sábado, 30 de julho de 2011

Mantega anuncia medidas que não enfrentam câmbio predatório

“O problema do câmbio, a hipervalorização artificial do real, que encarece os produtos internos e barateia as importações, destruindo a indústria com esse dumping cambial às mercadorias externas, é uma consequência dos juros inteiramente absurdos estabelecidos pelo Banco Central”
CARLOS LOPES

A consideração mais original no anúncio das novas medidas econômicas, na quarta-feira, foi a do ministro Mantega sobre suas medidas anteriores: “se não tivéssemos tomado todas essas medidas, o câmbio estaria sabe-se lá aonde”. Todos pensavam que as novas medidas eram porque o câmbio está sabe-se lá aonde... Mas, não deve ser, porque elas resolvem tanto o problema quanto as outras.

Um dia após o relatório sobre o setor externo do Banco Central (BC) revelar que em junho o capital estrangeiro que entrou (US$ 5,314 bilhões) foi inferior, em mais de US$ 2,5 bilhões, às remessas para o exterior (US$ 7,838 bilhões), mostrando o risco de depender do dinheiro externo para fechar as contas do país, o sr. Mantega estabeleceu uma taxação de fancaria no mercado futuro de dólar.

Em resumo: quem estiver apostando mais na queda do que na alta do dólar terá a diferença entre o dinheiro aplicado numa e noutra aposta taxado em “até 25%” - o que quer dizer apenas 1%, pois a assim é a matemática da Fazenda: uma taxação de 25%, na prática, é 1%.

O problema verdadeiro, os juros que atraem ondas e ondas de dólares, hipervalorizando o real e tornando o câmbio um cadafalso para a economia nacional, continuou intocado.

Quanto à ameaça de chegar a 25% de taxação sobre as apostas dos bancos, se Mantega tivesse essa coragem já teria resolvido o problema, baixando os juros e acabando com esse regime cambial (nisso o professor Delfim está certo: o câmbio é um preço da economia nacional - e a nação deve estabelecê-lo, dentro de certos limites, de acordo com seus interesses, como, aliás, faz qualquer comerciante, já que a mercadoria é sua, assim como a mercadoria do mercado de câmbio, a moeda, é nossa).

No mesmo dia, propalou-se que teria havido uma espetacular alta do dólar - de R$ 1,5345 para R$ 1,5639. Como dizia uma personagem de comédia: “francamente!?”.

O economista Júlio Gomes de Almeida, professor da Unicamp e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, resumiu, com um travo castiço, a situação depois do anúncio de Mantega: “Não há viv’alma que não ache que a moeda vai se valorizar”.

O problema do câmbio, a hipervalorização artificial do real, que encarece os produtos internos e barateia as importações, destruindo a indústria com esse dumping cambial às mercadorias externas, é uma consequência dos juros inteiramente absurdos estabelecidos pelo BC.

Bancos e demais especuladores estrangeiros invadem o país com vagões e vagões de dólares (hoje virtuais, tanto os vagões quanto os dólares), que obtiveram devido às superemissões dos EUA, para ganharem cornucópias & cornucópias monstruosas de dinheiro com esses juros.

Exemplificando: a taxa real dos juros básicos nos EUA está em -3,2% (menos 3,2%) ao ano. Com isso, em junho, as taxas de juros para empréstimos variaram entre -0,8% (menos 0,8%) e 0% (zero) ao ano, segundo o “The Wall Street Journal” do último dia 22.

Um especulador (um banco, em geral) toma emprestado a 0% ou menos nos EUA e entra no Brasil com o dinheiro, comprando títulos do Tesouro que rendem juros pela taxa do BC, que está em 12,5% nominais ao ano (ou 6,8% reais, descontada a inflação projetada para os próximos 12 meses).

No momento, o país já está invadido por US$ 612 bilhões – o estoque atual de capital estrangeiro especulativo – que ganham com o tremendo diferencial de juros em relação aos países centrais e ainda ganham com o câmbio, ao reconverter o dinheiro em dólares.

No entanto, esses US$ 612 bilhões não são aplicados apenas em títulos que rendem os juros do BC. Eles não ganham apenas auferindo os juros básicos. Se fosse assim, já seria um saque descomunal, que deixaria o falecido Tamerlão com a estatura de um trombadinha. Mas é pior: esse dinheiro especula com um sem número de papéis, com um retorno médio calculado em 16,5% ao ano pela corretora japonesa Nomura Securities – mas isso foi antes dos últimos três aumentos de juros.

Assim, com essa invasão de dólares inevitavelmente atraída por esses juros, não há câmbio que resista, pois não há como evitar que o real seja mais e mais hipervalorizado, enquanto a cotação do dólar cai – e só um capadócio chamaria isso de “câmbio flutuante”.

Provavelmente, o leitor sabe disso tudo. Porém, Mantega inventou uma nova teoria: segundo ele, o problema do câmbio é o mercado futuro de dólar, aquele cassino onde se aposta na alta ou na queda do dólar em relação ao real.

Que ele tenha usado, ainda que obliquamente, o perigoso resultado das contas externas de junho para tentar mostrar que o problema não são os juros nem a invasão de dólares, somente demonstra que a adesão ao mundo dos estupidamente ricos, apesar das suas vantagens, traz consequências sérias para a saúde mental das pessoas.

O nó reside, precisamente, em que a política de Mantega é atrair dólares, inclusive dólares especulativos. Caso contrário, não consegue cobrir o rombo nas contas externas causado por essa própria política, ao desnacionalizar irresponsavelmente a economia. Ao declarar que prefere o “investimento direto” do que o dinheiro especulativo estrangeiro, apenas confessa a sua irresponsabilidade.

Com o aumento nas remessas para o exterior e nas importações, ambos provocados pela desnacionalização, e postulando ainda mais desnacionalização, não há como dispensar o dinheiro especulativo para fechar as contas. De janeiro a novembro de 2010, o país somente cobriu esse rombo com a entrada de capital especulativo (cf. BC, “Relatório do Setor Externo”, Quadro XXV, Saldo de transações correntes e necessidade de financiamento externo, julho/2011).

A situação não melhorou neste ano. Apenas, o capital especulativo passou a ser registrado como “investimento direto”. Assim, não aparece na tabela do BC como “financiamento externo”.

A consequência imediata é que Mantega não quer tomar decisões que toquem no problema do câmbio, pois sua política implica em acirrar o fator que explode o câmbio – a entrada de capital especulativo, atraído pelos juros altos.

Naturalmente, como a aventura da dupla Franco/FHC demonstrou, os especuladores não são filantropos. Não entram aqui porque o sr. Mantega está precisando cobrir o rombo que causou com a desnacionalização da economia. E, sobretudo, não deixam de sair por causa disso.

Assim, na medida em que os problemas cambiais não são resolvidos, em que se aumenta o rombo nas contas externas e se atraem dólares com juros altos, a economia fica mais vulnerável. Essa é a escalada em direção ao abismo – vamos ser claros – que é preciso frear.

O resultado de junho é, ainda, uma oscilação – mas uma oscilação significativa. Somente este ano, a entrada líquida total de capital estrangeiro foi de US$ 70,922 bilhões, com US$ 612 bilhões de estoque de capital estrangeiro especulativo. As reservas estão em US$ 343 bilhões. Nem que elas fossem nossas – e não são, pois são compostas pelos dólares dos especuladores trocados por reais, sem base no saldo comercial – esse montante conseguiria cobrir uma fuga em massa de dinheiro estrangeiro, se os bancos externos sentissem qualquer perigo para eles na situação do país. Nunca, aliás, aconteceu uma situação onde fluxos de capitais (ou de dinheiro) para países periféricos não fossem, em algum momento, revertidos – isto é, se tornassem fluxos para os países centrais.

Quanto ao mercado futuro, é mais jogo do que economia, sem as desvantagens que a Delegacia de Costumes impõe aos praticantes dessa atividade ilegal. A questão, na verdade, é: por que os jogadores estão apostando mais na queda do dólar (isto é, na hipervalorização do real) do que em sua alta? Porque querem ganhar dinheiro.

Com essas taxas de juros e sem nenhum controle cambial, sem nenhum controle do governo sobre o movimento de dinheiro ou de capitais, eles sabem perfeitamente que a invasão predatória de dólares continuará, e cada vez pior - pois, em apenas seis meses, o BC conseguiu aumentar a taxa real dos juros básicos de 4,8% para 6,8%.

Certamente, depois de apostar, eles pressionam para que o dólar caia. Assim são os jogadores, ainda mais os que jogam a economia do país na mesa verde. Porém, basta baixar os juros que, rapidamente, eles vão se livrar das apostas antigas em cima do primeiro pato que aparecer (por alguma razão, sempre há vários) e fazer apostas noutra direção.

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