domingo, 20 de março de 2011

Caos nuclear no Japão: corrupção e incompetência da Tepco e da GE

Reatores afetados na usina Fukushima são do tipo Mark 1, da GE, notórios por erros de projeto. Em 2002, cúpula da Tokio Energy Power Co se demitiu após o escândalo da ocultação de 200 acidentes e 17 reatores foram fechados para revisão

A radiação na usina nuclear de Fukushima alcançou “níveis extremos”, afirmou o chefe da Comissão de Regulação Nuclear dos EUA, enquanto o Japão apelava até a despejo de água por helicóptero e água bombeada do mar na tentativa de deter o desastre. Quatro dos seis reatores estão gravemente atingidos, após seguidas explosões, e para o “New York Time” o desastre já é mais grave do que o da usina norte-americana de Three Mile Island, em 1979 – o segundo mais grave do mundo -, pela quantidade de radiação vazada.

A circunstância de o colapso dos reatores ter sido deflagrado pela falha no sistema de refrigeração de emergência do combustível nuclear, após o desligamento automático que se seguiu ao terremoto, devido a que os geradores estavam em local que o tsunami inundou, chamou a atenção sobre as responsabilidades da operadora da usina, a Tokio Energy Power Co (Tepco), e da GE, que projetou os reatores (modelo Mark 1, à água em ebulição) e inclusive fabricou a metade.

Desde a década de 1970, o modelo Mark 1 vem sendo denunciado por erros de concepção e fragilidade, tidos pela GE como o atrativo do projeto, por implicar em custos menores que o modelo à água pressurizada (como o de Angra). “O burro de carga” da indústria nuclear, gabava-se a GE na época, sobre seu modelo a ebulição. Os outros reatores de Fukushima foram fabricados pela Toshiba e pela Hitachi, mas sob o mesmo projeto obsoleto da GE, apesar dos remendos posteriores. Nos anos 1980, uma autoridade do órgão regulador dos EUA, Harold Denton, afirmou que os reatores Mark 1 tinham 90% de probabilidade de ruptura em caso de superaquecimento ou derretimento das barras de combustível em um acidente.

Já uma consulta à ficha corrida da Tokio Energy Power revela que em 2002 a cúpula da corporação japonesa teve de se demitir, após o escândalo da ocultação de mais de 200 acidentes, o que obrigou ao fechamento, para revisão, dos 17 reatores que tinha então. Apenas em 2005 a Tokio Energy conseguiu autorização para repô-los em operação. Em 2008, a corporação teve de confessar que, além dos 200 acidentes do escândalo de 2002, havia outros 3.372 relatórios fraudados e ocultações – ou, como classificou - “incidentes impróprios”, de acordo com a “Bloomberg”. Inclusive um caso de acidente crítico em 1978. Naturalmente as fraudes e falhas na segurança serviam para evitar despesas e manter lucros em alta, enquanto os japoneses pagavam uma das tarifas mais altas do planeta.

Ainda em 2008, sua usina nuclear de Kashiwazaki Kariwa teve de fechada, após terremoto, por estar subdimensionada para uma intensidade menor do que a do sismo, que chegou a 6,8. Note-se que o terremoto que arrasou Kobe em 1995 – treze anos antes – já havia atingido essa intensidade e, portanto, a usina não deveria estar dimensionada para uma resistência abaixo disso. Dos sete reatores do complexo Kashiwazaki, cinco continuam fechados até hoje.

As falhas verificadas no resfriamento em Fukushima tornam-se ainda mais graves quando se considera que um dos reatores – o número 3, cujo estado é considerado no momento o mais crítico -, passou a usar desde setembro de 2010 um composto de plutônio e urânio ainda mais tóxico, ao invés de urânio a baixo teor. Segundo as informações disponíveis, o vaso de confinamento do reator 3 provavelmente está rachado, o que se infere do vazamento constatado. Parte do prédio que abriga o reator explodiu no domingo à noite.

A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) admitiu que dois reatores (o número 1 e o número 2) haviam sofrido “derretimento parcial”, sendo que 70% das varetas de combustível teriam sido afetadas no primeiro, e 30% no outro. Na terça-feira, a Autoridade Francesa de Segurança Nuclear (ASN), advertiu que o reator 2 “não era mais hermético” – ou seja, sofrera dano no sistema primário de contenção. “É claro que estamos num [acidente de] nível 6”, afirmou o presidente André Claude Lacoste - o nível máximo é 7. Parte do prédio do reator 1 explodiu no sábado, expondo a piscina de armazenamento de combustível usado; no reator 2 o dano atingiu a piscina de supressão [o estágio secundário de resfriamento do núcleo] na terça à noite.

48 HORAS

“As próximas 48 horas serão decisivas”, advertiu Terry Charles, do Instituto de Segurança Nuclear e Proteção Radiológica da França, temendo outro Chernobyl. “Desde domingo, vimos que quase nada das soluções [tentadas] funcionou”. O secretário de Energia dos EUA, Steven Chu, disse em depoimento na Câmara dos EUA que ocorreu um “derretimento parcial” na usina japonesa. Ele também considerou “que os eventos no incidente do Japão realmente parecem ser mais sérios do que os de Three Mile Island”.

Por sua vez Gregory Jaczko, o presidente da CRN – o órgão que mantém em funcionamento nos EUA 23 usinas GE Mark 1 iguais a que explodiu no Japão -, apontou que a piscina de armazenamento do reator 4 já está sem água, sendo a causa da alta radiação. Também continuam sobre aquecidas as barras de combustível usado das piscinas dos reatores 5 e 6. A advertência de Jaczko foi rebatida pela Tepco, cujo porta-voz disse que “embora não pudesse entrar lá”, a corporação estava “observando cuidadosamente” e tudo estava “estável”.

Apesar dessa declaração, a Tepco anunciou que irá despejar ácido bórico – que funciona como retardador das reações – para evitar novos incêndios como o que já explodiu a cobertura do prédio do reator 4 e deixou a piscina de armazenamento em contato direto com a atmosfera. Também foram enviados 11 caminhões-brucutu da polícia de Tóquio, com canhões lança água, para ajudar a jogar líquido por buracos abertos nas paredes desse reator. A Coreia do Sul já prometeu ao governo japonês ceder 53 toneladas de ácido bórico, praticamente todo seu estoque disponível, com exceção do indispensável ao consumo interno.
ANTONIO PIMENTA

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