumenta em R$1,00 o montante de recursos do Banco do Brasil. E, através da distribuição dos lucros desse setor, que tem dado vantagens extraordinárias – que é o setor bancário, o setor financeiro –, ela, sem nenhuma explicação, sem nenhuma justificativa, assina esse decreto, que deve ser questionado por todo o movimento sindical, por todos os brasileiros. 
Nós não vamos por um bom caminho. A impressão que eu tenho é de que isso tudo, acompanhado do aumento da taxa Selic, do aumento anunciado de juros, significa um regresso ao neoliberalismo. Quem fazia isso muito bem, Senador Paim, era Fernando Henrique Cardoso. Por isso, nós elegemos a Dilma, porque tinha publicamente uma visão contrária à visão privatista de Fernando Henrique. 
O requerimento já está protocolado no sistema de informática do Senado da República, e eu espero que a Mesa rapidamente o faça chegar às mãos do Mantega, o nosso Ministro da Fazenda. 
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) –Seu pedido será atendido, com certeza, pela Mesa. 
O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB - PR) – Concedo um aparte ao Senador Randolfe Rodrigues. 
O Sr. Randolfe Rodrigues (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) – Senador Requião, vosso requerimento suscita em todos nós a seguinte pergunta: qual a diferença das candidaturas postas, pelo menos das que estão colocadas hoje, para o debate presidencial da eleição do ano que vem? Ao abrir os jornais, nós vemos que eles não procuram se diferenciar. Aliás, são pautados pelo inexorável tridente – e é tridente mesmo, porque é o tridente satânico, pautado pelo mercado, é o tridente satânico do superávit primário, meta de inflação e dos dogmas da meta de inflação, da privatização... 
O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB - PR) – Câmbio flutuante, meta de inflação, superávit primário: o famoso tripé. 
O Sr. Randolfe Rodrigues (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) – Exatamente. O tridente satânico. 
O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB - PR) – Dois braços desse tripé no céu, e o outro ferrando os brasileiros. 
O Sr. Randolfe Rodrigues (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) – E não muda disso. Esse tridente, esse dogma, não muda. Esse é o modelo que as candidaturas postas colocam, e ninguém modifica esse parâmetro do debate político e econômico que está colocado. Ou seja, ninguém se propõe a fortalecer o papel estratégico do Estado brasileiro. Ninguém se propõe ao debate que V. Exa está colocando aqui. Todas as candidaturas que estão sendo apresentadas para a eleição presidencial se propõem a reduzir mais o Estado. Aliás, concordo com V. Exa. No primeiro turno da eleição presidencial, eu votei em Plínio de Arruda Sampaio. No segundo turno, eu votei na Presidente Dilma. E foi exatamente porque, no segundo turno da eleição presidencial, em 2010, a Presidente disse que a outra candidatura era a candidatura que privatizava o Brasil. Aliás, votei no segundo turno porque a Presidente dizia que era a candidatura do PSDB que iria privatizar o pré-sal. Eu lembro que foi por isso que votei na candidatura da Presidente Dilma no segundo turno. O que ocorre é que temos um programa, um projeto que, durante os anos 90, entregou tudo, e hoje faz de conta que não entrega, mas também entrega. V. Exª está dando um exemplo concreto agora, na tribuna, quando faz a denúncia da entrega de 30% das ações do povo brasileiro, do nosso Banco do Brasil. Esse é um debate que temos que travar, que é o debate sobre o papel estratégico do Estado brasileiro. Por que os debates têm que ser entre aqueles que fazem a entrega total e aqueles que fazem o disfarce da entrega? Por que os debates só podem ser esses? Por que o debate não pode ser o do papel estratégico do Estado brasileiro na Petrobras ou do papel que o Banco do Brasil tem que cumprir dentro da economia nacional? Cumprimento V. Exª. Tenho uma inveja cristã de não subscrever com V. Exª esse requerimento e já o faço. Sinto-me contemplado no requerimento de V. Exª, no requerimento que V. Exª encaminha agora à Comissão de Assuntos Econômicos e ao Plenário do Senado. 
O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB - PR) – Senador Randolfe, esse decreto foi assinado sem justificação, é um decreto nulo, porque quer se evitar a discussão, assim como se evitou a discussão de Libra, inclusive aqui no Senado da República. 
Na época do Império, nós tínhamos os luzias, que eram os moradores de Luziânia, que eram os progressistas, e tínhamos os saquaremas, que eram os conservadores. Daí veio a famosa frase: nada mais se parece a um saquarema que um luzia no poder. Nós estamos vendo isso hoje de uma forma extremamente clara e transparente. 
Agora, eu gostaria de dizer a V. Exª que há uma diferença ainda entre o Governo da Dilma, o nosso Governo, e as propostas dos seus opositores. E a diferença é que os opositores se encaminham no mesmo sentido quanto às reformas econômicas que a Dilma está fazendo, as reformas econômicas neoliberais, mas querem liquidar, de uma vez por todas, com as políticas sociais que foram mantidas. Não foram criadas por nós. Eram políticas propostas pelo Fundo Monetário Internacional, que começaram, na realidade, no Governo Collor, mas não foram implementadas, e que o Governo do Presidente Lula fez valer, com garra, na defesa do povo brasileiro. Eu vejo o Lula como um defensor do povo brasileiro, uma espécie de líder dos interesses do povo brasileiro, negociando com o capital. 
Quando eu fiz a campanha e votei na Presidente Dilma, Senador Randolfe, eu imaginava que nós daríamos um passo à frente. Agora, nós vamos assumir o Governo e o capital é que vai negociar conosco. Nós não vamos procurar concessões, mas nós vamos partir para um projeto de Brasil Nação, de desenvolvimento claro. No entanto, não é isso que está acontecendo. 
Mas não chego a ponto de dizer que a nossa Presidenta é igual aos seus supostos adversários, que esses estão muito à direita, festejam a política econômica. Tanto que V. Exª, eu, o Senador Paim e o Brasil não vimos nenhuma observação a respeito da ampliação para 30% da participação estrangeira no Banco do Brasil. Não há um reclamo de setor algum da imprensa, os partidos se calaram. E eu tomei a iniciativa de fazer esse requerimento de informação, hoje. Por quê? Porque eles estão todos de acordo, mas eles querem isso e mais. Eles querem acabar com o aumento do salário mínimo, eles querem acabar com as políticas compensatórias e partir para aquela visão entreguista do neoliberalismo absoluto. Apesar, Senador Randolfe, de o domínio do capital financeiro ter quebrado os Estados Unidos, estar levando desespero à Itália, à Grécia, a Portugal e à Espanha. E nós estamos copiando tudo. 
A impressão que eu tenho é de que o nosso Governo, com essas medidas, tenta dar um aceno para a direita dizendo o seguinte: não precisam ir por esses supostos candidatos da direita, porque nós somos capazes de fazer por vocês, agora, tudo que vocês esperam que eles possam fazer se eleitos. É a tentativa de evitar o surgimento de uma oposição, com a complacência e a aquiescência com as medidas que o setor financeiro, a banca nacional e internacional quer do Brasil, ou seja, o fim de qualquer possibilidade de um projeto verdadeiramente nacional. 
Senador Paim, obrigado pelo tempo e por nós estarmos aqui até 21h40min aproveitando a TV Senado para dar ao País a notícia que os jornais, as rádios, as televisões e os partidos políticos não dão.