domingo, 20 de março de 2011

Mantega diz que corta “tranquilo” salários dos servidores públicos 

Ministro da Fazenda afirma que não vai dar qualquer aumento para a categoria este ano 

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, declarou, em entrevista à Globo News, que não haverá qualquer reajuste para os funcionários públicos este ano. Disse ele: “Estou andando tranquilo na Esplanada dos Ministérios porque nos últimos anos o funcionalismo recebeu bons aumentos, justos aumentos, merecidos. Estão todos com salários compatíveis com o setor privado. Alguns estão ganhando mais do que o setor privado. Portanto, eles têm como aguentar um tempo sem reajuste”.

Naturalmente, se os funcionários terão aumento ou reajuste, não é uma decisão que compete a Mantega, mas à presidenta Dilma Rousseff.

Portanto, é algo que não deixa de ser escândalo um ministro de Estado declarar – e como se fosse ele a decidir – que os funcionários federais devem ter seus salários reais diminuídos. Pois não se trata, nem mesmo, como no caso do salário mínimo, de não conceder aumento real (isto é, de conceder um reajuste que apenas repõe a inflação). O que Mantega disse foi que os servidores não terão qualquer reajuste, nem mesmo puramente nominal, ou seja, nem a inflação será reposta – portanto, seus salários reais seriam reduzidos em pelo menos 5,2% (a inflação de 2010) mais o índice de inflação até o próximo reajuste ou aumento.

INDEFENSÁVEL

O ministro já havia dito isso antes da posse da presidente. No dia 24 de novembro, no “Jornal Nacional”, da Globo, Mantega declarou que “além de cortar gastos que já existem, nós ainda temos que impedir que novos gastos sejam feitos. Nós vamos reduzir, não vamos aumentar, vamos reduzir. Diga-se de passagem, o funcionalismo está ganhando bem. Então é o momento de dar uma parada: no ano de 2011, nós não estamos prevendo aumento para o funcionalismo” (HP, 26/11/2010).

Quando se começa a defender o indefensável, isto é, medidas absurdas, reacionárias, antipopulares, em suma, quando se começa a defender que o couro dos outros, isto é, do povo, deve ser esfolado em prol de alguns nababos do mercado financeiro, é inevitável que se escorregue para o cinismo.

A maioria de nós lembra quando, em novembro de 2001, Fernando Henrique disse que “se a pessoa não consegue produzir, coitado, vai ser professor”, ou quando, em maio de 1998, disse que aposentados eram “vagabundos que se locupletam de um país de pobres e miseráveis”.

Ele, Fernando Henrique, pertencia às duas categorias – a dos professores e a dos aposentados. Mas, evidentemente, não ganhava o que seu governo pagava aos professores e aos aposentados...

Mantega, infelizmente, vai pelo mesmo caminho. Sobretudo quando se sabe que ele acabou de ser aumentado em 148,6%, o que fez com que os proventos que o povo lhe paga para ser ministro fossem de R$ 10,7 mil para R$ 26,6 mil. No entanto, em relação aos demais funcionários federais, ele acha que podem ter o seu salário real reduzido em mais de 5,2% porque “eles têm como aguentar um tempo sem reajuste”.

Mantega não acha que os funcionários “estão todos com salários compatíveis com o setor privado. Alguns estão ganhando mais do que o setor privado”. Não o temos por oligofrênico. E, se achasse, pior seria, pois somente significaria que o setor privado está pagando muito mal.

O ministro sabe que, apesar dos esforços do presidente Lula para recuperar o salário do funcionalismo depois de oito anos sem reajuste algum, um técnico em educação, dependendo de sua classificação funcional, tem um salário-base de R$ 1.034,59 a R$ 1.758,63; que há determinadas situações nos Ministérios da Saúde e da Previdência em que um médico pode ganhar de R$ 1.056,06 a R$ 2.784,64 – e, em outras, de R$ 1.497,01 a R$ 5.649,04; que o salário-base de engenheiros, arquitetos, economistas, estatísticos e geólogos vai de R$ 2.331,02 a R$ 3.892,50; que um engenheiro-agrônomo lotado no Poder Executivo ganha de R$ 3.219,87 a R$ 5.763,99; que um funcionário de nível médio do Executivo ganha de R$ 2.131,43 a R$ 2.906,11.

E, se o ministro não sabe, é porque não quer saber - pois bastaria consultar, como nós fizemos, a última edição (nº 55 – nov./2010) da Tabela de Remuneração dos Servidores Públicos Federais, publicada pelo Ministério do Planejamento, do qual, aliás, Mantega já foi titular.

Resta saber por que Mantega quer reduzir os salários reais dos funcionários públicos, ou seja, por que ele quer, a la Fernando Henrique, não dar qualquer reajuste a esses trabalhadores e profissionais.

É evidente a resposta: para fazer superávit primário, ou seja, para pagar juros aos bancos. Com os juros básicos na lua, e com Mantega chancelando esse gasto estéril, inútil, perdulário, o negócio é cortar os outros gastos, inclusive investimentos e inclusive – aliás, inconstitucionalmente – os salários.

CONCEPÇÃO

Naturalmente, os salários são gastos que o governo não pode, pela Constituição de 1988, cortar ou deixar de pagar. Então, cortam-se esses gastos reduzindo o salário real, isto é, não concedendo qualquer reajuste.

Esse é, aliás, o segredo mal escamoteado do “Estado mínimo” dos neoliberais tipo Fernando Henrique, Serra – e, agora, Mantega: não se trata de nenhuma concepção filosófica ou política. Meramente, é uma medida prática: quanto menos o Estado gastar com o povo, mais dinheiro sobrará para os bancos.

Seria ótimo que o ministro realmente passeasse bastante pela Esplanada dos Ministérios. Se o fizer, poderá, em breve, auscultar a voz do povo – a começar pelos funcionários públicos.
CARLOS LOPES

Nenhum comentário: