quarta-feira, 20 de abril de 2011

O efeito deletério dos juros altos na inflação e câmbio

Amir Khair analisa como enfrentar inflação e câmbio
O economista Amir Khair, ex-secretário de Finanças da primeira administração do PT na Prefeitura de São Paulo, publicou um interessante artigo, “Como enfrentar inflação e câmbio”, que o leitor poderá encontrar no site da Agência Carta Maior.

O interesse do artigo de Khair é ainda mais relevante numa semana em que a sordidez financeira (não encontramos expressão mais adequada, leitor) se revela plenamente na campanha pelo aumento de juros na reunião do Copom; na confissão do ministro Mantega, nos EUA, de que o problema que vê nos aumentos de juros é que eles demoram demais para derrubar o crescimento; e na declaração, também nos EUA, do presidente do BC, Alexandre Tombini, de que “estamos no meio de um ciclo de aperto monetário. Já subimos os juros em 300 pontos básicos e temos adiante mais trabalho a fazer” (grifo nosso).

A taxa básica de juros no Brasil, como observa Khair – antes da reunião do Copom – era não apenas a maior do mundo, mas “o triplo do segundo colocado, a Austrália”. No entanto, “não basta. Pedem mais elevação”. E Tombini revela aos americanos que estamos somente “no meio”.

Khair frisa que a especulação com os “preços de alimentos e commodities atingem todos os países. (…) Quanto ao câmbio, o Brasil tem contra si (…) a forte elevação da liquidez internacional e a alta taxa Selic que atraem esses capitais com elevados ganhos, sem riscos”.

Certamente, não podemos interferir na liquidez internacional, isto é, nas superemissões de dólares dos EUA - que, com o consumo interno achatado pela crise, querem sair dela desvalorizando o dólar para aumentar exportações e reduzir importações. Com isso, já despejaram, “US$ 2,7 trilhões que se endereçam especialmente para os países emergentes (…) valorizando suas moedas”.

Mas podemos interferir na taxa básica de juros, a Selic, que, aliás, não é determinada pelo “mercado”, mas pelo Banco Central.

No entanto”, escreve Khair, “é comum ver-se propostas no Brasil minimizarem essa realidade internacional e pregarem como a melhor solução para esses dois problemas (inflação e câmbio), a redução da demanda, através de forte contenção das despesas de custeio (...) do governo federal”.

No momento em que seria lógico, em vista dos problemas externos, expandir a demanda interna, isto é, o consumo da população, tenta-se reduzir a demanda e o consumo internos. O que – acrescentamos - somente tem um sentido: colaborar com a estratégia norte-americana de desencalhar em outros países sua produção, barateada por uma colossal invasão de dólares desvalorizados, destruindo a produção local. O problema mundial dos EUA é que os chineses jogaram vinagre no chope dessa estratégia – mas o Brasil é um dos poucos países em que ela está funcionando. Continuemos com o artigo de Khair:

“... essas propostas omitem uma despesa que poderia ser reduzida: os juros, que atingiram, em 2010, R$ 195 bilhões, ou 5,3% da demanda. São 15 (!) vezes mais do que a despesa passível de ser feita pelo governo federal”.
Khair também menciona os gênios que querem aumentar o superávit primário para, dizem, não aumentar os juros, o que sempre tem resultado em aumentar os dois. Como diz ele:
Outras propostas defendem o aumento do resultado primário (receitas menos despesa exclusive juros) deixando o investimento crescer, mas à custa da redução das despesas relacionadas aos programas sociais. Assim, propõem forte contenção nas despesas com pessoal, salário mínimo e assistência social. Deixam sempre de fora a redução ou a menção aos juros”.

Resumindo, “essas propostas constituem o cardápio do pensamento neoliberal, que pregam o Estado mínimo para sobrar mais recursos para as empresas, que sabem administrar com maior eficiência suas atividades, como se isso coincidisse com o interesse público”.

Se fossem, pelo menos, as empresas produtivas, ainda haveria algo a pensar sobre o assunto. Mas são os bancos e demais especuladores os privilegiados. Com essa política até as empresas produtivas se tornam semi-especulativas, já que obtêm mais ganhos no mercado financeiro do que na produção.
Khair esboça alguns pontos de política econômica de curto prazo, para o país. O primeiro é manter o crescimento, o desenvolvimento econômico:

O cenário externo é incerto e de grande disputa para exportar aos países emergentes. (…) Assim, a expansão da economia deve se apoiar cada vez mais no mercado interno e para isso continuar o estímulo às camadas de menor renda e aos investimentos que devem sustentar a elevação da oferta de bens e serviços para atender a expansão do consumo com a incorporação de novos consumidores”.

O que significa uma política de valorização do salário mínimo e um fortalecimento dos programas sociais, pois “essas políticas vão na direção de explorar o potencial de consumo existente, como pode ser constatado durante o governo anterior. (…) É através da perspectiva de crescimento do consumo que as empresas procuram ampliar seus investimentos e aumentar a oferta de bens e serviços”.

O segundo ponto é o combate à inflação:
Para combater a inflação é fundamental: a) investir na produção para elevar a oferta e; b) desenvolver políticas que permitam a redução de custos das empresas, que são duramente afetadas pela elevada carga tributária, juros siderais, precariedade na infraestrutura e na logística e sujeitas ao cipoal burocrático. Elevar a oferta e reduzir custos é parte do combate estrutural à inflação”.

Aqui, a questão fundamental é a redução dos juros, inclusive quanto à carga tributária (Khair é uma reconhecida autoridade em questões tributárias):
A redução da carga tributária (...) passa pela redução dos juros do setor público devido à elevada Selic. Desde 2005 a carga tributária está estacionada em 33,6% do PIB. Mas o setor público só pode usar 27,6% do PIB, pois deve pagar antes os juros que representaram nesse período 6,0% do PIB. Nos países da OCDE, que reúne a Europa, mais Estados Unidos, Canadá e Japão, bem como nos países da América Latina e Caribe, a conta de juros é da ordem de 1,8% do PIB. Reduzindo a Selic (…) isso permitiria: a) desonerações tributárias às empresas e bens de consumo popular e; b) ampliar investimentos em infraestrutura e logística. A resultante são custos menores, com menor inflação”.

Reparemos que está explícito no primeiro ponto o incentivo a um setor onde existem numerosas empresas nacionais, apesar da desnacionalização que também o atingiu nos últimos anos. No segundo, está a base para a sustentação do desenvolvimento do país.

Por fim, Khair aborda o problema do câmbio:
Para tentar conter essa valorização [provocada pelas emissões de dólares] estão [os países emergentes] adotando o controle de ingresso de capitais sob as mais variadas formas. O caso brasileiro é mais grave, pois a taxa de juros é a mais elevada do mundo e, assim, é o destino preferido dos especuladores internacionais. A solução para evitar a enxurrada de dólares passa principalmente pela redução da Selic para o nível internacional”.
Depois de referir-se à fraude pela qual dinheiro que entra como “investimento direto estrangeiro” é desviada para a pura e simples especulação, Khair considera que “mas não é só. O que importa, sobretudo, é reduzir/eliminar as posições ‘vendidas’ dos bancos. Elas constituem a materialização das apostas dos bancos na apreciação do real e para isso o BC deve fazer exigências duras de elevação de capital sobre os bancos que atuam com posições ‘vendidas’. Nessa questão o governo está caminhando a passos lentos e há dúvidas se não está prevalecendo posições de deixar o câmbio se valorizar para tentar segurar a inflação. A elevação da Selic é um indicativo nessa direção. Assim, o governo estaria priorizando o combate à inflação recorrendo à valorização cambial com danos crescentes à competitividade das empresas e elevação do rombo nas contas internas via redução da balança comercial”.

Khair prefere abordar deste modo diplomático o que, nos parece que sem grande margem para dúvidas, é verdade. Evidentemente, há problemas estratégicos não abordados por ele nesse artigo, que será necessário resolver. O principal é a desnacionalização da economia, fonte constante de pressão a favor das importações e sobre os preços – multinacionais sempre funcionam com preços de monopólio.

Mesmo assim, seu artigo é mais valioso do que centenas, até bem intencionados, supostamente de apoio ao governo – mas que não ajudam nem um pouco a que ele supere as atuais dificuldades do país.
CARLOS LOPES

Nenhum comentário: