quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Um texto de Álvaro Lins na II Guerra: a traição de Vichy e o destino da França


Álvaro Lins, nos dias de hoje, talvez seja mais conhecido por sua participação política – foi chefe da Casa Civil do presidente Juscelino Kubitschek e embaixador em Portugal.

Nesse último cargo, aconteceu o fato que o tornaria famoso em todo o mundo. Em 1958, o general Humberto Delgado, da Força Aérea de Portugal, rompe com a ditadura salazarista e, reunindo a oposição, concorre nas eleições contra o candidato de Salazar, Américo Tomás. Na campanha eleitoral, um jornalista pergunta a Delgado o que, se eleito, faria com o primeiro-ministro Antônio de Oliveira Salazar, no poder desde 1932 – a rigor, desde 1928, quando assumiu o Ministério das Finanças, instituindo um lema que depois os neoliberais adotariam: “só se gasta o que se arrecada”.

À pergunta sobre o que faria com Salazar, o general Delgado responde: “Obviamente, demito-o”. A frase ficou famosa, e Delgado conseguiu galvanizar os eleitores portugueses como jamais acontecera em 30 anos de ditadura e eleições forjadas.

Porém, houve outra fraude monumental – e descarada. O candidato oficial é declarado vencedor. Salazar, um elemento mesquinho e tacanho, talvez até mais do que a maioria dos fascistas, empreende, então, a sua vingança. Sua polícia política, a sinistra PIDE, passa a prender e torturar os opositores eleitorais, como já havia acontecido com outros ao longo da ditadura.

O general Humberto Delgado asila-se na embaixada do Brasil.  Nesse momento, o governo brasileiro, então em boas relações com o governo português, hesita sobre que atitude tomar. Porém, o embaixador, Álvaro Lins, não permite que a dúvida prossiga – recusa-se a entregar o general à PIDE, concede asilo a Delgado, mesmo antes de receber a decisão do Itamaraty e da Presidência, e impede que o salazarismo atravesse o portão da embaixada.

Delgado, em seguida, iria para o Brasil – seria assassinado, em 1965, com sua secretária brasileira, Arajaryr Campos, numa cidade espanhola, por agentes da PIDE, comandados por um favorito de Salazar (aliás, conhecido na própria PIDE como “o menino bonito de Salazar”...).

O episódio do asilo de Delgado foi relatado por Álvaro Lins em seu livro de maior sucesso, “Missão em Portugal”.

Antes disso, Álvaro fora o autor, para Juscelino, de uma frase que ficou na História do Brasil. Após as eleições de 1955, Lacerda e a UDN tentaram impugnar o resultado e impedir a posse do eleito, Juscelino Kubitschek. Como a Justiça repeliu o intento, recorreram, mais uma vez, ao golpe de Estado. Desencadearam uma intensa boataria, segundo a qual os militares não deixariam Juscelino tomar posse.
Álvaro Lins, que havia sido um dos chefes da campanha de Juscelino, nesse momento era redator-chefe do principal jornal do Rio de Janeiro, então capital do Brasil, o “Correio da Manhã”. Nessa época, em que a edição era menos valorizada do que hoje, o cargo de Álvaro era o principal na redação do jornal.

Em meio à boataria udenista, o redator-chefe cunhou uma manchete, atribuindo-a ao presidente eleito: “Deus me poupou o sentimento do medo”. Como se sabe, Juscelino tomou posse com o apoio do Exército, que, comandado pelo general, depois marechal, Henrique Batista Duffles Teixeira Lott, deflagrou um contra-golpe a 11 de novembro de 1955, afastando os golpistas que haviam se assenhorado do poder.

Porém, apesar de sua intensa participação política, Álvaro Lins foi, antes de tudo, o maior crítico literário brasileiro de sua época. Lembro-me que na biblioteca do Colégio Pedro II (São Cristóvão) havia uma coleção de oito ou nove volumes do seu “Jornal da Crítica”. Álvaro foi, durante muitos anos, catedrático (na época havia esse cargo) de Literatura Brasileira do Colégio Pedro II.

No início da década de 60, a pedido de Enio da Silveira, na época dono da Editora Civilização Brasileira, Álvaro Lins reuniu os principais ensaios do “Jornal da Crítica” nas coletâneas “A Glória de César e o Punhal de Brutus” (1962), “Os Mortos de Sobrecasaca” (1963), “O Relógio e o Quadrante” (1963) e “Girassol em Vermelho e Azul” (1963).

Lembro-me bem do professor Álvaro Lins, de quem nunca fui aluno – já estava aposentado à época em que estive no Pedro II.

Um dia, tive uma curiosidade de adolescente pela obra de Marcel Proust. Perguntei sobre ele – e sobre aqueles termos que me pareciam misteriosos, como “composição em rosácea” - a uma amiga de meu pai, Dona Maria José Cerqueira, que na época editava uma enciclopédia (tinha substituído, no cargo, Carlos Lacerda, depois de uma briga colossal com esse energúmeno – Dona Maria José era uma pessoa de muita personalidade).

Ela não conhecia nada sobre Proust, mas apresentou-me a um poeta, algo tresloucado, que conhecia – mas, disse ele, o mestre no assunto é Álvaro Lins. E levou-me a conhecer o grande crítico. Com efeito, jamais esqueci o que ele disse – inclusive sobre a “composição em rosácea” do grande romance de Proust.

Bem, aos jovens (ou não tão) que quiserem conhecer o assunto, aconselho a leitura do livro de Álvaro Lins sobre o escritor francês, “A técnica do romance em Marcel Proust”, na verdade uma tese para um concurso de livre-docência no Pedro II (naquela época havia escolas de segundo grau em que isso existia). O livro é o melhor que li sobre Proust - um escritor que não me aventuro a aconselhar a leitura sem um aparato crítico anterior -, melhor mesmo que a famosa biografia escrita por George Painter (que, a propósito, também é muito interessante).

Aqui, apresentamos um dos textos de Álvaro da época da II Guerra. Escrito em 1940 (na verdade, é uma condensação da primeira parte do texto, que poderá ser encontrado em “A Glória de César e o Punhal de Brutus”). Seu tema é a decadência da França, ocupada pelos nazistas, depois da traição de Petain e Laval. Nem tudo o que Álvaro escreve, na minha opinião, está correto. No entanto, há sempre o que aprender em seus textos.

Por último, um amigo, por razões, digamos, étnicas, pede que eu não esqueça de dizer que Álvaro Lins nasceu em Caruaru, Pernambuco. É verdade. Foi em 1912 que começou sua vida, completada em 1970, no Rio de Janeiro.
CARLOS LOPES

ÁLVARO LINS

Julgo necessário fazer o registro de uma obra francesa que, aparecida em 1939, nas vésperas desta Segunda Grande Guerra, não chegou a alcançar toda a repercussão que merecia. Não obstante, é um livro que revela, como nenhum outro, a França destes últimos anos. Ontem, ao ser publicado, era apenas profético; hoje, já é histórico. O que quer dizer que o seu autor viu e sentiu, antes da guerra, o destino da França dentro da guerra. E estou certo de que um conhecimento exato do atual drama da França não será possível sem a sua leitura. Conhecimento que todos nós temos o dever de realizar. Os que amaram a cultura francesa, e ainda a amam, os que sentiram, nos livros franceses, a emoção de criar e a alegria de pensar: todos os que se beneficiaram da França, como o centro de uma civilização, têm agora o dever de acompanhá-la no seu infortúnio, participar da sua desgraça e procurar compreender a sua derrota.

A sua derrota, digo mal, talvez; as circunstâncias que envolveram e ainda envolvem esta derrota. Podemos encontrar algumas delas no livro a que me estou referindo: Histoire de dix ans (1927-1937), de Jean-Pierre Maxence (*). Como se vê, é a história dos dez últimos anos que antecederam a presente guerra: história política e literária, simultaneamente. E divide-se o volume, com subtítulos caracterizadores, em duas partes; a primeira intitula-se: “1927-1932 – Force et déclin de l´après guerre”; e a segunda: “1932-1937 - Une période révolutionnare”.

Paralelamente, vamos acompanhando os destinos dos homens de Estado e dos homens de letras; e, com eles, os da França. Otimista, esta Histoire? Pessimista? Nem uma coisa nem outra. A visão de um jovem marcado pela independência e pela combatividade. O seu propósito foi tomar a medida destes dez anos – “qui furent nos dix premières années d´homme”. Entre uma experiência Poincaré e uma experiência Chautemps – faz o seu bilan [balanço] da França contemporânea.

Neste sentido, procura uma posição, e não um partido. Colocado em face dos dilemas conhecidos – eis que Jean-Pierre Maxence só quer decidir-se pela França, tentando ultrapassar as divisões ou solicitações parciais.

A psicologia do suicídio assinala que em todo homem que se mata existe a vontade frustrada de matar a humanidade. Pois o homem que se afasta do mundo é aquele que tornou impossível o seu entendimento com os outros homens; e elimina-se a si mesmo porque não pode eliminar os seus semelhantes.

Sim, numa situação psicológica destas faz-se refletir o governo de Vichy. Tendo realizado um suicídio coletivo, ele está mostrando quanto é feroz o seu ódio aos outros homens. Aquela ânsia de procurar vítimas e responsáveis enraíza-se em causas psicológicas mais profundas do que parece. Ao entregar a França aos seus inimigos, o governo de Vichy sentiu que o seu destino era o suicídio. Separado de todos, tenta a todos eliminar; e explica-se, assim, que esteja a perquirir, alucinadamente, autores individuais para erros gerais, que encontraram, aliás, a sua última expressão no gesto demissionário do antigo vencedor de Verdun.

Dentro desse estado psicológico, o governo de Vichy vem situando em três pontos a derrota da França: 1) – o sistema republicano-parlamentar; 2) – o exercício da liberdade política e econômica; 3) – a incapacidade dos últimos governos, os de Léon Blum, Edouard Daladier e Paul Reynaud.

A leitura desta Histoire, de Jean-Pierre Maxence, dá-nos a possibilidade de levantar algumas diferentes proposições, assim resumíveis: 1) – os homens do sistema republicano-parlamentar, e não o regime em si mesmo, não obstante a crítica implacável que Maxence formula contra o liberalismo e o capitalismo; 2) – a desvirtuação do uso da liberdade, e não a liberdade em si própria; 3) – a responsabilidade de Blum, Daladier e Reynaud, mas não só destes; e a responsabilidade, sem comparação, sendo muito maior num Laval do que num Daladier.

Será fácil verificar como a interpretação menos exata é a dos homens de Vichy.

1) – Ninguém saberia dizer como um sistema – que é, em si próprio, algo “abstrato” e “nominal” – tenha podido corromper homens. Isto seria admitir que uma coisa inerte pode tornar-se mais forte do que uma coisa viva; que o artifício possa ser responsável pela obra do artífice; que a criação antecede ao criador. Seria admitir, portanto, uma série estupidamente lógica de absurdos. O que se sabe é que a um sistema não se pode qualificar, abstratamente, de bom nem de mau; o seu conteúdo ou o seu destino forma-se das idéias que o animam e representam.  Toda a grandeza ou toda a degradação de sistemas são uma grandeza e uma degradação de ideias. Vejamos um exemplo bem oportuno: o sistema parlamentar francês, instituído na década de 1870, pretendeu ser uma imitação das instituições inglesas. Que na França tenha gerado Laval e Bonnet, e que na Inglaterra tenha produzido, na mesma época, Churchill e o heroísmo coletivo do povo britânico – estas duas conseqüências diversas serão obras do sistema ou dos homens?

2) – A corrupção dos homens políticos, por sua vez, implicou a corrupção do uso da liberdade. Creio que só em épocas como a nossa, muito infelizes e muito rebaixadas, existem “tiranos” capazes de perseguir a liberdade e de julgá-la um mal. Que os dirigentes da França de hoje assim o pratiquem, como um eco de Mussolini e Hitler, isto só faz aumentar a penosa impressão de que as possibilidades de defesa da pessoa humana e dos valores culturais vão ficando cada vez mais reduzidas. Aliás, o que se intenta agora na França, para eliminar a liberdade, é identificar-lhe o exercício com tudo o que era já a sua própria degradação, isto é: aquele seu ponto-final que se limita pelo avesso com a escravidão nazi-facista. Pois não é só através de um homem ou de um regime que um povo perde a sua liberdade. Perde-a também, por si próprio, em momentos de abdicações, quando, já tendo degradado a liberdade, não sabe mais o que fazer dela. Neste sentido, Jean-Richard Bloch escrevia profeticamente, na revista Europe, há alguns anos, que – “la liberte est devenue pour lês francais um luxe dont ils ne savent que faire”.

3) – Nem mesmo em regimes totalitários, o destino coletivo de um povo pode ser da responsabilidade de um só homem ou governo. Pois o povo alemão-prussiano determina Hitler muito mais do que Hitler o determina; Hitler é uma expressão representativa e não autônoma. Por conseguinte, se esta constatação é sociologicamente exata para os regimes de violência e força, mais o será para os regimes republicanos e parlamentares. Acresce que os acusados por excelência, no caso da França, são os menos pessoalmente culpados: Daladier, Reynaud, Mandel. São precisamente os que se apresentaram um pouco acima da decadência geral. Ora, a propósito do próprio Léon Blum, como acreditar que, num único ano de governo, houvesse ele podido modificar toda a natureza e estrutura de uma sociedade? Principalmente quando se sabe que a característica da experiência Blum foi a não-ação. Quer dizer: a experiência Blum nem fez avançar nem fez recuar a França. Representou um intervalo vazio; ou uma espécie de hiato.

Historie de dix ans permite uma visão mais completa e menos facciosa da França contemporânea. Demonstra-nos que a decadência era geral e tudo envolvia: os homens, a sociedade, a cultura, o Estado. Bem o sentimos ao acompanhar este itinerário de Jean-Pierre Maxence; o itinerário de toda uma geração que fala e se apresenta pela sua voz. E quando, em 1937, com vinte anos, essa geração de Maxence ingressou na vida, a França ainda se encontrava sob a aparente felicidade de sua vitória contra a Alemanha.

Eis o 1927 francês; e é também em 1927 que Poincaré governa como um ídolo. Jamais uma época medíocre encontrou um representante tão expressivo. Esse advogado de fórmulas feitas, esse burguês vazio e solerte – aquela “ame sans feu” [alma sem fogo]: o Poincaré da última fase – correspondia, entretanto, a um espírito que nada pedia além de uma paz a qualquer preço. Ah, como Clemenceu parecia, então, um ser deslocado, uma figura do passado morto, um estrangeiro para os próprios franceses! Mas que importava esta constatação quando lá fora o chamado pacto de renúncia à guerra acabava de ser subscrito por delegados de 500 milhões de homens?

O Poincaré da última fase teve, porém, ainda uma última “virtude”: a de revelar às novas gerações quanto era hipócrita e falsa aquela situação de aparente prosperidade e paz superficial.  Os homens mais jovens começaram a perceber que os homens mais velhos estavam destruindo o regime mediante um conflito entre as suas palavras e os seus atos. Ou seja: num jogo de insinceridade entre o pensamento e a ação.

Subsistindo, no entanto, a literatura e as artes como algo em estado de pureza e verdade. Literariamente, é 1927 um ano muito brilhante e muito cheio. Os jovens encontram em plena glória os mestres vindos de 1900 (Gide, Claudel, Valéry, Maurras) e as sombras dos mestres recentemente mortos pela guerra ou pela doença (Péguy, Fournier, Lafon, Proust, Barres, Rivière). Dois grupos animam a vida literária: o da Nouvelle revue française e o Roseau d´or. É o grupo de Roseau d´or que lança Georges Bernanos e edita Adrienne Mesurat, de Julien Green; é na Nouvelle revue française que André Malraux publica Les conquérants.  Extingue-se o “supra-realismo” como escola, mas os rapazes continuam a fundar revistas ou jornais efêmeros, com a instabilidade dos seus projetos e sonhos. Por toda a parte, um grande ruído de mocidade, de inovações, de processos literários, de revisões estéticas (*). Um grande tumulto de palavras e de sons como que abafando as idéias e os fatos. Todavia, é neste momento mesmo que Jean-Pierre Maxence e o seu grupo de companheiros começam a desconfiar de que havia em tudo aquilo qualquer coisa de artificial e falso. A vida, porém, ainda não parecia difícil para os rapazes de vinte anos sem muitas exigências. Aqueles que as traziam, contudo, logo iam tomando uma posição de defesa nestes termos de reserva: “dans tout ce bruit, nous cherchions um peu de silence; dans cette confusion, um peu de clarté” [em todo esse ruído, nós procuramos um pouco de silêncio; nessa confusão, um pouco de clareza].

1929 e 1930, estes são dois anos já de artifício sem subterfúgio, bem à vista no espetáculo de tantas medidas incompletas e vacilantes. Sob a aparência de esplendor, contorce-se em crise o capitalismo. Poincaré agoniza; Briand torna-se o novo ídolo. E é com este fantasista – e com “lês hommes malades de la paix” [os homens doentes da paz], da expressão de Suarez – que a França começa a entregar-se, na política exterior, aos seus inimigos. Briand sorri, e entrega. Cada sorriso, uma abdicação de território, de grandeza, de poder. E isto era toda uma política: a dos despojamentos em favor da utopia dos “Estados Unidos da Europa”. Tão falso, aliás, este sonho de Briand quanto o de Hitler.  Um, tentando articular-se através de um mito; o outro, através da violência. Nenhum dos dois sobre uma realidade política ou uma verdadeira paz.

Do período de hipócritas facilidades, ou de falsa prosperidade, veio a desabrochar a época revolucionária de 1932-1937, com o final na experiência-Blum. Uma época que, nas palavras de Chesterton, atingiria – “a perfeição da desordem”. 1931-1934 foi, realmente, o período dos tumultos. Primeiro, o das Direitas, que foram ganhando terreno, dia a dia, até explodir no “6 de fevereiro”.

Após o fracasso das Direitas, nesse “6 de fevereiro” (1934), impunha-se a experiência das Esquerdas com o Front Populaire sintetizado em Léon Blum. Vê-se que Jean-Pierre Maxence, embora detestando o velho líder socialista, não pretende fazer dele o centro responsável de todos os acontecimentos. Da sua análise o que ressalta é que o governo Blum foi uma continuação lógica de qualquer outro dos governos anteriores. Pois Léon Blum não esteve à altura nem dos ódios de seus inimigos postos na expectativa de que ele arruinaria a França, nem dos entusiasmos e esperanças com que os seus amigos contavam que ele a salvasse.

Mas não só a figura de Léon Blum: todas as principais figuras parlamentares e ministeriais da França se encontram aqui estudadas com um traço definidor ou um juízo significativo. Como jornalista parlamentar, nas sessões de 1933, Maxence observou-as todas e conheceu-as muito bem: um Daladier, um Flandin, um Laval, um Sarraut, um Chautemps. Impossível resumir estes “retratos” tão fiéis.

Reste la France... – conclui Maxence na última página do seu livro profético. Mas subsistirá, realmente, a França? Permanecerá a mesma Nação, o mesmo Estado? Ou vai fazer a curva do destino de algum Estado antigo que encerra o seu ciclo de cultura e passa a ser mais um “passado” do que um “presente”? Voltará a existir a França? Ou somente continuará a existir a cultura francesa? Eis, sem dúvida, um dos mistérios do mundo moderno. Pelo que significa hoje, nenhuma conclusão poderá ser lançada para o futuro. A bem dizer, a França hoje não é nada. Apenas, em Vichy, algumas sombras se iludem julgando que dirigem e governam. Mas dirigem ou governam o quê?
Aqueles que amam a França preferem julgar que ela só existiu até o dia da assinatura do seu armistício como um ato de autoflagelação nacional e internacional. Mas tarde, se chegar a reviver, os seus dias de hoje terão sido um simples intervalo. Garantida a continuação do sistema de Vichy, estará morta para nós. E amaremos um pouco mais a sua lembrança de morta do que estes restos de vida que o oxigênio nazista vem sustentando para tornar mais infeliz a agonia final. Em tal hipótese, esta Histoire de dix ans, de Jean-Pierre Maxence, ficará como um dos últimos documentos da antiga França; de uma França doente, e já ferida de morte, mas ainda viva em alguns dos seus impulsos para a grandeza.
Novembro de 1940

(*) Jean-Pierre Maxence – História da dix ans (1927-1937). Paris, 1939.

(*) De vários desses autores e assuntos estrangeiros ocupei-me em ensaios e estudos que aparecerão no livro O Relógio e o Quadrante, preparado também em 1962, para a editora Civilização Brasileira S.A., junto com este volume.

http://www.horadopovo.com.br/

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