sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Importações e remessas geram déficit externo de US$ 52 bilhões
Em 2011, país foi drenado em US$ 85 bilhões - 3,4% do PIB
Presume-se - pelo menos, nós presumíamos - que apresentar um resultado das contas externas com um rombo de US$ 52 bilhões e 612 milhões, o maior da história do país, seja uma tarefa espinhosa. Pior ainda, supomos, seja apresentar um resultado que, além desse rombo, mostre que o país foi drenado para o exterior, durante 2011, em US$ 85 bilhões e 224 milhões (cerca de 3,4% do PIB).

No entanto, o funcionário do Banco Central que apresentou o resultado das contas externas de 2011 não teve nenhuma inibição. Disse ele que o rombo é “normal”. Aliás, disse mais. Quase que ele nos convenceu de que não há nada melhor para a economia do que um buraco de US$ 52,6 bilhões nas contas externas - e que quanto maior o rombo, mais estaremos perto da virtude e da perfeição econômicas...

Por que houve um déficit tão grande na conta de transações correntes? Porque o saldo comercial não cobriu as remessas para o exterior – antes de tudo, remessas de lucros das filiais de empresas estrangeiras ou de especuladores externos. Diante dessas remessas de lucros, é besteira culpar os brasileiros que viajaram ao exterior pelo déficit – não foram eles que criaram o imbroglio cambial, a hipervalorização do real em relação ao dólar, que provoca essas viagens.

Com um tremendo esforço, no momento em que os países centrais estão em crise, conseguimos aumentar o saldo comercial de US$ 20,1 bilhões (2010) para US$ 29,8 bilhões (2011). Não é um saldo pequeno.

Mas é muito pouco diante de  remessas para o exterior de US$ 85,2 bilhões, sobretudo quando elas cresceram US$ 15 bilhões (de US$ 70,2 bilhões em 2010 para os citados US$ 85,2 bilhões em 2011).

Esse rombo foi coberto com dinheiro externo – em 2011, com “investimento direto estrangeiro” (o dinheiro que entra para comprar empresas nacionais, ou ampliar a parcela estrangeira do capital, ou como empréstimos da matriz à filial).

Voltemos ao funcionário do BC, no instante em que ele quase nos convencia das vantagens de ter um rombo. Foi aí que sua performance deu chabu, ao dizer que um rombo desse tamanho “... refletiu a continuidade do crescimento da economia brasileira, que demandou mais bens de consumo e de serviços vindos de outros países”.

Algum desavisado poderia concluir que crescimento só serve para cavar rombos nas contas externas – ou que os rombos crescem com o crescimento.

Porém, o crescimento do país caiu de 7,5% (2010) para menos de 3% em 2011. O da produção industrial, de 10,5% para 0,4%. E, com todo esse marasmo, o rombo nas contas externas cresceu de US$ 47,3 bilhões para US$ 52,6 bilhões - e as importações, referidas pelo funcionário, deram um espetacular salto de US$ 44,5 bilhões: subiram de US$ 181,7 bilhões para US$ 226,2 bilhões.

Portanto, nem o aumento das importações nem o aumento do rombo nas contas externas foram causados por nosso crescimento, que esteve em queda durante 2011. O que se poderia concluir é justamente o contrário: que a queda no crescimento aumenta o rombo nas contas externas.

Em suma, os importados não estão invadindo o país em razão do nosso crescimento. Pelo contrário, são eles um obstáculo cada vez maior ao crescimento. Subsidiadas por um câmbio manipulado em favor dos cartéis e monopólios externos, as mercadorias produzidas no exterior ocupam parcela crescente do mercado interno, alijando a produção nacional.

O crescimento é, antes de tudo, crescimento da produção industrial interna. Se a invasão de importados trava o crescimento, o resultado será, não somente a transformação do país num entreposto colonial, mas um rombo cada vez maior nas contas externas.

No entanto, disse o apresentador do BC, isso não é um problema. Ora, revelou a lâmpada do gênio, “o resultado negativo das contas externas foi plenamente financiado pelo ingresso de Investimentos Estrangeiros Diretos (IED)”.

Em síntese, ele apresenta o problema como se fosse a solução. Não chega a ser um paradoxo, apenas aquela falta de respeito, para com a lógica e o público, que caracteriza os neoliberais.

O problema das contas externas é exatamente o problema do “investimento direto estrangeiro”. Ele não é a solução, e sim a causa do rombo. Quanto mais desnacionalizada uma economia, quanto maior a quantidade (o estoque) de “investimento direto estrangeiro” (segundo o BC, no Brasil, em 2011, esse estoque, em empresas e outros patrimônios, alcançou US$ 668 bilhões e 793 milhões), mais lucros serão remetidos para fora e mais importações virão para dentro. Portanto, maior o rombo nas contas externas.

Em relação ao ano anterior, as remessas aumentaram US$ 15 bilhões (as remessas de lucro oficialmente declaradas – isto é, sem contar juros, royalties e outras formas de envio de lucros - aumentaram US$ 10 bilhões).

Não é preciso explicar porque as remessas aumentam – filiais de multinacionais existem para remeter lucros às suas matrizes, mais ainda quando estas encontram-se em crise.

Quanto às importações, nenhuma filial de multinacional - exceto quando a lei e a fiscalização a obrigam - usa componentes e insumos fabricados no país onde estão instaladas. Se elas podem importá-los da matriz, e faturá-los como bem entenderem, por que vão comprá-los numa empresa nacional?

Por isso, é uma falsificação atribuir o aumento das importações à “demanda de mais bens de consumo e de serviços vindos de outros países”. Apesar de todos os supérfluos importados, não são “bens de consumo” nem “serviços” que estão aumentando as importações. Mais da metade delas são de bens intermediários e insumos sobretudo para as filiais de multinacionais.

O funcionário do BC, assim como o atual titular da Fazenda, acha que não há problema no rombo, pois ele pode ser coberto com “investimento direto estrangeiro”. Em outras palavras, não há problema em aumentar o rombo para cobrir o rombo...

Por último, algo que seria pitoresco se não fossem as consequências para o país. Em sua exposição, o funcionário destacou que “os investimentos no segmento de extração mineral já alavancam o gasto do Brasil com o aluguel de equipamentos contratados no exterior”.

Parece um fenômeno sensacional essa extraordinária “alavancagem”. Se os “investimentos” (estrangeiros?) já estão “alavancando” alguma coisa, só pode ser uma prova da nossa irresistível potência e sedução.

Pois é, leitor, não é.

Sucintamente: o gasto com aluguel de equipamentos – contratados no exterior para emprego dentro do país – aumentou de US$ 5,7 bilhões (2007) para US$ 7,8 bilhões (2008), US$ 9,4 bilhões (2009), US$ 13,7 bilhões (2010), e, agora, em 2011, para US$ 16,7 bilhões (cf. BC, “Balanço de Pagamentos, 1947-2011”, pub. 24/01/2012).

O gasto, portanto, triplicou em cinco anos - e cresceu US$ 3 bilhões em apenas um ano, de 2010 para 2011.

Mas é um gasto perfeitamente dispensável, pois não há nada nesses equipamentos que seja de outro mundo – todos podem ser produzidos dentro do país, e alguns deles até já foram, mas as empresas nacionais desistiram, diante do ambiente econômico inóspito.

O resultado é que, com os juros nas alturas de Titã, lua de Saturno, e a consequente hipervalorização do real em relação ao dólar, o que nós estamos alavancando são os lucros das empresas estrangeiras que alugam esses equipamentos.

CARLOS LOPES

Nenhum comentário: