sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

EUA agiu para evitar acesso do Brasil à tecnologia de foguetes
WikiLeaks divulgou os telegramas da ingerência

O governo dos Estados Unidos pressionou autoridades ucranianas para emperrar o desenvolvimento do projeto conjunto “Brasil-Ucrânia” de implantação da plataforma de lançamento dos foguetes Cyclone-4 - de fabricação ucraniana - em Alcântara, no Maranhão. A sabotagem americana contra o Brasil veio a público através da divulgação de telegramas diplomáticos pelo site WikiLeaks.

Comunicação feita em 2009 entre a embaixada dos EUA e a Casa Branca deixa claro o objetivo de Washington de impedir a todo custo que o Brasil tenha acesso a qualquer desenvolvimento tecnológico no setor aeroespacial.

O telegrama do diplomata americano no Brasil, Clifford Sobel, enviado aos EUA em fevereiro daquele ano, relata que os representantes ucranianos, através de sua embaixada no Brasil, fizeram gestões para que o governo americano revisse a posição de boicote ao uso de Alcântara para o lançamento de qualquer satélite fabricado nos EUA. A resposta americana foi clara. A missão em Brasília deveria comunicar ao embaixador ucraniano, Volodymyr Lakomov, que os EUA “não quer” nenhuma transferência de tecnologia espacial para o Brasil.

“Queremos lembrar às autoridades ucranianas que os EUA não se opõem ao estabelecimento de uma plataforma de lançamentos em Alcântara, contanto que tal atividade não resulte na transferência de tecnologias de foguetes ao Brasil”, diz um trecho do telegrama.

Em outra parte do documento, o representante americano é ainda mais explícito com Lokomov: “Embora os EUA estejam preparados para apoiar o projeto conjunto ucraniano-brasileiro, uma vez que o TSA (acordo de salvaguardas Brasil-EUA) entre em vigor, não apoiamos o programa nativo dos veículos de lançamento espacial do Brasil”. (Referência ao Programa VLS1 e VLS2, aos quais falaremos adiante)

Antes disso, algumas informações sobre as “salvaguardas” dos americanos. O TSA, assinado por Fernando Henrique Cardoso com o governo dos EUA, em abril de 2000, foi amplamente rejeitado pelo Senado Federal que o derrubou por considerá-lo uma “afronta à Soberania Nacional”. Pelo documento, o Brasil cederia áreas de Alcântara para uso exclusivo dos EUA sem permitir nenhum acesso de brasileiros. Além da ocupação da área e da proibição de qualquer engenheiro ou técnico brasileiro na áreas de lançamento, o tratado previa inspeções americanas à base sem aviso prévio.

PROIBIÇÃO

Com a rejeição, o governo americano, responsável pela fabricação de 40% de todos os satélites produzidos no mundo, decidiu proibir que satélites fabricados em seu território, ou por empresas americanas localizadas em outros países, fossem lançados por foguetes partidos da Base de Alcântara, no Maranhão.

Essas “pressões secretas” dos EUA contra o Brasil, tornadas públicos agora, explicam em parte as dificuldades encontradas durante todos esses anos para a implantação do Programa Cyclone 4. A criação da empresa binacional (Brasil-Ucrânia) “Alcântara Cyclone Space” (ACS), que será a responsável pela construção e gestão da plataforma de lançamento, foi decidida pelo Decreto nº 5.436 de abril de 2005, mas ONGs estrangeiras e outras “entidades” levantaram todo o tipo de obstáculos à sua implantação. Foram meses de luta judicial e argumentos contra os “ataques” - de origem agora mais clara – contra o projeto.

A implantação efetiva da empresa binacional só avançou mesmo em 2010. Em setembro do ano passado a ACS lançou a pedra fundamental da construção da plataforma. Os investimentos dos dois países para a constituição da empresa e a construção da plataforma giram em torno de 500 milhões de reais.

A concorrida solenidade contou com a presença, entre outros, do então ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, e dos diretores gerais da ACS, Roberto Amaral, pelo Brasil e Oleksandr Serdyuk, pela Ucrânia.

Além de dividir com os parceiros da Ucrânia o valor cobrado pelo lançamento dos satélites, o Brasil receberá o aluguel pela cessão de uso de área do Centro de Alcântara (CLA) para o lançamento dos foguetes ucranianos. O valor aproximado do aluguel seria de US$ 750 mil por ano, o que representaria menos de 1% do valor cobrado pelo Cazaquistão (US$ 115 milhões) em sua base de Baikonur, onde os russos lançam seus foguetes e onde também lançava a Ucrânia.

RECURSOS

Segundo Roberto Amaral, o projeto vai gerar recursos para desenvolver ainda mais os programas do setor. “A região de Alcântara (Maranhão) é ideal para abrigar o centro de lançamento. Estamos a 2,2 graus e no litoral do Ceará a 3,8 graus ao sul do Equador (Kourou, na Guiana, onde se localiza o centro de lançamentos europeu, a segunda melhor colocação, está 5 graus ao Norte) o que confere, a qualquer objeto na superfície, uma velocidade tangencial elevada, ou seja, um impulso inicial muito favorável aos lançamentos equatoriais, como é o caso dos satélites de comunicação. Isso se traduz em aumento da capacidade de transporte dos lançadores, tornando-os mais competitivos em comparação com lançamentos em latitudes mais elevadas, isto é, mais distantes do equador”, explica.

Em relação às acusações de que o Brasil estaria desrespeitando normas internacionais que bloqueariam a transferência de tecnologia na fabricação de foguetes, Amaral rebate dizendo que “o objetivo do tratado entre Brasil e Ucrânia é comercial, e não a transferência de tecnologia”. “A razão estratégica da parceria Brasil-Ucrânia é ter um lançador e um centro de lançamento de onde se possa enviá-lo ao espaço sideral”, disse. “A razão principal nunca foi a transferência de tecnologia”, explica. “O projeto não dá ao Brasil autonomia tecnológica, mas nos dá aumento na soberania”, argumenta o diretor-geral da ACS.

Roberto Amaral falou dos esforços que o Brasil vem enfrentando para atingir seus objetivos no domínio da tecnologia espacial. Na opinião do diretor da ACS, apesar de todas as pressões e dificuldades, “o Brasil não está disposto a abrir mão do domínio da tecnologia de lançamento de foguetes”. O Brasil desenvolve, paralelamente ao Cyclone 4, os programas VLS1 e VLS2 para a fabricação dos “Veículos Lançadores de Satélites” nacionais, os VLS. “Obviamente”, diz ele, com a convivência “ocorrerão naturais absorções de tecnologia, devido à necessidade de trabalho conjunto entre brasileiros e ucranianos”.

Ele argumentou que, com o projeto Cyclone 4, o Brasil pode sim acelerar seu processo de desenvolvimento tecnológico. O acordo do Brasil com a Ucrânia prevê ainda que a documentação referente aos foguetes e à plataforma de lançamento pertence à empresa binacional. Todos os técnicos brasileiros poderão ter acesso a todas as áreas da empresa e a ACS poderá também, pelo acordo de cooperação assinado entre os dois países, desenvolver conjuntamente novos projetos, como, por exemplo, a fabricação do Cyclone-5.
SÉRGIO CRUZ

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