terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Ata do Copom diz que emprego
e salário são riscos inflacionários

Até a chuva é motivo para aumentar os juros

A ata da última reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), que elevou os juros básicos em 0,5 ponto percentual, pode servir para tudo, exceto para explicar porque o Copom aumentou a taxa de juros.

Lá pelas tantas até as chuvas, ou melhor, “o potencial impacto negativo decorrente das condições climáticas” é sacado como motivo para elevar os juros. Não se trata, leitor, de qualquer impacto real do clima sobre a economia, mas de um “potencial” impacto. Como é que o Copom pode avaliar um impacto que não existe (caso contrário não seria “potencial”) na inflação é algo mais misterioso do que o elemento 115 (ou será 118?), que, segundo os ufólogos, seria o segredo da propulsão dos discos voadores.

Mas o Copom esclarece que considerou esse “potencial” impacto, “a despeito de atribuir probabilidade significativa à hipótese de que, ao menos em parte, esse processo seja revertido no decorrer do ano”. Logo, agora sim, estamos todos satisfeitos: um dos motivos do aumento de juros foi um processo que não existe, mas que “por hipótese”, com “probabilidade significativa”, será revertido...

Não foi por má vontade que começamos por essa pérola: toda a ata do Copom é um verdadeiro colar desse tipo de preciosidade. A qualquer detentor de um cargo público, exige-se alguma seriedade. Exceto quando são os diretores do Banco Central que formam o Copom.

Vejamos o seguinte trecho da ata: “O Comitê avalia como relevantes os riscos derivados da persistência do descompasso entre as taxas de crescimento da oferta e da demanda. Note-se, também, a estreita margem de ociosidade dos fatores de produção, especialmente, de mão de obra. Em tais circunstâncias, um risco importante reside na possibilidade de concessão de aumentos nominais de salários incompatíveis com o crescimento da produtividade”.

O emprego e o aumento dos salários são um risco inflacionário – e, portanto, o aumento de juros deve ser para acabar com essa esbórnia de emprego demais e salário demais, com esses estroinas (isto é, os trabalhadores) nadando em dinheiro e consumindo excessivamente.

O membros do Copom teriam que demonstrar esse “descompasso entre a oferta e a demanda” pelo lado desta última (isto é, os salários estariam crescendo mais do que a capacidade de produzir bens). Mas não o fazem, porque sabem que não é verdade.

Desde o terceiro trimestre de 2009 - como acontecia até 2008 - os investimentos (isto é, o lado da oferta, a ampliação da capacidade de produzir) estão crescendo mais do que o consumo. E só não cresceram ainda mais devido ao arrocho monetário estabelecido pelo Banco Central em abril de 2010: “o consumo das famílias evoluiu de acordo com as seguintes taxas [trimestrais]: 2,5%, 1,9%, 1,4% e 0,8%, nessa ordem; e os investimentos: 7,7%, 7,1%, 7,3% e 2,4%, respectivamente” (cf. IEDI, “Os descompassos pró e contra da economia brasileira”, set./2010).

Não temos ainda os dados do último trimestre do ano passado, mas, se houve algum problema, foi, exclusivamente, pela ação do BC, como se pode ver pela queda no aumento dos investimentos no terceiro trimestre (+2,4% contra +7,3% no trimestre anterior)

Vejamos, então, o lado da demanda (isto é, da procura por mercadorias).

Segundo o IBGE, a massa de rendimento real dos empregados aumentou 7,5% em 2010 – mas isso é uma comparação com 2009, isto é, com um ano medíocre em termos de ganhos reais. Em São Paulo, principal Estado industrial, e onde acontecem 40% das vendas do país, esse aumento da massa de rendimento real foi de apenas 3,3%.

Se usarmos como critério o rendimento médio mensal do trabalho, a situação é ainda menos esplendorosa: ele aumentou, nacionalmente, 3,8% em 2010; mas em São Paulo, que concentra o maior número de trabalhadores, o aumento foi de apenas 0,4% - isto é, quase não houve aumento.

Quanto ao emprego, é verdade que os trabalhadores com carteira assinada aumentaram 6,8% em 2010. Ao mesmo tempo, os trabalhadores sem carteira assinada diminuíram -1,7%. Mas, esses números correspondem a um aumento geral do emprego de apenas 3,5% - em São Paulo, somente +2,8%.

E, ressaltamos outra vez, tudo isso são comparações com um ano especialmente infeliz – 2009.

Pelo lado da oferta, “na comparação com dezembro de 2008, (…) a recuperação [da produção industrial] até novembro de 2010 foi de 24,1%”. Portanto, uma recuperação bem maior do que a do consumo. Mas é verdade que, se usarmos o mês imediatamente anterior como referência, “a produção industrial registrou recuo de -0,1% em novembro de 2010, após o crescimento de 0,3% em outubro, (…) e redução (-0,8%) entre abril e novembro” (BC, “Ata da 156ª reunião do Copom”).

IMPORTAÇÕES

No entanto, a que se deve esse comportamento da indústria? Basicamente à invasão de importações, que tomam uma parte cada vez maior do mercado interno - invasão promovida, exatamente, pelos juros do BC, ao atraírem os dólares da guerra cambial dos EUA para dentro do país, fazendo com que os importados fiquem mais baratos em relação à produção interna. O Banco Central, portanto, está alegando a sua própria torpeza – isto é, o resultado do seu dumping cambial - como prova de um suposto descompasso entre oferta e demanda.

Como o BC reconhece, a indústria ainda não voltou ao patamar de crescimento de 2008, antes que eclodisse a crise nos EUA. Por isso mesmo, a solução para possíveis problemas entre oferta e demanda não pode ser a de matar (ou, pelo menos, paralisar) as duas com aumentos de juros, hipervalorizando ainda mais o real, ou seja, aumentando o subsídio às importações. É evidente que se houver algum problema – e não foi provado que já exista algum, pelo contrário – a solução terá que ser, necessariamente, o aumento dos investimentos (isto é, a ampliação da capacidade produtiva).

O que significa dizer que a capacidade ocupada é 83% ou 85%? Depende dos investimentos. Os chineses, por exemplo, não se importam com números semelhantes porque sabem que, com uma taxa de investimento de 46% do PIB, a tendência é diminuir a parcela da capacidade ocupada na produção em relação à capacidade produtiva total.

Apesar da nossa taxa de investimento (que mal atinge 19% do PIB) ser muito menor do que a da China, foi exatamente isso o que aconteceu no Brasil até o terceiro trimestre de 2010: percentualmente, a capacidade ocupada se reduziu porque a capacidade produtiva total aumentou.

O problema é que o aumento de investimentos se deu, cada vez mais, pela importação de máquinas e equipamentos, inclusive máquinas usadas. Mas isso o BC não acha que é um problema. No entanto, é um problema.

Mais falso ainda é o quadro quando a suposta “estreita margem de ociosidade dos fatores de produção” refere-se à “mão de obra”. Segundo o IBGE, o desemprego está em apenas 5,3% da população economicamente ativa (PEA). Porém, entre os que são considerados “ocupados” estão milhões de subempregados e “trabalhadores por conta própria” (isto é, biscateiros, camelôs, etc.), e fora da PEA estão outros milhões, que não são considerados “economicamente ativos” - a começar por boa parte das mulheres, que, com uma companheira na Presidência, certamente não ficarão conformadas com essa exclusão.

Então, perguntará o leitor, se nem para conter as importações e segurar as contas externas o aumento de juros, pelo menos a curto prazo, parece servir, porque o Copom os aumentou, se eles já eram o dobro da segunda taxa do mundo? Bem, leitor, eles subiram os juros porque queriam subir os juros – no frio ou no calor, na expansão ou na recessão, na saúde ou na doença, juros altos é sempre a solução do Copom. Sobretudo quando o ministro Mantega despeja a sua pregação anti-crescimento.

CARLOS LOPES

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