quinta-feira, 15 de setembro de 2011

A pilhagem e falência dos bancos da “zona do euro”
 
 
O importante, no artigo de Mike Whitney que hoje publicamos, é o retrato da situação dos bancos europeus. Essa situação, como mostra o autor, é tão ruim que a recém-eleita diretora geral do FMI, uma advogada francesa de bancos norte-americanos, propõe acabar com a soberania dos países da União Europeia e instalar uma ditadura “supranacional”, isto é, uma ditadura dos bancos que impeça os países de lidar, mesmo que minimamente, com suas próprias finanças. Nesse sentido, o artigo de Whitney, publicado em Counterpunch no último dia 5, e intitulado originalmente “The Coming of EuroTARP”, é bastante esclarecedor.
 
No entanto, dificilmente o problema atual na Europa poderia ser descrito como uma “crise das dívidas soberanas” (a dívida soberana é composta pelos títulos públicos + títulos avalizados pelos governos), exceto em seu aspecto mais superficial. Não foi por fazer “más apostas” em títulos da Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália que os bancos europeus estão em situação falimentar, mas por ter, durante anos a fio, secundado os bancos norte-americanos no cassino dos “derivativos”.
 
O atual problema com papéis de alguns países é uma sequela – ainda que nada pequena - deste primeiro e verdadeiro problema. Isso, inclusive, explica a ansiedade de Madame Lagarde, e sua desinibição americanófila ao propor uma ditadura por cima dos países da UE, tantos anos depois do fim da ocupação nazista. Não são apenas os bancos europeus que serão, ou estão sendo, afetados.
 
Os bancos europeus, segundo a Bloomberg News, desde o início da crise, já tiveram três bailouts, isto é, injeções de dinheiro público, sobretudo sob a forma de compra de títulos pelo Banco Central Europeu. No entanto, nada resolveu o problema – existem, circulando, mais de US$ 600 trilhões em “derivativos”. Esses papéis que representam outros papéis, são jogados em pacotes, diariamente, via “mercado futuro” e outros mecanismos, pelos bancos norte-americanos. Um dos “patos” favoritos desses últimos, sempre foram os bancos europeus e japoneses, que procuravam fazer em sua área o que os americanos faziam na sua. No entanto, trata-se de sócios menores do capital financeiro.
 
Certamente, os sucessivos bailouts acabaram por criar um problema imenso para os países – não se doa tanto dinheiro público, sobretudo quando não se fabrica a principal moeda, o dólar, sem tremendas consequências. Inclusive uma parte grande dos “títulos soberanos” são títulos de bancos que foram avalizados por governos.
 
A confusão na Alemanha, em torno de uma nova injeção de dinheiro público nos bancos, e a crise do euro são consequências. E, certamente, os países que dominam a UE – basicamente a Alemanha e a França – querem que os países menores, ou menos poderosos financeiramente, paguem a irresponsabilidade dos seus bancos.
 
No entanto, isso tem um limite. E parece que está próxima, por exaustão, a suspensão dos pagamentos da Grécia, apesar de todas as concessões – mais exatamente, de toda a submissão – de seu governo.
C.L.

MIKE WHITNEY
 
O Bundestag terá uma oportunidade de impedir o plano de Angela Merkel de fornecer centenas de bilhões aos afundados bancos da União Europeia que fizeram más apostas em títulos soberanos. Se o parlamento alemão não derrotar Merkel no dia 23 de Setembro, então – sob os “poderes expandidos” do European Financial Security Facility (EFSF - fundo da UE supostamente para ajuda aos países em crise) – os bancos insolventes terão seu bailout e os custos serão transferidos para os contribuintes da zona do euro.
 
Apesar da sua fanfarrice populista (“nós não seremos intimidados pelos mercados”), Merkel é uma devota eurófila, comprometida com uma união fiscal dominada por banqueiros e possuidores de títulos, uma Bankditadura. No momento, está fazendo tudo o que pode para apressar o processo, antes que vigilantes hostis dos títulos façam desabar o sistema bancário da UE. Isto foi publicado pela revista Der Spiegel:
 
“Numa situação de pânico no mercado, o EFSF tem de atuar rapidamente”, disse Holger Schmieding, economista chefe do Berenberg Bank, ao Financial Times Deutschland. “Pode acontecer da noite para o dia ou num fim de semana”. Guntram Wolff, do think tank Bruegal, com sede em Bruxelas, concorda. A aprovação parlamentar “não deve levar demasiado tempo”. (“Parliamentary Influence over Euro Bailouts Naive”, Der Spiegel, 01/09/2011).
 
Não soa familiar? O secretário do Tesouro dos EUA, Henry Paulson, utilizou a mesma estratégia após o colapso do Lehman Brothers, em 2008, com o objetivo de chantagear o Congresso para extrair US$ 800 bilhões para o bailout dos bancos (TARP). Mais uma vez, o medo de um colapso financeiro está sendo invocado para extorquir dinheiro de modo sorrateiro dos que trabalham. Eis um trecho de outro artigo da Der Spiegel:
 
“Os bancos estão realmente numa situação ruim. A maior parte deles ainda tem um bocado de títulos soberanos espanhóis, italianos, portugueses e irlandeses nas suas folhas de balanço e não está totalmente claro se acabarão sendo plenamente reembolsados. Isso, por sua vez, alimenta a desconfiança entre as próprias instituições financeiras e muitas cessaram de emprestar dinheiro umas às outras. Elas estão sendo mantidas vivas apenas porque o Banco Central Europeu (BCE) está disponibilizando um montante ilimitado de dinheiro para elas, aceitando como garantia títulos que muitos investidores já não consideram seguros.
 
“Uma melhor capitalização para os bancos poderia minorar essa desconfiança, porque uma situação mais líquida significa que os bancos poderiam absorver melhor as perdas dos seus negócios com a dívida soberana. Aquelas instituições que não são suficientemente fortes para levantarem por si mesmas dinheiro no mercado, teriam de ser ajudadas com dinheiro público. Dificilmente haverá uma instituição mais adequada para essa tarefa do que o EFSF”. (“The Euro Rescue Fund Needs More Powers”, Der Spiegel, 31/08/2011).
 
Esse trecho do artigo está errado em muitos aspectos - é difícil saber por onde começar. O EFSF foi estabelecido para impedir o default de nações, não de bancos. A ideia de que os especuladores com títulos podem ser comparados a governos eleitos é ridícula. Os bancos estão em dificuldades porque tomaram decisões más e agora devem enfrentar penosos cortes nas suas aplicações.  Acionistas serão eliminados e as dívidas terão de ser reestruturadas. Não é o fim do mundo.
 
O que Merkel & companhia querem fazer é virar o sistema de pernas para o ar e transformar o EFSF numa SPE (Sociedade de Propósito Específico) permanente, fora da folha de balanço, autorizada a distribuir dinheiro público para bancos falidos. E tudo para impedir seus amigos banqueiros de perder dinheiro. Assim, por trás de toda a conversa fiada sobre a “unidade fiscal” e “consolidação das finanças do estado”, espreita a feia verdade de que a zona do euro é um sistema de duas camadas, com uma arquitetura financeira idêntica à da Enron. Não há nada de democrático num sistema que premia elites perdulárias, enquanto joga os prejuízos para os trabalhadores pagarem. Isso é, exatamente, a velha cleptocracia.
 
A chanceler alemã está, em sua luta, junto com seus colegas no BCE e no FMI. De fato, a recém nomeada chefe do FMI, Christine Lagarde, lidera o movimento pelo Euro-TARP, o que pode explicar porque o seu processo de nomeação foi acelerado, depois de Dominique Strauss-Kahn ter renunciado enquanto aguardava investigação sobre acusações de estupro em Nova York.
 
Seja como for, madame Lagarde já mostrou que está mais do que desejosa de fazer qualquer trabalho duro que seja necessário para alcançar seus objetivos e para acomodar seus ricos eleitores. Eis como o The Guardian resumiu o curriculum de Lagarde:  “Christine Lagarde apoia a proteção dos grandes bancos ... ela é a mais pró bailout bancário de todos”. (“IMF under growing pressure to appoint non-European head”, The Guardian, 19/05/2011)
 
É verdade. Assim, Lagarde lançou o seu peso em favor dos bailouts bancários, também conhecidos como recapitalização dos bancos. Ela também advoga fervorosamente “institucionalizar um governo econômico europeu”, o que significa que pretende estabelecer um regime controlado por banqueiros e possuidores de títulos, a Banktopia. Ao mesmo tempo, ela insiste em que esse novo corpo governante tenha poder para intervir no processo orçamentário dos Estados soberanos da zona do euro, com o objetivo de “manter nossos esforços para expandir o âmbito da vigilância econômica, de modo a incluir déficits governamentais e públicos, bem como a dívida do setor privado, se necessário pela imposição de ‘penalidades políticas’”.
 
Certo. ssim, esse novo governo trans-UE será capaz de exigir obediência a Estados errantes, que aprovam orçamentos que servem aos interesses do seu povo, ao invés dos interesses do grande capital. Enquanto isso, o Superestado UE de Lagarde continuará a impor as mesmas políticas que tem aplicado desde o princípio da crise financeira: privatização em grande escala de ativos e serviços do Estado e programas de aperto no cinto que mantenham a economia num estado de depressão permanente.  Será esse o destino da zona do euro?
 
Tenhamos em mente que os bancos já estão obtendo bailout através do programa de compras de títulos do BCE, que mantém os preços dos títulos artificialmente altos e evita um default soberano. O fato de Lagarde fazer pressão agressivamente por injeções diretas de capital sugere que a condição dos bancos é muito pior do que qualquer um imaginou até aqui, razão pela qual – de acordo com o Wall Street Journal – “ela sugeriu que o fundo de salvamento soberano já existente na UE (EFSF) podia ser utilizado para essa finalidade”. Isto é um exemplo clássico de bait and switch [N.HP: fraude em que um comerciante anuncia um produto com preço baixo e, quando os consumidores vão comprá-lo, o produto não está disponível, e sim outro mais caro].

Os parlamentares alemães têm a chance de acabar com esse absurdo, de uma vez por todas. Ao impedir Merkel, o Bundestag pode assegurar que o povo trabalhador da zona do euro não será roubado em centenas de bilhões de dólares ou submetido ao domínio autocrático de especuladores parasitas. Deixem os bancos pagar as suas próprias contas.

http://www.horadopovo.com.br/

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