segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Papa condena “ideologia do mercado e da especulação”


Papa Francisco vergasta a “cultura do descarte” e os que “negam o controle do Estado para zelar pelo bem comum”
O papa Francisco publicou o seu primeiro grande escrito como pontífice, denominado "Alegria do Evangelho", em que afirmou que o sistema econômico atual é injusto desde a raiz, por que predomina a lei do mais forte, dominada por um mercado divinizado em que impera a especulação financeira. Pede aos líderes mundiais enfrentar a desigualdade e a economia da exclusão.
No documento de quase 200 páginas, o primeiro Papa não europeu em mais de 1300 anos assinalou que "enquanto os ganhos de uns poucos crescem exponencialmente, as maiorias ficam cada vez mais longe do bem-estar dessa minoria. Esse desequilíbrio provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira. Daí que neguem o direito de controle dos Estados, encarregados de zelar pelo bem comum. Instaura uma nova tirania invisível, às vezes virtual, que impõe, de forma unilateral e implacável, suas leis e suas regras. Além do que, a dívida e seus juros distanciam os países das possibilidades viáveis de sua economia e aos cidadãos de seu poder aquisitivo real". 
"Essa economia mata", frisou no texto apresentado na terça-feira (26). "Não pode ser que não seja notícia um idoso morador de rua que morre de frio e que sim o seja uma queda de dois pontos na bolsa. Isso é exclusão", disse, cobrando da mídia a verdade e dos políticos no poder a garantia de trabalho digno, educação e acesso à saúde para todos. Enquanto não se resolverem radicalmente os problemas dos mais pobres, renunciando à especulação e atacando as causas estruturais da iniquidade, não se resolverão os problemas do mundo, escreveu.
Com uma linguagem e abordagem mais direta que o habitual em textos religiosos, Jorge Bergoglio criticou aqueles que "ainda defendem as teorias do ‘derrame’, que supõem que todo crescimento econômico, favorecido pela liberdade de mercado, consegue provocar por si mesmo maior equidade e inclusão social no mundo. Essa opinião, que jamais tem sido confirmada pelos fatos, expressa uma confiança grotesca e ingênua na bondade daqueles que exercem o poder econômico e nos mecanismos sacralizados do sistema econômico vigente. Enquanto isso, os excluídos continuam esperando. Para poder sustentar um estilo de vida que exclui os outros, ou para poder se entusiasmar com esse ideal egoísta, tem se desenvolvido uma globalização da indiferença", observou.
O Papa denunciou os que consideram o ser humano como um bem de consumo, praticando a ‘cultura do descarte’. "A crise financeira que atravessamos nos faz esquecer que na sua origem há uma outra crise profunda: a negação da primazia do ser humano! Criamos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de ouro tem encontrado uma versão nova e desapiedada no fetichismo do dinheiro e na ditadura da economia sem um rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano", ressaltou.
"Quando a sociedade – local, nacional ou mundial – abandona na periferia uma parte de si mesma, não há programas políticos, nem forças da ordem ou serviços secretos que possam garantir indefinidamente a tranquilidade. Isto não acontece apenas porque a desigualdade social provoca a reação violenta de quantos são excluídos do sistema, mas porque o sistema social e econômico é injusto na sua raiz. Assim como o bem tende a difundir-se, assim também o mal consentido, que é a injustiça, tende a expandir a sua força nociva e a minar, silenciosamente, as bases de qualquer sistema político e social, por mais sólido que pareça. É o mal cristalizado nas estruturas sociais injustas, a partir do qual não podemos esperar um futuro melhor. Estamos longe do chamado ‘fim da história’, já que as condições de um desenvolvimento sustentável e pacífico ainda não estão adequadamente implantadas e realizadas", mostrou.
Francisco disse que a renovação da Igreja não pode ser adiada e acrescentou que o Vaticano e sua hierarquia arraigada também necessitam ouvir o chamado da situação real do mundo, empreendendo novos caminhos e métodos criativos. "Prefiro uma Igreja acidentada, ferida, manchada por sair às ruas, antes que uma doente pelo fechamento e a comodidade de se aferrar às próprias seguranças", indicou, propondo passar de um modelo de Igreja burocrática e doutrinária para outra missionária, alegre, aberta aos laicos e aos jovens.
Insistiu na condenação da globalização da indiferença, assim como do trato das pessoas, conclamando os países que recebem imigrantes que pratiquem uma acolhida mais generosa e que ajudem as mulheres que sofrem situações de exclusão, maltrato e violência.
SUSANA SANTOS




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