Mantega revela que nova medida “não interfere muito na economia”
Nem resolve o problema do câmbio. Dólar cai
A nova medida do Ministério da Fazenda, estendendo a taxação de 6% do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) aos empréstimos externos de empresas com prazo inferior a dois anos, é o reconhecimento de que foram inócuas as medidas anteriores para impedir que a entrada de dólares transformasse o câmbio num cadafalso para a economia brasileira.
Por isso mesmo, é um faz-de-conta a declaração do ministro de que “não é que as medidas tomadas anteriormente não tenham dado resultado. Todas que tomamos deram resultado”.
A medida anterior, que taxava em 6% de IOF os empréstimos externos com prazo inferior a um ano, durou, exatamente, uma semana. Na quarta-feira, a PTAX (a cotação de fechamento do dólar) ficou em R$ 1,6097. Há uma semana, ela estava em R$ 1,6614.
O ministro afirmou que “se não fizéssemos nada, teríamos o dólar valendo R$ 1,50 ou menos”. É algo constrangedor lembrar que ele disse a mesma coisa quando o dólar estava chegando a R$ 1,70 e, depois, quando estava chegando a R$ 1,65. Esperemos que daqui a um mês a declaração não seja “se não fizéssemos nada, teríamos o dólar valendo R$ 1,40”.
A presidente Dilma tem toda razão ao declarar aos empresários, em reunião com a Confederação Nacional da Indústria, que é preciso fazer algo sobre o problema cambial. A entrada ilimitada de dólares, com um regime cambial administrado, na prática, pelos bancos externos, ao elevar a cotação do real e rebaixar a do dólar, está barateando as mercadorias importadas e encarecendo a produção interna.
A competitividade das empresas nacionais está sendo destruída – e não por um problema das empresas, mas porque está sendo concedido um gigantesco subsídio cambial às importações.
Há um mês, a cotação do dólar estava em R$ 1,6649. Há dois meses, em R$ 1,6711. Há três meses, em R$ 1,6861. Há quatro meses, em R$ 1,7024.
Nenhuma das medidas anunciadas pelo Ministério da Fazenda, desde os 2% de IOF em outubro, funcionou – e não vão funcionar, enquanto o ministro achar que é um mérito dizer que “procuramos tomar uma medida que não interfira muito com a economia” (?!).
Mantega acha, portanto, que é um mérito não interferir na economia, ou seja, não interferir “muito” nem com a entrada de dólares, nem com o câmbio, nem com os juros, nem com os investimentos, nem com o mercado, nem com a produção. O que significa, num país como o nosso, considerar a economia um terreno sagrado de bancos, monopólios e especuladores externos.
Por isso, é algo peculiar que Mantega declare que sua nova medida é contra a “arbitragem”. Talvez esse tipo de declaração possa enganar a ele mesmo, ou a alguns trouxas – mas só isso, e por pouco tempo.
“Arbitragem” é o ganho obtido pelos especuladores devido ao diferencial de juros. Os dólares que entram no país são atraídos por uma taxa de juros estupidamente maior do que nos EUA e outros países, onde os juros estão negativos. Como não há país com taxa de juros real maior que a nossa (mais do dobro da segunda taxa do mundo), o Brasil transformou-se, na expressão de Delfim Netto, “no último peru com farofa na mesa dos especuladores internacionais, fora o do Dia de Ação de Graças”.
Todos os países do mundo – pela evolução das taxas de juros, o Brasil é a única exceção – baixaram os juros, entre outras razões, para impedir ou reduzir a “arbitragem” (isto é, para, ao menos, reduzir a espoliação de suas economias, sobretudo pelos bancos dos EUA).
Aqui, fez-se o contrário. Os juros foram aumentados e a “arbitragem” tornou-se uma praga.
Pois o ministro quer combater a “arbitragem” sem baixar os juros – e até apoiando a sua elevação pelo Banco Central. Aliás, segundo se depreende de suas palavras, a culpa da “arbitragem” no Brasil é dos juros baixos no exterior – e não dos juros altos daqui.
Mas, com os juros que temos, não há IOF que possa impedir a “arbitragem”, numa situação em que os EUA emitiram oficialmente US$ 2,3 trilhões. Mantega diz que “o mercado externo está muito líquido”, o que não é uma grande descoberta. Há dois anos que ele está nadando em trilhões de dólares.
Onde os bancos dos EUA e outros especuladores estão colocando esses dólares? Obviamente, onde possam ganhar mais com juros. Ao entrarem com um tsunami de dólares no país, afogam o câmbio – e, por consequência, a nossa economia. A cotação alta do real frente ao dólar, ao contrário do que dizem alguns débeis mentais, representa o enfraquecimento da nossa moeda diante da invasão de dólares, que passam a ser um problema para a economia - para a produção, o comércio e as exportações.
Entretanto, o ministro acha que o IOF basta para combater a “arbitragem” - e taxando as empresas que tomam empréstimos no exterior, não os bancos que entram com os dólares no país.
Mesmo se essa fosse a única via pela qual os dólares invadem o país, os cálculos de Mantega são escalafobéticos: “quando você coloca uma taxa de 6% numa operação que rende 11,75% o rendimento é cortado pela metade”.
Mantega está se referindo, pelo número citado (11,75%), a aplicações em “renda fixa” de curto prazo. A metade de 11,75% é 5,87%. Qual é a aplicação desse tipo, fora do Brasil, que rende 5,87%? Podemos responder com segurança, graças ao “Financial Times”: nenhuma.
Portanto, esse combate à “arbitragem” é para inglês ver. Mais exatamente, para banqueiro americano ver.
No entanto, o cálculo de Mantega não significa nada. Primeiro, essa é uma via secundária para a entrada de dólares.
A taxação prejudica as empresas que, com os juros baixos no exterior, tomam empréstimos lá fora. Segundo, sem nenhuma centralização do câmbio, as formas de burlar o imposto são óbvias. Uma delas é declarar os dólares que entram como “investimento direto”, que não é taxado. Como o BC não verifica o destino posterior desse dinheiro, pode-se fazer com ele o que se quiser.
Mantega diz que não taxou o “investimento direto estrangeiro” (IDE) porque “o país continua precisando de recursos para crescer”. Ele acaba de reduzir as fontes públicas de investimentos das empresas nacionais, em especial os recursos do BNDES, mas considera o IDE, que vem comprar as empresas nacionais, intocável. Diz ele: “se nós verificarmos que há arbitragem também no IDE poderemos tomar alguma medida”. Deve ser o único cidadão, entre os que sabem o que é IDE, que ainda não descobriu que nele existe “arbitragem”.
Mas, ao fim do anúncio de Mantega, uma pérola de sabedoria: “prefiro errar para menos do que para mais”. Por que será que ele não prefere acertar?
CARLOS LOPES
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