Aumento real do salário mínimo é decisivo para o crescimento
O que as centrais sindicais acertaram com o governo foi a recuperação e não o achatamento
A discussão sobre o novo salário mínimo é daquelas que expõem, com clareza, quais são os projetos que cada posição tem para o Brasil. O que, aliás, não é uma novidade em se tratando da luta em torno da definição do salário mínimo.
O acordo firmado pelo então presidente Lula com as centrais sindicais, em 2007, é claro: trata-se de recuperar o valor do salário mínimo até o ano 2023. Recuperar o salário mínimo é restituir o seu poder aquisitivo inicial, expresso na Constituição de 1988 nos seguintes termos:
“Art. 7º - IV - salário mínimo fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, reajustado periodicamente, de modo a preservar o poder aquisitivo, vedada sua vinculação para qualquer fim”.
Por isso, não tem razão o ministro Mantega quando diz que “o valor [de R$ 540] representa o cumprimento de política salarial acertada com os trabalhadores”. O que os trabalhadores “acertaram” com o governo foi uma política de recuperação (ou seja, de aumento real) do mínimo até o ano 2023. As centrais sindicais nunca acertaram com o governo, até porque não são compostas por malucos, que haveria anos sem aumento real do salário mínimo (ou seja, que esse salário não fosse recuperado), nem muito menos - como seria um mínimo de R$ 540 - a perda de seu valor real, pois um reajuste de R$ 30 não chega a repor a inflação medida pelo índice acordado, o INPC.
Seria original (ou cínica, dependendo da propensão diplomática do observador) uma política de recuperação do salário mínimo com 0% de aumento real. Porém, R$ 540 (isto é, 5,88% de reajuste) não chega a igualar a inflação medida pelo INPC, que foi 6,47%. Portanto, se o salário mínimo fosse R$ 540, haveria uma perda real de -0,55% (menos 0,55%), em completa contradição com toda a política dos últimos anos.
Em dezembro de 2002, no final do governo Fernando Henrique, o salário mínimo, em poder aquisitivo, era 6,9 vezes menor do que aquele que foi instituído pelo presidente Getúlio – cuja definição, depois, a Constituição incorporou. Em janeiro de 2009, com os sucessivos aumentos reais concedidos pelo governo Lula, ele passou a ser 3,9 vezes menor. Ou seja, houve uma recuperação sensível do mínimo.
Mais concretamente, houve aumento real do salário mínimo em 2003 (+1,23%), 2004 (+1,19%), 2005 (+8,23%), 2006 (+13,04%), 2007 (+5,10%), 2008 (+4,03%), 2009 (+5,79%) e 2010 (+6,02%).
O que a “Veja”, a “Globo”, outros serristas, cripto-serristas ou filo-serristas, e, infelizmente, o ministro Mantega estão defendendo – nenhum aumento real, com um reajuste que não repõe nem a inflação – é que o novo salário mínimo passe a ser 4,1 vezes menor do que aquele necessário, com um valor real 0,55% a menos do que o anterior. Isto é, que se passe de uma política de recuperação do salário mínimo para uma política de achatamento do salário mínimo.
O argumento de que um salário mínimo de R$ 580 estouraria as contas da Previdência já foi demonstrado como fraudulento (ver além dos estudos da ANFIP, entre outros trabalhos). No entanto, o ministro Mantega continua repetindo que “um reajuste acima desse patamar [de R$ 540] pressiona os gastos da Previdência, causa deterioração das contas públicas e dificulta o resultado fiscal que pretendemos”.
A única coisa verdadeira nisso é a última parte. Quanto às contas públicas, o ministro sabe que não chegaria a 1% o impacto do aumento para R$ 580, o que seria recuperado pelo aumento da arrecadação, porque são muito poucos os funcionários federais e estaduais que recebem salário mínimo (respectivamente 0,05% e 3,37% dos servidores), e, mesmo os municipais, apenas 7,54% dos funcionários recebem até um salário mínimo.
O problema, portanto, é o “resultado fiscal” que o ministro pretende, isto é, o famigerado ajuste fiscal, aquilo que um pseudo-economista chamado José Serra pregou na campanha eleitoral: “cortando gastos será possível reduzir juros, carga tributária e aumentar investimentos” (entrevista de Serra à Miriam Leitão, em junho passado, na Globonews).
Se o povo quisesse isso, teria votado em Serra. Mas não votou. No entanto, o ministro Mantega está repetindo, ipsis litteris, a pregação de Serra, como se quisesse levar à prática o programa que foi derrotado nas eleições – um programa que só não pode ser chamado de esquizofrênico porque seria um desrespeito aos esquizofrênicos, pois é uma fraude: significaria que o governo, para aumentar seus gastos, teria de diminuir seus gastos (e reduzir seu dinheiro, isto é, a arrecadação)...
Nenhum país do mundo precisou fazer um arrocho fiscal para reduzir juros – e todos reduziram os juros desde o último semestre de 2008. Só o Brasil permaneceu com essa aberração financeira.
Pelo contrário, a única forma de baixar os gastos estéreis do governo para ter mais dinheiro para investimentos é reduzir os juros.
Mas o ministro Mantega acha que a solução é diminuir os salários reais dos trabalhadores. Acha isso mais fácil do que tocar nos problemas reais – os juros, a invasão de dólares desvalorizados, o importacionismo a que levou a desnacionalização da cadeia produtiva, etc. Realmente, é preciso ter coragem para tocar nessas coisas – mas, como bem sabe nossa presidente, é preciso coragem para viver.
No entanto, recuperar o imenso achatamento do mínimo, que chegou ao ponto extremo no governo Fernando Henrique, não é apenas uma questão de justiça para com quem recebe o mínimo.
O que possibilitou o sucesso da política de crescimento do governo Lula foi, precisamente, o aumento de renda do povo, cuja maior contribuição foi dada pela recuperação do salário mínimo, que deixou de ser a sétima parte do que é necessário para ser menos do que a quarta parte – e isso foi possível com um aumento real de 53% em oito anos (o leitor que tiver alguma dificuldade com esses números – o que é natural – deve observar que o aumento de 53% foi em relação ao salário do último ano do governo tucano, enquanto que a recuperação, aproximadamente, de 1/7 para 1/4 foi em relação à meta a ser alcançada em 2023, ou seja, no primeiro o referencial é o passado e no segundo o referencial é o futuro).
O fato é que toda política de afundar o país sempre teve entre os seus quesitos de maior destaque o amesquinhamento do salário mínimo. Para os advogados da parasitagem financeira, o salário mínimo, em princípio, tem que ser o menor possível – se deixar de existir, como já defenderam alguns deles, melhor. Eles não ganham dinheiro produzindo ou vendendo nada de útil, mas com juros. Portanto, para eles, compradores ou consumidores só servem para desviar dinheiro da especulação para a produção...
Exatamente por isso, outra é a situação das empresas nacionais produtivas. Quanto mais baixo o nível de renda da população, pior para suas vendas. Explorar uma faixa estreita da população é coisa de multinacional – o que não as livra da estagnação e da crise depois de certo tempo.
Hoje, com a crise externa e a consequente necessidade de ancorar-se no mercado interno, não há como manter o crescimento (e, obviamente, não há como erradicar a miséria) sem distribuição de renda, isto é, com rebaixamento de salários. E, na nossa economia, a principal forma de distribuição de renda é o aumento real do salário mínimo.
CARLOS LOPES
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