quarta-feira, 27 de novembro de 2013

A política externa do governo Dilma e o acordo de Genebra


O acordo aprovado pelo Irã é uma derrota do belicismo ianque. Durante os oito anos do governo Lula, o Brasil teve um papel de primeiro plano ao opor-se às agressões e ameaças dos EUA contra o país de Mossadegh. No entanto, fechou-se agora um acordo – e o Brasil, cujo peso até poderia ter melhorado as condições para o Irã, parece, em dois anos, ter-se evaporado nas negociações. O que ocorreu?
Em poucas questões é tão clara a mudança da política externa do governo Lula para o governo Dilma. A rigor, o atual governo esteve muito mais a favor do lado americano que do lado iraniano, apesar de ser evidente quem era o agressor e quem atentava contra os direitos humanos, ao tramar um bombardeio sobre 75 milhões de seres humanos. Com isso, perdemos espaço não somente entre os BRICS, mas entre os países “emergentes e em desenvolvimento”. E, antes que alguém levante suas ilusões como argumentação, não ganhamos espaço algum com o imperialismo, que não tem a gratidão à subserviência como uma de suas características, além do que, não era de nosso interesse (interesse nacional) conseguir tal espaço, mesmo se fosse possível – e era impossível.
Em artigo na edição de novembro do “Jornal da Universidade”, da UFRGS, o professor Paulo Fagundes Vizentini - titular e coordenador da pós-graduação em Estudos Estratégicos Internacionais da faculdade de economia daquela universidade – aborda, exatamente, o que mudou na política externa no governo Dilma em relação ao governo Lula.
O professor Vizentini considera que “... o presidente Lula e o Chanceler Celso Amorim elevaram a diplomacia brasileira ao seu mais alto patamar da história. Curiosamente, a imprensa internacional ressaltava os avanços logrados pelo país, enquanto a mídia nacional atacava e denegria as realizações do Itamaraty e do presidente. (…) Evidentemente o Brasil contrariava os interesses estabelecidos, e eles revidavam também por meio de aliados políticos brasileiros”.
A partir dessa avaliação, bastante sólida – ainda que se possa argumentar com outros períodos da história de nossa diplomacia - Vizentini sintetiza o tema de seu artigo: “Houve mudança ou continuidade na política externa de Lula e Dilma?”.
O autor responde à pergunta com uma insofismável conclusão:
“... os setores de defesa externa, de segurança interna e de inteligência (que possuem importante interface com a diplomacia) têm sido negligenciados, inclusive pelo governo atual, influenciado por uma visão pós-moderna e (des)orientado por agendas emanadas de certos círculos das grandes potências. Assim, o governo de Dilma Rousseff demonstra relativa descontinuidade em relação ao de Lula. Sua diplomacia evidencia sinais de retrocesso, num governo descuidadamente permeável e vulnerável à ação política instrumental de ONGs e fundações públicas e privadas estrangeiras”.
É muito interessante – embora, provavelmente, mereça uma abordagem mais extensa - como logo depois de apontar o conteúdo de fórmulas como aquela de que o objetivo do Brasil é ser “um país de classe média”, o autor relaciona tal ideologia com as decisões de política externa:
“O governo tem procurado estimular o consumo das classes C e D, sem prejudicar as A e B; para tanto, cria uma cultura de consumismo, com direitos ampliados, sem deveres correspondentes nem motivações ideológicas construtivas e coletivas, apenas o culto ao individualismo. (…) … problemas como o da espionagem eletrônica dos Estados Unidos e o dos asilos são lapidares. Um país que concedeu asilo político, desde ditadores paraguaios até o militante italiano de extrema-esquerda Battisti, demonstrou receio em conceder refúgio a Edward Snowden”.
E, de forma ainda mais geral, afirma o professor Vizentini:
“... o Brasil vacila quanto a critérios internacionais seletivos em campos que enfraquecem o desenvolvimento econômico na área energética e de infraestrutura. Membro do BRICS afastado geograficamente do núcleo eurasiano, o Brasil se debate com problemas de identidade. Uma nação histórica e culturalmente reconhecida pelo predomínio da mestiçagem sucumbe ao pseudomulticulturalismo que, em última instância, o define como ‘Ocidental’, com algumas minorias, fragmentando a construção de uma identidade nacional. Sem tal elemento, não há projeto nacional e, em consequência, não pode haver avanço no desenvolvimento econômico-social sustentado. Assim, o que está em jogo, no plano externo, é o realinhamento da diplomacia brasileira para o Norte e o afastamento dos demais BRICS”.
Na opinião do professor, a mudança de ministro, com a demissão do malfadado Patriota (que nome tão portentoso para tão pobre conteúdo!), após o episódio do fora-da-lei boliviano, não implica em mudança da política, pois “é a vontade política da presidência que imprime a direção e a intensidade da ação diplomática”, apesar de reconhecer que o antigo ministro haja “gozado de muita autonomia e permitido liberdade de ação aos seus subordinados”.
Vizentini é, realmente, um conhecedor do assunto. Aliás, estamos de pleno acordo em que:
“O Ministério das Relações Exteriores do Brasil (Itamaraty) é, sem sombra de dúvida, um dos serviços diplomáticos mais competentes e profissionalizados do mundo, inclusive melhor do que o de muitas potências tradicionais. Ele atravessou governos e regimes muito diferentes, conseguindo se manter próximo de uma política de Estado (e não apenas de governo) e da defesa do ‘interesse nacional’ que, no caso, pode ser visto como apoio ao desenvolvimento, à autonomia e à projeção mundial do país”.
Até aí, diriam alguns leitores, algo ranhetas, que não há novidade. No entanto, o professor acrescenta algo que, quase certamente, é novo para a maioria de nós - ou, se não for, continua sendo importante:
“Os diplomatas fazem parte de uma estrutura hierárquica rígida, como a dos militares, mas as pessoas que integram tal burocracia possuem opiniões pessoais que vão de um extremo ao outro do espectro político. E é importante o fator geracional: os diplomatas desenvolvimentistas de Geisel representavam aqueles nacionalistas que haviam ingressado na carreira no início dos anos 1960. Os de Lula tinham forte vínculo com os da época de Geisel. Mas os que ingressaram durante a fase neoliberal-globalista tinham outras ideias, para não falar dos conservadores elitistas de sempre, que consideram o Brasil uma nação ‘Ocidental’ (leia-se branca, cristã, liberal quando possível)”.
A verdade é que - para um país dependente, que tem como principal obstáculo ao seu desenvolvimento o bloqueio dos cartéis, monopólios e potências imperialistas - a política externa é tão ou mais importante que a política interna.

C.L.

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