quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Para Mantega, “eficiência” é travar o país com cortes

De acordo com ele, é necessário arrochar geral a economia para criar condições dos juros caírem

Há alguns anos, houve quem advogasse que a melhor política econômica era o charlatanismo econômico. Chamou-se a isso neoliberalismo, com expoentes como Fernando Henrique, José Serra e outros luminares que quase tornam o país uma terra devastada.

No entanto, política econômica e charlatanismo econômico, exceto para tucanos e assemelhados, não são a mesma coisa. Infelizmente, mesmo depois de três eleições, mesmo depois que Dilma rejeitou explicita e publicamente sugestões de “ajuste fiscal” dos neoliberais, o ministro Mantega não percebeu a diferença entre uma coisa e outra.

É o que se pode apreender de sua performance na recente reunião ministerial e pela apresentação “powerpoint” que exibiu aos colegas.

Mantega iniciou sua intervenção com grandes elogios ao governo Lula, que “colocou o Brasil na rota do desenvolvimento sustentável”. Naturalmente, dizer que o país está “na rota” é dizer que ainda não o atingimos - o que é verdade, por isso, deve ser um elogio.

Mas, disse Mantega, “o governo Dilma vai consolidar o desenvolvimento e colocá-lo em patamares mais elevados”. Excelente. Isso mesmo. Continuemos, então.

Mantega repisou, com razão, que Lula conseguiu nos colocar “na rota do desenvolvimento sustentável”, fazendo o seguinte: 1) aumentando os gastos e investimentos do Estado; 2) aumentando os subsídios e as desonerações; 3) elevando os gastos de custeio; 4) reforçando o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).

Com isso, o país saiu da mediocridade de 2,6% de crescimento ao ano do governo Fernando Henrique para chegar a 4%, criando 15 milhões de empregos, elevando a massa de rendimento real em 9,6% no último ano, fazendo a demanda interna crescer 10% ao ano, passando 7 milhões de brasileiros da “classe C” para as “classes A e B” e 29 milhões da “classe E” em “classe C”. Para isso, o governo Lula fez investimentos (União + estatais) de R$ 122 bilhões (5,1% do PIB) no último ano.

Já para o governo Dilma, diz Mantega que está propondo:

1) que a média de crescimento anual passe de 4% para 5,9% - mas com uma queda, em 2011, de 7,5% para 5%; 2) que mais 11 milhões de brasileiros passem da classe C para as classes A/B até 2014; 3) que mais 6 milhões da classe E passem para a classe C; 4) que a taxa de investimento (formação bruta de capital fixo/PIB), isto é, a compra de máquinas e equipamentos para ampliação da capacidade produtiva, passe dos atuais 19% para 24% do PIB em 2014 – ou seja, atinja o mesmo nível do II PND, no governo Geisel, quando foi construído todo um setor nacional de bens de capital (posteriormente, em boa parte, destruído ou desnacionalizado por FH & sócios).

Porém, como o ministro diz que vai chegar a essas metas? A resposta está na lâmina 21 da sua apresentação. Ele pretende fazer isso do seguinte modo:

a) reduzindo “consideravelmente” (sic) os gastos de custeio – que são apenas consequência dos investimentos, pois a construção de qualquer coisa (uma estrada, um hospital, uma escola, uma rede de esgotos) implica em gastos para que a obra funcione, isto é, gastos de custeio.

b) contendo “novos” gastos – isto é, não fazendo novos investimentos públicos. Ou será que pode existir outra interpretação? Mantega se encarregou de não deixar muitas dúvidas sobre o assunto, ao falar em aumento do investimento privado e diminuição do investimento do BNDES. Portanto, considera excessivo, apesar dos elogios, os R$ 122 bilhões de investimento público de 2010.

c) mantendo a “solidez fiscal” - isto é, o superávit primário, o desperdício de dinheiro público reservado para pagar juros aos bancos.

d) “abrindo espaço para a continuação dos investimentos” - na teoria manteguiana, já exposta anteriormente, o que “fecha o espaço” para que a iniciativa privada possa investir não é a falta de financiamento ou de mercado, ou o bloqueio monopolista, comercial, financeiro e tecnológico do capital externo – ou a falta de interesse deste em investir no país – mas, ao contrário, o excesso de investimento público, ou seja, o “excessivo” financiamento público. Segundo Mantega, as empresas têm de se financiar “no mercado de capitais”, isto é, no mercado especulativo de debêntures e demais títulos de dívida.

e) “criar condições para redução dos juros” - quem determina o piso dos juros é o Banco Central; por isso a sua taxa (Selic) é a taxa básica de juros; portanto, a única condição para baixar os juros é baixar os juros, isto é, o seu piso, a taxa Selic, determinada não pelo mercado, mas pelo BC. Porém, existe a tese (Deus nos perdoe a palavra!) de que o BC não pode contrariar as “expectativas do mercado”, isto é, dos bancos, e outros especuladores, de ganhar dinheiro às custas do Estado e da população. Logo, seria preciso fazer um arrocho geral para que os juros baixem, pois, com menos despesa, o Estado precisaria menos do dinheiro dos bancos. Como disse a professora Maria da Conceição Tavares, o professor Márcio Pochman e outras pessoas de bom senso, isso é uma inversão: é preciso baixar os juros para que as despesas do governo caiam e não arrochar as demais despesas (investimentos, custeio, gastos sociais) para que os juros caiam. Até porque a única gordura monstruosa que existe no Orçamento é o gasto com juros.

f) “criar condições para desonerações” - isto é, menos gastos com tudo para que se possa conceder isenções ou renúncias de impostos a alguns.

Sucintamente, leitores, é essa a maravilha que Mantega apresentou: a de superar a obra de Lula, fazendo o contrário do que ele fez. Aumentar o investimento, reduzindo o investimento. Diminuir a miséria cortando despesas correntes (custeio) do Estado, isto é, as despesas com o atendimento à população. Daí, também, a tentativa de aumento zero para o salário mínimo e para o funcionalismo.

Após referir-se aos resultados do governo Lula, e depois de propor que o crescimento seja freado, pode-se ler na lâmina 15 da apresentação de Mantega: “o crescimento é sustentável, sem desequilíbrios macroeconômicos”.

O que é, rigorosamente, mentira. Ele mesmo havia falado que o país estava “na rota” do crescimento sustentável, ou seja, este é um objetivo a atingir. Mais importante, Mantega sabe que existe um perigoso desequilíbrio macroeconômico: as contas externas. Mas continua fugindo do problema.

Diz ele que a hipervalorização do real, que vandaliza o país com o barateamento das importações e o encarecimento da produção interna, é um sinal de sucesso - e não uma rendição diante da guerra cambial deflagrada pelos EUA, com suas superemissões de moeda. No entanto, segundo suas próprias contas (lâmina 24), a cotação do real em relação ao dólar subiu 136,3% entre janeiro de 2009 e dezembro de 2010. O impacto das providências que, com atraso, ele tomou (lâmina 25) foram um fracasso, pois o dólar passou de R$ 1,71 (em 19/10/2009, primeiro aumento no IOF) para 1,69 (em 07/01/2011, quando foi anunciado o recolhimento compulsório, a partir de abril, nas operações com o dólar).
 
Diz Mantega que “se não tivéssemos tomado as medidas, o câmbio estaria em R$ 1,50 e R$ 1,45”. Com isso, se esquiva do verdadeiro problema: a PTAX (a cotação de fechamento do câmbio) de R$ 1,67 por dólar, como está atualmente, é alguma vantagem para o país? Pois é esse o problema a resolver e não o de qual seria a cotação sem as medidas que não resolveram o problema.
CARLOS LOPES

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