sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Washington declara guerra ao seu povo

ALEJANDRO NADAL* 

Em 1961 o presidente já em fim de mandato Dwight Eisenhower pronunciou um discurso de despedida e uma famosa advertência. Naquela ocasião ele previne sobre o poder desmedido do complexo militar-industrial.

Segundo um de seus mais importantes biógrafos, Geoffrey Perret, o rascunho do discurso preparado por Eisenhower continha a frase complexo milita-industrial-congressional para marcar o papel negativo que desempenhava o Congresso como correia de transmissão do poder da indústria militar. No último momento, o presidente preferiu eliminar a referência ao Poder Legislativo para não irritar demasiado. Hoje Eisenhower teria deixado a referência ao Congresso no seu discurso. É que finalmente o Congresso estadunidense declarou abertamente uma guerra contra o povo desse país, obedecendo aos desígnios dos 5% mais ricos de sua população. Embora, pensando bem, a guerra começou há muito.

O fetichismo reacionário conseguiu impor como verdade a ideia de que a causa do descalabro fiscal nos Estados Unidos está nos programas sociais, em especial o sistema de seguridade social. Conseguiu que o povo estadunidense considere que aqueles que têm direito ao seguro social sejam considerados parasitas sociais, apesar de que uma parte importante dos serviços que recebem está coberta com as contribuições pagas ao longo de sua vida economicamente ativa. Isso não importa: a ideologia reacionária insiste em que os pensionistas são como sanguessugas que consumiram mais do que podiam pagar e deixaram de poupar para enfrentar sua velhice. Essa é a maior mentira que o povo estadunidense acabou por aceitar.

A realidade é que o sistema de seguridade social nos Estados Unidos sempre se manteve com superávit. O seguro social se alimenta com recursos provenientes do imposto FICA que é pago diretamente pelos trabalhadores norte-americanos. Se se consultam as cifras oficiais (www.socialsecurity.gov) pode-se comprovar que entre 1984 e 2009 os trabalhadores pagaram dois trilhões de dólares a mais ao seguro social e ao programa Medicare do que receberam como prestações de serviços.

Da onde provinham esses recursos? Em 1983 Reagan nomeou Greenspan presidente de uma comissão para a reforma do seguro social. Essa comissão recomendou um aumento do imposto na folha de pagamento que gerou um enorme superávit. Mas esses recursos não se mantiveram no fideicomisso especial do seguro social, mas foram desviados para o fundo de recursos gerais. Em troca só ficaram letras de câmbio imprestáveis do tesouro. Atenção: não são bônus do Tesouro, são simples papéis carentes de valor.

Ou seja, o seguro social não contribui para o déficit, ao contrário ele tem subsidiado constantemente o governo federal, e esse subsidio tem sido superior aos dois trilhões de dólares antes mencionados. Se o governo não tivesse usado esses recursos teria aumentado sua dívida, o que teria implicado em maior carga financeira. O cálculo oficial indica que teriam se pago outros 800 bilhões de dólares pelo peso da dívida se o governo não tivesse usado os recursos do fundo do seguro social.

Em pleno debate sobre o teto do endividamento, o presidente Obama indicou que se não se chegasse a um acordo seria impossível garantir que os cheques do seguro social fossem pagos aos beneficiários. Como é que não tinha dinheiro para pagar esses cheques se o seguro social tem, em teoria, um superávit? A realidade é que esse fundo só contém os papéis que o Tesouro norte-americano entregou ao seguro social em troca dos recursos que captaram pelas cotizações individuais retidas como imposto.

Em outras palavras, o superávit do fundo do seguro social foi saqueado para cobrir o custo de manter baixos os impostos aos ricos, para pagar o custo crescente das aventuras militares imperiais e, mais recentemente, para pagar os astronômicos resgates para o setor financeiro.

Ou seja, os recursos do seguro social foram objeto de um desfalque, de uma gigantesca malversação de fundos enquanto o povo dos Estados Unidos assistia televisão e rendia homenagem a seus heróis caídos em guerras nas “províncias” mais distantes do império.

A Obama tocou a explosão desta bomba de tempo semeada em 1983. Em lugar de denunciá-la, preferiu abraçá-la. A reação no congresso não titubeou e aproveitou bem a oportunidade para começar a desmantelar o seguro social. É uma forma de enterrar o problema.

Dizem que as guerras têm a vantagem de tirar as máscaras. Assim se conhece ao inimigo, porque na batalha o que importa são as ações, não as palavras.

Agora o saque do século ficou a descoberto.

ALEJANDRO NADAL* 
* Articulista do diário La Jornada do Méxicohttp://www.horadopovo.com.br/ 

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