sábado, 27 de novembro de 2010

Globo arma entrevista exclusiva contra ministro Guido Mantega

Todo cuidado é pouco quando se trata dela


O ministro da Fazenda, Guido Mantega, confirmado no cargo pela presidente Dilma Rousseff, poderia, com muito proveito, para si e para o país, seguir o exemplo de nossa próxima primeira magistrada: entrevista para a Globo não é para o entrevistado concordar com a Globo.

Por exemplo, a pergunta “sabemos, não é ministro Guido Mantega, que 2011 teria que ser um ano pra cortar despesas?” não é uma pergunta – o sujeito quer mandar no governo e no ministro sem ter sido eleito. E se a Globo quer mandar alguma coisa, essa coisa deve estar errada. Por isso, não é bom o nosso ministro responder: “Exatamente. (…) porque nos últimos dois anos nós gastamos um pouco mais”.

“Gastamos um pouco mais”, em quê? Nas obras do PAC? No Minha Casa, Minha Vida? Onde foi que o governo Lula gastou mais do que deveria gastar? Até agora isso tem sido, exatamente, a conversa – tucana e neoliberal, de fio a pavio – do “ajuste fiscal”.

O presidente Lula, com a sua acuidade popular, já definiu o que é isso: “geralmente, quando se fala em ajuste fiscal, se prepara algum tipo de sacanagem contra o povo”.

Ou, como disse a presidente Dilma, logo após a vitória: “recusamos as visões de ajustes que recaem sobre os programas sociais, os serviços essenciais à população e os necessários investimentos”.

Portanto, mesmo por cortesia, também não é bom o nosso ministro responder à Globo, sobre o salário-mínimo de 2011: “salário mínimo, o valor é R$ 540. Não dá para subir mais, porque senão aumenta os gastos da Previdência”.

Primeiro, essa decisão não é sua, mas da presidente. Segundo, como o país vai continuar crescendo, sem que o salário-mínimo esteja em recuperação, expandindo o mercado interno? Quem vai comprar o que a economia, em crescimento, produzir a mais, se o salário básico da economia não tem aumento real? Os americanos é que não vão comprar. E que história é essa de “gastos da Previdência”, cantilena desmoralizada há alguns anos, inclusive pelo presidente Lula? Ou será que o ministro quer levar em consideração os “gastos da Previdência” sem lembrar que eles fazem parte do orçamento da seguridade social, que é superavitário?

No entanto, disse o ministro: “além de cortar gastos que já existem, nós ainda temos que impedir que novos gastos sejam feitos. Diga-se de passagem, o funcionalismo está ganhando bem. Então é o momento de dar uma parada: no ano de 2011, nós não estamos prevendo aumento pro funcionalismo”.

Essa decisão também não é sua. E, se fosse tomada, ainda mais anunciada antes da presidente tomar posse, convenhamos que não seria a melhor política, nem para o crescimento do país, nem para os serviços públicos, nem para a tranquilidade – pelo menos alguma há de existir – de uma massa de cidadãos que votaram em peso na nossa presidente, e o fizeram porque querem servir melhor à população e ao país.

Não foi para adotar a pauta da oposição derrotada que 56 milhões de pessoas votaram em Dilma na eleição de 31 de outubro. Até porque, mesmo se o ministro aderisse a essa pauta, a oposição não o amaria mais do que o odeia hoje em dia. Apenas, iria tentar atingir a presidente por algo que ela não fez. Mas, se foi por delicadeza que o ministro assim respondeu, homem culto que o é, certamente quando em solidão, relembrará os versos de Rimbaud: “Par délicatesse/ J’ai perdu ma vie”, ou seja, “Por delicadeza/ Eu perdi minha vida”. Eis um risco que é desnecessário correr.

A presidente eleita Dilma Rousseff deixou claro na campanha, e depois, em diversas ocasiões que, diante da excepcionalidade da crise de 2008/9, pretende negociar com as Centrais Sindicais uma forma de “compensação para garantir um reajuste que mantenha a continuidade da política de valorização do salário”. As centrais sindicais reivindicam um salário de R$ 580,00 e argumentam que o que foi negociado com o governo Lula foi um mecanismo “para recuperar e valorizar o salário mínimo”. Além disso, os dirigentes sindicais defendem, com razão, que o que garante o crescimento do país é o mercado interno.

Quanto a corte de gastos como condição para queda de juros (“no futuro”, disse o ministro), isso tem marca registrada. O leitor deve se lembrar da “Veja”, “Folha”, e dessas palavras: “cortando gastos e desperdícios será possível reduzir juros, carga tributária e aumentar investimentos” (José Serra, Globonews, junho, entrevista à Miriam Leitão).

Seria mais produtivo se o ministro se dedicasse ao combate no front da guerra cambial, que está comendo solta, com os EUA inundando o mundo com mais 600 bilhões de dólares, o real artificialmente alto, as importações explodindo, as exportações cada vez mais caras, as contas externas em dificuldades   assim chegaria, homem inteligente que é, à conclusão de que os juros têm de cair logo, ao invés de cortar necessárias despesas públicas. Papel de Meirelles, só o Meirelles consegue fazer.
SÉRGIO CRUZ

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