sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

BCE cobra 1% de juro a bancos que emprestam a Portugal a 6,7%

Banco Central da União Europeia patrocina a farra especulativa dos bancos privados ao obrigar Portugal a endividar-se a 4,8% de juro real, enquanto a mídia registra o “sucesso” do achaque

Para rolar 1,25 bilhão de euros, Portugal teve de aceitar pagar juro de 6,716% (valor nominal) nos títulos com vencimento em 2020, e de 5,386% nos para 2014, na terça-feira dia 11. O juro básico do Banco Central Europeu (BCE) há 20 meses seguidos está no patamar de 1% - com inflação de 1,9%.
Assim, bancos que tomaram emprestado do BCE a juro real negativo de 0,9% (o juro básico de 1% menos 1,9% de inflação) puderam achacar Portugal a 4,8% de juro real, enquanto a mídia registrava o “sucesso” da transação e “alívio” na Europa.
Desde a semana passada, Portugal vivia um quadro de ataque especulativo, agravado por notícias de que Alemanha e França estariam exigindo a imediata ida ao FMI, repreensões do BCE e títulos negociados no mercado secundário a quase 8% na sexta-feira dia 7. No ano passado, na tentativa de aplacar os especuladores e o BCE, o governo de José Sócrates havia decretado extenso pacote de arrocho.
As pressões da União Européia foram estampadas na revista “Der Spiegel”, e de uma forma tão escancarada, que a própria primeira-ministra Angela Merkel veio a público aliviar tais termos. Quando o achaque, na rolagem de títulos, superou os 7%, a Irlanda não suportou mais. Assim, nos bastidores se dizia que Portugal era “a bola da vez” e a ida ao FMI inadiável para “acalmar os investidores” e facilitar a concentração de forças na “batalha da Espanha” pelo euro.
Isto é, “batalha” pelos bancos alemães e franceses, mas também ingleses, suíços, e até espanhóis e italianos. Diante do que a UE teria de gastar para deter um ataque especulativo contra a Espanha - bichada por uma bolha imobiliária e pela exposição dos maiores bancos do país - o pacote sugerido a Portugal era quase um troco. Altos funcionários da UE não escondiam o temor de que o fundo europeu de emergência não teria bala na agulha para uma quebra do tamanho da Espanha. Ou, ainda, da Itália.

“MILAGRE”

  Na véspera, em editorial, o jornal português “Público” havia dito que “só um milagre nos salvará do FMI”. Ao final do leilão, o primeiro-ministro português comemorou o “sucesso” de ter de pagar aos banqueiros um juro maior até do que os 6,05% do pacote aviado pelo FMI à Irlanda. Seu ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, deleitou-se de que a procura havia sido “três vezes” maior que a oferta de títulos, e “80%” por parte de estrangeiros.
Tamanho “sucesso” com ligeiro senão - a juro de 7%, e 20 bilhões de euros para rolar este ano, a ruína está à porta e se espera novo sufoco para abril. No caso de Portugal, as maiores exposições à dívida estão concentradas em dois bancos portugueses (11 bilhões de euros, somados) e no espanhol Santander (4,9 bilhões de euros).
Se os bancos alemães e franceses ficaram bastante satisfeitos com o leilão, os bancos e fundos de especulação dos EUA mostraram muita irritação pelo fracasso do seu ataque especulativo, e adiamento da farra na Espanha e, quiçá, Itália. William Hunt Gross, diretor de um dos maiores fundos especulativos dos EUA, Pimco, chiou que não foi um leilão de verdade, foi “combinado”. “Os bancos europeus compraram”, para “usar como colateral no BCE”, e ainda “a China e o Japão”. Realmente, a China, como prometera, compareceu, aproveitando para se desfazer de mais dólares por títulos em euros e com apetitoso juro. Já o analista Alan McQuaid, do Bloxham Stock Brokers, em declaração pinçada pelo jornal espanhol “El Econômico”, declarou que “Portugal é um condenado à morte, é só uma questão de tempo”.
“FMI-SEM-FMI”
Mas em novembro a maior greve geral em décadas – com inédita unidade das centrais sindicais portuguesas – parou o país contra o “FMI-sem-FMI” do governo Sócrates, e todo seu corolário: demissões em massa, corte de salários e congelamento de aposentadorias, aumento de imposto sobre gêneros de primeira necessidade e sobre gás e eletricidade, e subtração de direitos e programas sociais. Três milhões de pessoas participaram das mobilizações.
Como a greve geral revelou, sempre há outras alternativas a estar morto ou sob servidão aos bancos alemães e norte-americanos. O que já foi feito antes por muitos países e, mais recentemente, pela Argentina, com moratória. A rejeição ao estreitamento do mercado interno, desemprego e pauperização. Ou, ainda, a recusa a aceitar que o euro seja o instrumento de esfola dos mercados cativos europeus pelos bancos alemães.
Por mais que seja a estratégia preferida de boa parte dos governos europeus hoje em dia, os vampiros não serão saciados pelo oferecimento de sangue novo. Com o Federal Reserve bombeando centenas de bilhões de dólares para bancos e fundos especulativos, e sem um só banqueiro, executivo de fundo de hedge ou diretor de agência de rating na cadeia, é improvável que os ataques especulativos sejam interrompidos. Ou que os grandes bancos europeus se abstenham de bebericar a transfusão. O “sucesso” em Lisboa provocou a maior alta das bolsas européias em 28 meses, e alta dos minérios e petróleo. As emissões de títulos portugueses serão seguidas pela Espanha e Itália.

ANTONIO PIMENTA

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