domingo, 25 de setembro de 2011

Porta-vozes dos bancos fazem alarmismo para subir os juros


Inflação” da pera e do açúcar cristal é apenas pretexto


Toda a mídia oposicionista (não encontramos até agora nenhuma exceção), TV, rádios, jornais, revistas, foi possuída nos últimos dias, desde que o câmbio, de um jeito ou de outro, começou a ser corrigido, e sobretudo depois que o IBGE, no dia 20, divulgou o resultado do IPCA-15, por um formidável zelo pela inflação. Por coincidência, apenas por coincidência, são os mesmos que reclamaram tanto quando o Banco Central cortou mísero meio ponto percentual na taxa básica de juros.

A luminosa tese dessas carpideiras, em geral exposta por cinzentas e ignotas mediocridades - quer dizer, consultores – elevadas a autoridades em matéria econômica e cambial, é que o BC cometeu uma imprudência com o corte de juros, e, com isso, supostamente, fez a inflação estourar. E haja gráficos, uma verdadeira floresta deles, de várias cores e formatos, sempre desenhados sem nenhuma proporção razoável nem senso do ridículo, para mostrar que estamos em pleno surto inflacionário, a caminho, talvez, da hiperinflação, à beira de comprar pãozinho francês com um caminhão de dinheiro, etc., etc., se o BC não voltar a aumentar imediatamente (isto é, na próxima reunião do Copom) os juros. Na quarta-feira, por exemplo, o Jornal Nacional, para mostrar a terrível inflação, recorreu ao preço da pera importada – como todo mundo sabe, um gênero alimentício de primeira necessidade na mesa de todo brasileiro.
Há também diatribes sobre o preço do açúcar cristal (quem será que usa isso?) ou sobre o tremendo impacto do aumento das passagens aéreas, provavelmente porque o povo passou a usar avião até para ir ao barbeiro ou à manicure – mas oculta-se que o açúcar, hoje, está sob o tacão de alguns monopólios multinacionais e não se fala dos aluguéis, vítimas da lei dos despejos aprovada há alguns meses.

Pois, leitor, talvez você não tenha notado, mas o hediondo IPCA-15 de setembro foi 0,53%, um aumento de 0,26 ponto percentual (ou seja, 1/4 de ponto) em relação a agosto. O mesmo índice, desde janeiro, está em 5,04%. Mas o alarde foi para o “acumulado de 12 meses”, 7,33%.

Qual a importância desse número, que inclui três meses do ano passado? O BC aumentou cinco vezes os juros, antes de reduzi-los em apenas 0,5 p.p. O Ministério da Fazenda, como está em seu recente relatório, “Economia Brasileira em Perspectiva”, tomou providências adicionais para derrubar o crescimento, que, de 7,5%, foi parar em 3,1%. Se, mesmo assim, esse lobby queixa-se da inflação, só pode ser a prova de que não é assim que se combate a inflação.
Realmente, não é. Combate-se a inflação aumentando os investimentos, a capacidade produtiva do país para atender o consumo, e a primeira medida para isso é baixar mais os juros. No entanto, eles sabem que a inflação atual não apresenta perigo algum, que sua origem externa – o preço especulativo das commodities – está caindo, e que, de qualquer forma, aumento de juros no Brasil não interfere na Bolsa de Mercadorias de Chicago ou Nova Iorque. O que querem, realmente, é aumentar os juros para que os bancos, principalmente os estrangeiros, pilhem mais o Estado e a população – daí, esse terrorismo em torno da inflação (e do câmbio, exatamente quando este começa a ser corrigido, isto é, quando se torna um pouco menos favorável aos produtos importados das multinacionais).

Até que dessa vez o ministro Mantega tem razão: “o câmbio está devolvendo o que se valorizou”. O problema é que a devolução foi pouca até agora e feita por via especulativa, ou seja, porque os especuladores passaram a apostar no dólar como boia para o naufrágio da Europa.

Sucintamente: com os juros altos atraindo nuvens de gafanhotos, isto é, dólares desvalorizados pelas superemissões dos EUA, a situação do câmbio, com o real hipervalorizado, provocou outra invasão: a de mercadorias importadas, barateadas em relação à produção interna por essa mera manipulação cambial, devastando a produção nacional, ao ocupar uma parcela cada vez maior do mercado interno, devido a esse dumping cambial. Para isso serve o chamado regime de “câmbio flutuante” - na verdade, uma renúncia do país a estabelecer o preço da sua própria moeda. Naturalmente, se não é o país que estabelece esse preço, os especuladores – ou um outro país – o faz.

Portanto, só fariseus, idólatras dos juros e do dólar, gente que rompeu seus vínculos com o país, inclusive com a economia nacional, podem lastimar que o preço da pera, ou outra mercadoria importada, ficou mais cara porque o câmbio ficou mais racional. Para o país é excelente que os importados estejam mais caros – e, portanto, aumente o espaço para a produção nacional no mercado interno. Não existe país sem economia própria, assim como sem Estado próprio e sem cultura própria.

A presidente Dilma analisou uma parte desses problemas em artigo publicado na quarta-feira pelo “Financial Times”, intitulado “O Brasil lutará contra os manipuladores de moeda”. O texto é muito mais interessante do que o seu discurso na ONU (deve ter sido o Patriota que redigiu esse último). Afirma a presidente:

“... a crise financeira de 2008 não acabou, especialmente nas economias avançadas. (…) As economias que emitem moedas de reserva estão gerenciando [managing] a liquidez internacional sem um sentido de bem coletivo. Elas estão recorrendo à taxas de câmbio desvalorizadas para garantir sua parcela nos mercados globais. Essa onda de desvalorizações competitivas unilaterais cria um círculo vicioso que leva ao protecionismo cambial e comercial. Isso tem devastadores efeitos sobre todos, mas especialmente sobre os países em desenvolvimento”.

A moeda de reserva internacional, desde 1945, é o dólar. Mas compreende-se que a presidente não mencione explicitamente o que todo mundo sabe. Em seguida, apesar de condenar o protecionismo em geral (como se o protecionismo nos países periféricos não fosse um recurso de defesa contra a agressão comercial e cambial, sobretudo, dos EUA), Dilma chamou ao “combate a todas as formas de manipulação da moeda que fornece espúria competitividade às expensas dos parceiros comerciais”.

Em seguida, ela explicita do que está falando:

“... ameaçados por um grande fluxo de capital especulativo, assim como por uma rápida e insustentável apreciação da moeda, os países em desenvolvimento que adotam o regime de câmbio flutuante, tais como o Brasil, são forçados a tomar medidas prudenciais para proteger suas economias e suas moedas nacionais. Nós não sucumbiremos às pressões inflacionárias vindas de fora. Com firmeza e serenidade nós manteremos a inflação sob controle, sem desistir do crescimento econômico que é essencial se queremos promover a inclusão social” (Dilma Rousseff, “Brazil will fight back against the currency manipulators”, FT, 21/09/2011).

Os lobistas dos bancos interpretaram essa última parte como se Dilma tivesse afirmado que o crescimento é mais importante do que o combate à inflação – o que, aliás, é mesmo. No entanto, Dilma não afirmou isso, e sim que não arrasará o país em nome de um suposto – e, de resto, falso - combate à inflação. Mas, para os corifeus dos bancos e demais especuladores, arrasar o país para ganhar com os juros não é uma questão em que se pense duas vezes.
CARLOS LOPES

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