sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

CONGO: O CAMINHO ATÉ A COMPLETA INDEPEND~ENCIA



O verdadeiro desafio para o governo congolês será impor à economia um plano nacional para a reconstrução do país. No passado nenhum país tocado por uma crise ou uma guerra foi reconstruído sem que o Estado jogasse um papel central. Ora, é precisamente esse papel central que é rejeitado pelo FMI. Conseguirá o Estado congolês, nos anos que virão, se reforçar suficientemente construindo um poder soberano?

TONY BUSSELEN *

N
os dias de hoje é de "bom tom" fazer declarações cínicas a respeito do Congo. O país sucumbe cada vez mais no caos, repete-se com regozijo, e o governo é profundamente corrupto. Um bom número dessas declarações não são mais que generalidades e clichês simplistas.

Ninguém pretende que o Congo esteja indo plenamente de vento em popa. Após anos de guerra e decênios de política mobutista isso seria impossível. Mas quando se vai além das análises estereotipadas e se consulta números e fatos verdadeiros pode-se observar que depois do fim da guerra em 2003 nenhuma regressão dramática se produziu, ao contrário do que pretendem os pessimistas.

Constatamos ao menos um ligeiro progresso que se não podemos considerar sensacional, é bem real. Tomemos por exemplo os números do Fundo Monetário Internacional. Entre 2003 e 2008 o PIB obteve um aumento real de 6,4% em média. Se compararmos os números de 2003 com 2008 observamos que a produção de cobre subiu de 16 mil toneladas para 335 mil toneladas. Nos portos o volume de produtos transportados aumentou de 1.458.000 toneladas para 2.287.000 toneladas. A produção de eletricidade cresceu de 5.980 milhões de kilowatts em 2003 para 7.495.000 kilowatts em 2008, tanto que o consumo líquido de eletricidade passou 2.893 milhões de kilowatts para 5.201. Durante esse mesmo período o número do comércio (importação e exportação) passou de 2,5 bilhões de dólares a 13,2 bilhões de dólares. Em 2003 a arrecadação fiscal do governo chegou a 176.817 milhões de francos congoleses e se elevou a 1.205.289 milhão de francos congoleses em 2008.

Convém continuar a apresentar o Congo como um país onde tudo regride? É justo repetir diante dos congoleses que eles não saem do lugar e que, ao contrário, eles estão em vias de cair ainda mais abaixo do que jamais caíram antes, no momento em que após uma guerra particularmente desastrosa eles se mobilizam para reforçar seu frágil Estado?

A CORRUPÇÃO


O abismo do qual o Estado congolês está preste a se extrair é muito profundo. Para 2010 o governo congolês prevê uma despesa de 80 dólares por habitante. À guisa de comparação com outros países: na Bélgica esse número corresponde a 23.119 dólares, contra 1.634 dólares no Congo Brazavile. Em 2008 o governo de Ruanda – um país muito menor que o Congo – dispendeu 117 dólares por habitante.

Esse magro orçamento é severamente controlado pelo FMI. Sob Mobuto a corrupção consistia essencialmente na apropriação direta da arrecadação pública. A afirmação segundo a qual "a cleptocracia no Congo jamais foi tão grave quanto hoje em dia" é uma mentira.
Charles Michel, ministro belga para a cooperação e o desenvolvimento se viu obrigado a fazer a retificação seguinte com relação à cooperação com a Bélgica: "O dinheiro não é mais destinado ao orçamento congolês, mas é diretamente consagrado aos projetos em favor da população: as infraestruturas de base, a saúde, ao ensino, ao saneamento básico, etc. As mensagens simplistas por vezes procuram fazer crer que há um risco de corrupção. Não é o caso. No momento em que se fala da corrupção no Congo não se fala do dinheiro belga destinado a ajuda e ao desenvolvimento do Congo".

A corrupção que, contudo, ainda é importante no Congo, está subdivida em duas categorias que se reforçam mutuamente. A primeira categoria reagrupa as reações normais diante da taxa de desemprego particularmente elevada e ao não pagamento dos salários. Aquele que quer sobreviver deve ir buscar o dinheiro e a comida onde eles se encontram.

Quando eu morava em Kinshasa notei que um bom número de pessoas começavam seu dia fazendo uma "lista de lugares a recorrer". Inicialmente eu não compreendia do que se tratava isso, mas em seguida compreendi: na lista figuravam todas as pessoas e todos os lugares onde eles iam tentar encontrar algum dinheiro ou alguma comida para o dia. Amigos, membros da família que haviam chegado da Europa, outros que pudessem ter acabado de receber dinheiro da família instalada em outro lugar, outros que receberam algum salário atrasado, outros ainda que tivessem acabado de vender seu pedaço de terra... Todas essas pessoas eram cuidadosamente inscritas na famosa lista. Os laços de amizade ou de sangue constituíam os argumentos principais dessa busca, mas evocavam-se igualmente argumentos de autoridade: mais velhos versus mais novos, etc.

A segunda categoria compreende os vestígios da ideologia feudal e colonial da antiga classe política sob Mobuto. Sob o regime feudal, a força bruta e as relações pessoais davam acesso à riqueza. A aristocracia feudal depreciava o "trabalho" do qual se encarregava o povo. Ela evocava o direito que deus lhe deu de se apropriar da riqueza da sociedade e de utilizá-la de acordo com seus interesses.

Após Leopoldo II, o Estado colonial é instituído de uma hierarquia feudal que não autorizava nenhuma participação dos congoleses e nem lhes permitia qualquer direito democrático. A autoridade colonial era absoluta e concedia vantagens materiais a quem quisesse. Após a independência, a classe congolesa de colaboradores do colonialismo, reunida em torno de Mobuto, se apressou em retomar essa ideologia feudal. Aos seus olhos era evidente que a luta pelo poder era uma luta pela apropriação pessoal das riquezas do país. Após a queda de Mobutu, essa classe continuou a fazer apelo à boa vontade do Ocidente, na medida em que ela jamais conseguiu jogar dentro do país um papel significativo.

É verdade que a corrupção no Congo freia o desenvolvimento econômico, mas ela não constitui o obstáculo principal. A falta de eletricidade e de infraestrutura, as relações desequilibradas entre a África e Europa, os contratos injustos que as multinacionais impõem etc., constituem problemas muito mais graves. Em 2009, o Presidente Kabila proclamou uma política de tolerância zero à corrupção. Ora, a questão que se coloca, de agora em diante, é a seguinte: essas medidas serão verdadeiramente eficazes enquanto a economia congolesa não for reconstruída e modernizada?

O CORAÇÃO DA ÁFRICA


O Congo ocupa uma posição geográfica na África em que partilha fronteiras com nove países diferentes. Nenhum país do continente concentra tanta matéria-prima, recursos em terras agrícolas, em florestas e em água. O célebre escritor africano e militante anticolonialista Frantz Fanon observava que a África tinha a forma de um revólver e que o Congo se situava ao nível do gatilho. "Um Congo fraco é uma África sem coração", declarou Laurent Kabila pouco antes de estourar a guerra de agressão mortífera contra seu país em agosto de 1998.

"Em função da extensão de seu território o Congo deve assumir a posição estratégica de ser o coração do continente. Somente a direção do Congo pode levar a possibilidade de reagrupamento da África Central pela criação de um vasto conjunto político, econômico e social do Atlântico ao oceano Índico, do Gabão-Camarões ao Quênia-Tanzânia". É uma conclusão que tira o historiador Ndaywel em sua volumosa obra. "Uma perspectiva que deveria ser encarada de maneira séria e realista, a tal ponto que ela parece como a única maneira de desativar duravelmente a bomba demográfica que representa Ruanda e Burundi, antes que sua explosão conduza à destruição de toda essa região do centro". E ele adverte: "A guerra de agressão não é mais que um alerta que conhecerá no futuro outros desenvolvimentos se o problema de base não for solucionado."

Como os governos africanos podem individualmente fazer face ao rolo compressor ocidental? A unidade africana se impõe em efeito como primeira condição. Kwame Nkrumah, primeiro presidente de Gana, a primeira colônia africana que obteve a independência em 1953 disse: "Na África não deveríamos jamais poder utilizar o termo ‘estrangeiro’, porque nós somos todos africanos.

Não são os trabalhadores imigrados que devem ser combatidos, mas a divisão resultante das fronteiras traçadas artificialmente pelas grandes potências."

Os números resultantes dos negócios anuais das multinacionais estrangeiras médias é mais elevado que o PIB da maior parte dos países africanos. É o caso da empresa mineradora Freeport-McMoran. Em 2008 ela realizou um volume de negócios no valor de 17,7 bilhões de dólares. A riqueza total produzida no Congo no curso do mesmo ano não passou de 6,5 bilhões de dólares. Além de tudo as multinacionais contam com a sustentação de seus governos respectivos. Em 2009 o governo americano disponibilizou um orçamento de 3 trilhões e 900 bilhões de dólares enquanto o governo congolês não tinha a sua disposição mais que 2 bilhões de dólares.

Enquanto se segue atentamente a atualidade congolesa não se pode ignorar a luta entre ele, o FMI e os governos ocidentais de um lado, e o governo congolês e seus parceiros chineses de outro. Muitas vezes essa luta se parece com um campeonato de futebol onde se pode contar os objetivos realizados a cada semana, mas que parece jamais terminar. Se o FMI decidisse, em 2010, ceder quanto à anulação das dívidas congolesas, o governo congolês disporia de uma margem orçamentária mais importante para a reconstrução do país. Ainda assim, restaria uma dívida de mais de 4 bilhões de dólares.

O verdadeiro desafio para o governo congolês será impor à economia um plano nacional para a reconstrução do país. No passado nenhum país tocado por uma crise ou uma guerra foi reconstruído sem que o Estado jogasse um papel central. Ora, é precisamente esse papel central que é rejeitado pelo FMI. Conseguirá o Estado congolês, nos anos que virão, se reforçar suficientemente construindo um poder soberano?

Os nacionalistas congoleses são confrontados a uma tarefa particularmente pesada. O Congo precisa da paz e de investimentos. O Estado congolês não pode se reforçar convenientemente se renuncia à defesa de sua soberania. Mas como seguir uma política fundamentalmente nacionalista sem se chocar com o muro das potências ocidentais?

*É jornalista especializado em história do Congo. É editor do jornal "Solidaire" órgão do Partido do Trabalho da Bélgica. Esse artigo é o capítulo final de seu livro "Uma história Popular do Congo" publicado em Bruxelas em 2010 - Edições Aden.

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