quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O G-20, A APEC E A EXTREMA-UNÇÃO DA CREDIBILIDADE

QUANDO um doente está muito grave, de acordo com a prática da Igreja Católica, após a confissão vem a extrema-unção. Isso é o que aconteceu com a credibilidade dos Estados Unidos nas reuniões, quase simultâneas, do G-20 e da APEC. A partir disso, não se sabe o que é que virá. Talvez decidam dar-lhe sepultura cristã ou incinerem os restos da absurda ilusão de que é possível manter um sistema social incompatível com a vida da humanidade, cujos membros hoje, 14 de novembro de 2010, segundo cálculos rigorosos de caráter internacional, totalizam já 6,8 bilhões de habitantes. O número de pessoas que habita o planeta está aumentando em algo mais de 77 milhões anualmente.

Quando examinava a lista de países membros da APEC reparei que é liderada pelos Estados Unidos e o Japão, duas das nações mais ricas do mundo; a seguir, apareciam Canadá, Austrália, Cingapura e a Coréia do Sul, consideravelmente industrializadas; inclui a Rússia, um Estado poderoso, com importantes recursos naturais, científicos e técnicos, a eles soma-se um grupo dos países emergentes mais importantes, como a China, a Indonésia e outros do Sudeste Asiático banhados pelas águas do Pacífico, atingindo assim os 21 países que se reuniram no Japão, nos dias 13 e 14, quase simultaneamente com o G-20, nove deles tinham participado da reunião de Seul, com o intuito de discutirem os problemas mais importantes. Todos os países de ambos os foros são capitalistas, salvo a China e o Vietnã, aos quais os Estados Unidos tentaram impedir, a qualquer custo, sua transformação revolucionária.

Na lista de membros da APEC aparece um Estado muito pobre que não tem nada em comum com o resto dos 20 países: a Papua Nova Guiné. Procurei dados sobre esse país, situado no extremo norte do continente australiano. Até sua atual capital Port Moresby tinha chegado MacArthur, no ano 1942, bem longe dos japoneses, depois que estes invadissem e ocupassem a principal base norte-americana de sua colônia nas Filipinas, localizada em Luzón, a poucas milhas de Manila.

O que é que se sabe acerca do país incluído no 17º lugar da lista da APEC? Sabe-se que seus primeiros habitantes chegaram ali há 45 ou 50 mil anos, vindos do sudeste asiático, no período glacial plistocênico; eram caçadores e recolhedores. Uma segunda onda de migrantes chegou mais de mil anos depois, aproximadamente 3.500 a.C., e foram portadores de uma cultura mais avançada, pois praticavam a horticultura e a pesca, conheciam de navegação e dominavam a elaboração do barro, na mesma época que este se desenvolvia na Babilônia.

Os europeus chegaram à Polinésia, tanto pelo Este quanto pelo Oeste; cinco mil anos mais tarde: espanhóis, portugueses, ingleses e holandeses impuseram a colonização, baseada nas armas de fogo e nas espadas de ferro; conquistaram os territórios, os seus recursos e escravizaram os habitantes.

Ainda admitindo que contribuíssem com conhecimentos e avanços de sociedades com maior desenvolvimento cultural do que algumas comunidades humanas que habitavam os territórios isolados banhados e separados pelas águas do Pacífico; no entanto, em boa parte da Ásia e do Oriente Médio existiam civilizações muito mais avançadas que a da Europa daquela época. Os conquistadores impuseram a força de suas armas em territórios como a China, a Índia e o Oriente Médio, que foram berço de civilizações milenares, quando a Europa era território disputado pelas tribos bárbaras.

As potências coloniais dignaram-se a conceder a independência a Papua Nova Guiné, em setembro de 1975.

Segundo o censo do ano 2000, a população de Papua Nova Guiné atingiu os 5,19 milhões de habitantes, e seu território tem uma extensão de 462 840 quilômetros quadrados.

Apesar de seus enormes recursos naturais: petróleo, cobre e ouro, que constituem 80% de suas exportações, a Papua Nova Guiné é o país do mundo com a menor esperança de vida ao nascer. A sua abundante riqueza pesqueira é explorada por empresas estrangeiras e está sendo muito afetada pelas mudanças climáticas das correntes marinhas do Pacífico. Entre os anos 1995 e 1997 a produção de café, de cacau, de chá, de açúcar e de coco diminuiu consideravelmente, em decorrência das secas.

É o país com maior número de línguas, atingindo as 820, o que equivale a 12% dos 7.536 idiomas que, segundo os especialistas, existem no mundo. Muitas aldeias têm sua própria língua.

Não longe dali se encontra a República Democrática do Timor Leste, com uma história dramática e heróica. Foi conquistada pelos portugueses em 1512, junto da Guiné-Bissau, das ilhas de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique, colônias portuguesas que durante séculos correram a mesma sorte, mais em nenhuma outra colônia seu destino foi mais sofrido.

Quando a Revolução dos Cravos, em 1974, deu cabo da tirania de Salazar, em Portugal, membro da NATO e aliado estreito dos Estados Unidos, a Frente Revolucionária do Timor Leste proclamou a independência, em 29 de novembro de 1975. Mas, apenas pôde desfrutar dela nove dias. Em 7 de dezembro desse próprio ano, a tirania sangrenta de Suharto – que em cumplicidade com a CIA tinha derrocado o governo constitucional de Sukarno, na Indonésia, assassinando milhares de comunistas e de militantes progressistas – enviou, com a aprovação prévia dos Estados Unidos, uma expedição com forças do exército indonésio para invadir Timor Leste. Após 27 anos de luta, o povo desse país, sob a liderança da Fretilin, voltou a instaurar um governo constitucional no Timor.

Não preciso explicar os estreitos vínculos históricos que existem entre nosso país e as antigas colônias portuguesas; nossos combates contra as tropas da apartheid – a quem o governo de Reagan forneceu armas nucleares estratégicas — concedem a nosso país autoridade moral para opinar sobre as decisões da APEC quando o governo dos Estados Unidos impõe medidas que afetam os interesses de todos os países, incluídos os outros membros dessa instituição.

Os Estados Unidos tentam impor à China a revalorização do yuan (renminbi, a divisa chinesa), sem levarem em conta que, depois que a China iniciou sua política administrada do yuan, em julho de 2005, foi revalorizado de 8,28 yuan por dólar naquela época, e hoje essa relação é de menos de 6,70 yuanes por dólar.

Segundo um artigo publicado pelo jornal Financial Times, no dia 6 de outubro do presente ano, o primeiro-ministro chinês declarou, durante uma visita a Bruxelas, que a revalorização do yuan já estava sendo realizada, mas que a China rejeitava oferecer garantias no que se refere à rapidez com seria executado este processo, e advertiu firmemente: "Não nos pressionem acerca da taxa de câmbio do renminbi". Explicou que uma ação precipitada sobre este tema podia provocar a falência de inúmeras empresas chinesas que produzem para a exportação, criando graves conseqüências para sua economia, e concluía: "Se a China sofrer uma turbulência econômica e social, isso seria um desastre para o mundo".

É claro que todos os países do Terceiro Mundo que têm na China um mercado seguro para suas exportações – destinadas a satisfazer as necessidades de uma população que no último censo do ano 2008 atingiu a cifra de 1.324 bilhão, quase mais um bilhão do que a população dos Estados Unidos, e uma economia que cresce a um ritmo médio não menor de 10% anual — conseguiriam menos produtos por suas exportações para esse país e, por sua vez, todas as que sejam exportadas para o resto do mundo, pagáveis em dólares, obteriam um papel moeda que vale cada vez menos.

Os 80% das exportações dos Estados Unidos são serviços: os da chamada indústria de lazer e outros muitos que não satisfazem as necessidades fundamentais de nossos povos, urgidos pelas necessidades do desenvolvimento e pelos serviços vitais para a sociedade.

Num artigo publicado na internet, intitulado "Ocidente aprimora suas técnicas para agredir a China", André Vitchek, entre outros aspectos de interesse expõe:

"As táticas utilizadas em outra época (começar desacreditando para mais tarde tentar destruir todo governo comunista e socialista, progressista e nacionalista como na União Soviética, Cuba, a Nicarágua, a Coréia do Norte, o Chile, a Tanzânia e recentemente a Venezuela) ainda são consideradas válidas. Inclusive, foram melhoradas com a passagem do tempo e com mais meios, no que se refere ao pessoal e à tecnologia [...] Depois de tudo, o objetivo que o Ocidente e sua ditadura global perseguem é grande: A China, o país mais povoado do planeta. O fato de que a China seja um Estado historicamente pacífico e tenha conseguido sucesso em muitas áreas, faz com que a tarefa seja ainda mais difícil. [...] Ocidente está (indiretamente) envolvido nos massacres do Congo/República Democrática do Congo (pelo menos o número de mortos atinge cinco milhões), na desestabilização na zona do Chifre da África e de algumas zonas da América Latina, bem como na agressão ao Iraque e o Afeganistão, por apenas citar algumas de suas macabras aventuras."

"'As pessoas observam com seus próprios olhos o que a China está fazendo', explica M. Mghanga, ex-deputado do Quênia e membro da Comissão de Defesa e das Relações Internacionais, poeta e preso político sob o regime brutal pró-ocidental do ex ditador Moi. 'Se você viajar através do país poderá ver chineses construindo estradas ou prédios, estádios e casas; uns projetos excelentes. Aliás, são muito cooperativos, apesar da propaganda difundida pelo Ocidente. Na verdade, as pessoas enxergam o que a China está fazendo e o reconhecem. Mas, sobre o governo do Quênia é exercida uma grande pressão para que cesse sua cooperação com a China. De fato, existe uma grande hostilidade contra o Quênia. Ocidente nos castiga por causa de nossas relações estreitas com a República Popular da China.'"

A Cúpula anual da APEC começou ontem em Yokohama.

No seio da APEC funcionam pequenos foros, como o Acordo de Associação Transpacífico (TTP), de livre comércio, limitado apenas para o Brunei, Chile, Nova Zelândia e Cingapura ao qual desejam somar-se os Estados Unidos, Austrália, Peru, Malásia e Vietnã. Em resumo, tudo o que sirva para vender algo: mercado, mercado, mercado.

Obama, como rei mágico, anda repartindo vagas no Conselho de Segurança das Nações Unidas, como se este fosse de sua propriedade. Segundo as agências européias de notícias... "ele indicou este sábado que o Japão é o modelo de país que deveria ocupar uma vaga permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas..." já antes, no hemiciclo parlamentar de Nova Délhi , tinha dito que seu governo "vai apoiar a eventual entrada da Índia no Conselho de Segurança das Nações Unidas". O Paquistão, é claro, queixou-se amargamente dessa promessa ianque. O que ele não disse é se essas vagas são com ou sem direito de veto, como se esse privilégio antidemocrático estivesse destinado a ser eterno.

Igualmente, ignora-se se tão generoso oferecimento foi feito também a Lula, apesar de que mais de 500 milhões de latino-americanos e quase um bilhão de africanos não têm representação permanente nesse Conselho. Quanto tempo ele acredita que é possível manipular o mundo dessa forma? Mas, talvez eu me engane e subestime Obama, se este, em sua euforia decide oferecer a todos os aspirantes o apoio dos Estados Unidos.

Naturalmente, as reuniões do G-20 e da APEC tiveram um final feliz, como nos filmes do faroeste feitos no Hollywood, como os que assistíamos quando éramos colegiais. O blá, blá, blá, ganhou o Óscar, "Visão de Yokohama" como foi qualificada pelo primeiro-ministro do Japão na Declaração Final da Cúpula da APEC.

Não obstante, o presidente chinês Hu Jintao, segundo uma informação divulgada por uma agência norte-americana de notícias, mais séria, declarou: "'A recuperação não é sólida e os déficits provocam grande incerteza' [...] 'A situação do emprego nos países desenvolvidos é sombria e os mercados emergentes encaram pressões inflacionárias e bolhas de preços de ativos'."

Outra agência européia, geralmente objetiva, indicou: "O presidente chinês, Hu Jintao, disse que seu país não aceitará pressões externas para mudar de política."

Obama concluiu sua digressão pela Ásia, depois da reunião, com "uma visita à estátua do Grande Buda de Karamakura – fundida em bronze – de 13 metros de alto e 93 toneladas, construída no ano 1252 e que retrata o Buda Amida, sentado em posição de lótus, com as mãos em gesto de meditação."

Por seu lado, o chefe das forças armadas britânicas, general David Richards, disse que Al-Qaeda — assim qualifica erradamente a resistência afegã, verdadeira artífice da luta contra a NATO, que nada tem a ver com as forças que criou a CIA para lutar contra as tropas soviéticas – não pode ser derrotada "e que o Reino Unido deve estar pronto para enfrentar a ameaça de atentados islâmicos, pelo menos, durante os próximos 30 anos."

"Numa entrevista concedida ao jornal britânico The Sunday Telegraph, o general Richards declarou que seu país deveria focalizar-se em controlar a ameaça a seus próprios cidadãos, uma tarefa que, disse, podia ser cumprida, em vez de tentar derrotar a militância islâmica.

"'Na guerra convencional, a vitória e a derrota são claras e estão simbolizadas nas tropas marchando pela capital de outra nação (inimiga)', afirmou o chefe do Estado-Maior britânico.

"Primeiramente devemos perguntar-nos: precisamos vencer (a militância islâmica) com uma clara vitória? Acho que é desnecessário e nunca será conseguido'.

"'Podemos controlá-la até o ponto em que as nossas vidas e as vidas de nossos filhos sejam seguras? ' perguntou Richards.

"'Acho que podemos', afirmou o militar.'"

"Segundo Richards, as armas reais na guerra contra Al-Qaeda são a educação e a democracia."

"Aliás, disse que o exército e o governo britânicos são 'culpados por não compreenderem totalmente o que estava em jogo' no Afeganistão. E admitiu que os afegãos estão começando a 'se cansarem' da incapacidade da NATO para cumprir suas promessas."

"De acordo com o jornalista da BBC, Frank Gardner, os comentários do general Richards refletem um 'novo realismo' nos círculos antiterroristas do Reino Unido e dos Estados Unidos.

"Gardner garante que se Richards tivesse dito estas palavras, há cinco anos, elas houvessem sido consideradas escandalosas e derrotistas."

"Razões de sobra tem Obama para visitar a estátua do Grande Buda de Kamakura, agora que a direita fascista ganha terreno, rapidamente, na Europa das correntes reformistas, inclusive na Suécia, e na sociedade de consumo ianque muitas pessoas ignoram quase tudo, e acreditam que justiça social, saúde, educação, solidariedade e paz são coisas de comunistas. Einstein, que desejava que os Estados Unidos antifascistas de Franklin D. Roosevelt tivessem a bomba atômica, antes que esta fosse desenvolvida pela Alemanha nazista, jamais pôde sequer imaginar que várias dezenas de anos depois o perigo consistiria em que uma extrema direita fascista se apoderaria do governo dos Estados Unidos".

Fidel Castro Ruz

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