quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O COSTA CONCORDIA E A NAVEGAÇÃO NEOLIBERAL

Flávio Aguiar


A aproximação do acidente do Costa Concórdia, perto da ilha de Giglio, na Itália, com o Titanic, representando uma metáfora do que está acontecendo na Zona do Euro é inevitável, como transparece na matéria da redação “As pedras estavam lá”, nesta Carta Maior.

Todos os três eventos desastrosos se basearam e baseiam numa racionalidade empedernida que se recusa a enfrentar o real como real. Entre as próprias fantasmagorias e o real, prefere reputar este último como fantasmagórico, aferrando-se a crenças que beiram a “superstição crendeira” nos poderes da sua racionalidade.

Assim como no caso do Titanic, o capitão do Costa Concórdia, Francesco Schettino, parece ter cometido erros de avaliação, no seu caso agravados pela acusação de que teria abandonado o navio de maneira intempestiva.

Porém ele está ameaçado de tornar-se o bode expiatório de uma navegação equivocada que vem de longe, e que nem sempre opera no mar, mas em terra firme também.

O Costa Concórdia foi lançado em mar em 2006, segundo sua proprietária, a empresa Costa Cruzeiros, para “simbolizar a paz e a harmonia entre as nações européias” (que ironia!). Na época, era o maior monstro do mar. Hoje não é mais. Um outro navio, por exemplo, o Allure of the Seas, tem capacidade para 6000 passageiros e 2000 tripulantes, quase o dobro do Costa, que levava 4.200 pessoas a bordo no momento do acidente.

Estes gigantes dos mares assemelham-se mais a verdadeiros shopping centers flutuantes misturados com enormes hotéis e parques de diversão. São apontados como seguríssimos. Mas dados que vem vindo à tona, depois deste acidente, e mesmo de outros, como o do Sea Diamond, em 2007, em Santorini (Grécia), mostram que isso tem algo de falacioso.

São complicados para manobrar devido ao tamanho. Têm calado e quilhas pequenas para o seu porte, e têm os problemas acentuados em dias de ventania.

Dentro do navio os problemas também não são pequenos. Em geral navegam sob bandeiras do Panamá ou das Bahamas, por causa das regulamentações mais frouxas quanto a empregos e impostos – sem falar na conseqüente fiscalização menor. (A Costa Cruzeiros faz parte da Carnival Corporation, dona de vários desses navios, cujo lucro anual chega a 2 bilhões de dólares).

A oficialidade superior, segundo a OIT, pertence, em geral “a uma elite branca européia”. Mas os empregados do serviço procedem, em geral, das Filipinas e de outros países do terceiro mundo. Têm contratos de baixa remuneração e seu ganho maior depende muito de gorjetas. O treinamento de segurança é considerado exíguo, em comparação, por exemplo, com os de uma tripulação de aeronave.

Especialistas em segurança apontam uma dificuldade suplementar: o crescente caráter multinacional dos milhares de tripulantes e passageiros dificulta o enfrentamento de situações de emergência. “As pessoas entram em pânico na sua própria língua”, disse um deles, não necessariamente em inglês ou outra língua franca.

Isso pode ter contribuído (junto com a possível ausência subseqüente do capitão) para um dos maiores problemas apontados no caso do Costa Concórdia: o atraso na evacuação do navio. Na verdade, esse atraso pode ter sido fruto também de uma recomendação tradicional, a de que, em caso de acidente, o navio deve rumar para o porto mais próximo, e os passageiros e tripulantes devem permanecer a bordo o maior tempo possível.

Nem sempre é assim, parece dizer este acidente, numa nova e trágica metáfora dessa navegação neoliberal: às vezes, quando mais cedo se desembarca dela, melhor.

Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.

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