sábado, 5 de fevereiro de 2011

O real objetivo do aumento da taxa básica de juros pelo BC

Elevar Selic não reduz especulação com commodities

O empresário Benjamin Steinbruch, primeiro vice-presidente da Fiesp, fez na terça-feira algumas observações interessantes. Diz Steinbruch que “o país está, neste início de governo, envolvido por um discurso conservador que pode fazer muito mal aos brasileiros. Esse discurso dominante tem o poder de adicionar pessimismo e impulsionar decisões radicais que podem corroer o bom momento da economia. Se fosse dar ouvido a esse discurso durante a crise, o país teria recuado para uma posição defensiva e, seguramente, caminhado para um desastre”.

Em seguida, observa o empresário que “dez em cada dez analistas do mercado financeiro queriam que o Banco Central subisse os juros na primeira reunião do governo Dilma. E o BC fez isso. Depois, o mercado continuou e continua pedindo mais juros. Mas será que essas elevações são realmente indispensáveis? Será que os juros brasileiros, já altos demais - 6% ao ano em termos reais -, não estão na base do torturante problema cambial do país? O risco da predominância do discurso conservador é que ele pode levar a um desaquecimento indesejável da economia, com a volta de todos os problemas que o país enfrentou no passado recente”.

Segundo ele, as consequências já são visíveis – ou sensíveis: “A indústria já trabalha em ritmo mais lento em janeiro, o crédito já foi reduzido em todos os setores, do consignado ao de veículos. As taxas de juros no financiamento ao consumidor já deram um salto. O investimento público, inclusive em programas sociais, já sofreu uma freada. E o BNDES está sob pressão para emprestar menos. Essa avalanche radical-conservadora, se continuar, vai acabar por derrubar a confiança dos agentes econômicos. E já sabemos como é o fim desse filme: crescimento medíocre e desemprego”.

Realmente, há no país uma lastimável trupe de pigmeus mentais que tem medo de que o país cresça (eles mesmos jamais cresceram), ou acha que nós não temos direito a crescer (ora, como podemos crescer mais do que os EUA? Como se não tivéssemos crescido em geral mais do que os EUA durante quase 50 anos), ou borra-se de pavor quando percebe que temos de ser independentes para crescer.

Daí, aparecem ideias de dimensão correspondente: cortar gastos – inclusive investimentos – públicos, arrochar salários, aumentar juros, subsidiar as importações com um câmbio tão fantasioso quanto deletério, travar a indústria, vender as empresas para os americanos, e tudo o mais que já era velho no governo Campos Sales, encerrado sob pedradas no ano de 1902.

INFLAÇÃO

Por exemplo, a ata da 156ª reunião do Copom, que aumentou em 0,5 pontos a taxa básica de juros, parece redigida por algum cínico – ou por algum idiota perdido num mundo cheio de som e fúria.

Segundo o Copom, a questão é que a inflação está acima “do centro da meta”. Por isso, os juros, apesar de já serem o dobro da segunda mais alta taxa do mundo, precisavam ser ainda mais elevados.

Vamos admitir esse raciocínio do “centro” da meta, ainda que ele seja mais do que torto – pois transforma um artefato arbitrário (o “centro” da meta), que não é produto da realidade, num Moloch a que toda a realidade deve ser sacrificada.

O que puxou a inflação para 5,9% (o “centro” da meta é 4,5%) foram os preços dos alimentos, como está no Relatório de Inflação do próprio Banco Central. Na própria ata do Copom é dito: “O Índice de Preços de Alimentos, calculado pela FAO, atingiu novo recorde histórico em dezembro de 2010. Esse movimento foi impulsionado, entre outros, pela elevação dos preços internacionais do açúcar, de cereais e de óleos vegetais. (…) Os preços internacionais das commodities registraram fortes elevações nos últimos meses de 2010, em alguns casos ultrapassando as máximas atingidas em 2008 (…) potencializados pela atuação de investidores nos mercados financeiros”.

Portanto, o próprio Copom e o Banco Central admitem que, se a inflação está acima do místico “centro” da meta, o problema não está no Brasil, mas na especulação externa, internacional, com a alta dos preços das chamadas commodities, sobretudo as da área da alimentação.

Aliás, é exatamente por isso que o Banco Central elaborou um índice, o Índice de Commodities Brasil (IC-Br) – explicitamente para distinguir no índice oficial de inflação, o IPCA, o que nele é influência “da dinâmica dos preços das commodities nos mercados internacionais” (BC, Relatório de Inflação, dez./2010, pág. 59).

Nos últimos quatro anos, as variações anuais do IC-Br foram as seguintes: +6,2% (2006); +7,4% (2007); -4,4% (2008); +6,4% (2009); +35,4% (2010).

Houve um salto cavalar nos preços das commodities, sobretudo das agrícolas, em 2010. A causa – e seus vários mecanismos – são extensamente descritos no último relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD): “Como as mercadorias [commodities] primárias são cada vez mais vistas como ativos financeiros alternativos, o capital de curto prazo também se moveu mais profundamente para os mercados de commodities, aumentando o risco de mais alta volatilidade nos preços das mercadorias e a insegurança econômica de muitos países em desenvolvimento” (UNCTAD, “World Economic Situation and Prospects 2011”, jan./2011, pág. 2).

A UNCTAD chama esse processo, puramente especulativo, de “financialização” (“financialization”) dos mercados de commodities, que, como consequência, apresentam “sobre os preços, no mais alto grau, a influência dos investimentos especulativos nos mercados futuros de commodities” (UNCTAD, rel. cit., pág. 49). Essa especulação está centralizada em duas bolsas: a de Chicago (soja, milho, trigo, arroz, carnes) e a de Nova Iorque (açúcar, algodão, cacau, café, suco de laranja).
Então, que influência podem ter aumentos de juros no Brasil sobre essa máfia financeira que especula com commodities?

Nenhuma.

Logo, o aumento de juros do Copom nada teve a ver com a inflação. Aliás, o próprio BC, em seu Relatório de Inflação, faz uma observação ainda mais clara: a inflação, a partir do segundo semestre de 2010, apresentou “trajetória consistente com a elevação, no mercado internacional, das cotações das principais commodities agrícolas e metálicas. (…) Os exercícios também sugerem que o processo de repasse [da alta externa das commodities para a inflação interna] se esgota por volta do quinto mês” (BC, Relatório de Inflação, págs. 60/61).

Certamente, o esgotamento desse “repasse” não significa, necessariamente, a volta ao patamar anterior. Mas, além de bolhas especulativas estourarem com frequência quase tediosa (preço que sobe pela especulação, inevitavelmente, cai pela especulação), também nisso a taxa Selic não tem a menor importância.

Portanto, o aumento de juros só tem uma função, além de fazer quem especula com a dívida pública – os bancos – se apropriarem de uma parcela ainda maior dos recursos da população: frear o crescimento. No limite (ou, como dizem certos economistas, “na margem”) chegar ao glorioso objetivo sintetizado pelo empresário Steinbruch: “crescimento medíocre e desemprego”.

CARLOS LOPES

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