sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

África do Sul presta as últimas homenagens ao ‘Tata Madiba’


Uma multidão e líderes de 91 países celebraram Mandela no estádio de Soweto. Filas de horas em Pretória para velar o pai da nação sul-africana. Sua vida foi “servir ao povo e livrá-lo dos seus grilhões”
Assim como em 1994 – quando as filas se es
tenderam por todo o país para garantir sua eleição -, milhares de pessoas esperaram durante horas para uma última homenagem ao “Tata Madiba”, o herói da vitória sobre o apartheid e da 
África do Sul libertada e reconciliada, o grande Mandela, cujo corpo está sendo velado até sexta-feira dia 13 na sede do governo, na capital, Pretória.
O funeral será no domingo, em sua aldeia natal em Qunu, na província do Cabo Oriental. Na terça-feira, dia 10, uma multidão e mais de 90 chefes de Estado celebraram seu legado no estádio de Soweto – o subúrbio de Johanesburgo símbolo da resistência ao regime racista. E onde ele fez seu primeiro comício logo após ser libertado do cárcere e também aonde, em 1993, quando um extremista branco assassinou o líder do CNA, Chris Hani, convocou o povo a manter a calma, impediu represálias e evitou uma guerra civil.
O velório de Mandela foi aberto ao público na quarta-feira dia 11, após cerimônia que reuniu a família e líderes do país e estrangeiros. Duas mil pessoas por hora passam pelo local, com constrição e silêncio, mas nas ruas, há cantos, dança e “Vivas” a Mandela. E o grito “Poder ao Povo!”- “Amandla Awethu!”, em xhosa.
Ryan de Miranda, de 25 anos, que acordou às 3h30 da madrugada para ir para a fila para ver Mandela, e que foi “um dos primeiros a ir à escola sem apartheid”, disse que “ao invés de chorar por ele, nós estamos celebrando a obra de sua vida”. Gadushca Kidushin, de 21 anos, e que estava com o filho Kelvin, de cinco anos, disse que “era a primeira vez que ia vê-lo. Estou triste hoje, mas ao mesmo tempo, feliz. Ele lutou por nossa paz, nossa liberdade, nossa humanidade”.
Ouvido pelo jornal inglês “Guardian”, Elias Nyembe, um cadeirante de 43 anos, relatou que “viemos para nos despedirmos do nosso pai. O velho está descansando. Ele trabalhou duro e fez muitas mudanças neste país”. Como lembrou Nyembe, “era terrível, aonde você ia tinha de carregar o passe. No açougue, havia uma porta só para negros. No correio, os negros tinham de entrar pelos fundos. Nos trens, havia a seção negra e a parte dos brancos. Nos restaurantes, não era permitido aos negros sentar”.
“O MAIOR FILHO DA ÁFRICA”
Mas foi no estádio de Soweto que, através dos líderes de 91 países presentes, os povos do mundo inteiro puderam prestar sua homenagem ao lendário Mandela. “Hoje, o mundo inteiro pára para pagar tributo ao maior filho da África. Repouse em paz nosso pai e nosso herói”, afirmou o companheiro de luta contra o apartheid, então presidente da central sindical Cosatu, e atualmente vice-presidente do CNA, Cyril Ramaphosa, que foi o anfitrião da cerimônia.
Ele saudou a viúva de Mandela, Graça Machel, que recebeu um beijo da ex-esposa do líder africano, Winnie. As duas foram intensamente aplaudidas. Filhos e netos de Mandela estavam presentes, assim como velhos companheiros, como Andrew Mlangeni, que esteve preso com ele na Ilha de Robben. Lá estava também o antigo capitão da equipe sul-africana de rubgy, François Pienaar, na vitória no Mundial de 1995, episódio transformado pela sensibilidade de Mandela numa catarse para reunificar o povo sul-africano que o apartheid dividira.
A multidão cantou o hino “Vamos viver e lutar pela liberdade/ na África do Sul nossa terra”. Em nome da família, o general Thanduxolo Mandela agradeceu ao carinho de todos e disse que para Madiba “a vida era servir aos outros e livrá-los de seus grilhões”, após descrevê-lo como um homem “grandioso e humilde”. O bispo Desmond Tutu afirmou que “nós prometemos diante de Deus seguir o exemplo de Mandela”.
Dos líderes estrangeiros, fizeram uso da palavra o presidente de Cuba, Raúl Castro; o vice-presidente da China, Li Yuanchao; o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon; a presidente do Brasil, Dilma Roussef; o presidente indiano, Pranab Mukherjee; o presidente da Namíbia, Hifikepunye Pohamba; o presidente dos EUA, Barack Obama; e o presidente sul-africano Zuma. Ao chegar, o presidente do Zimbábue, Robert Mugabe, foi muito aplaudido.
Ovacionado, o presidente Raúl Castro, em sua saudação, lembrou a amizade que unia seu irmão Fidel e Mandela e disse que este “dirigiu seu povo na batalha contra o apartheid, para abrir o caminho a uma nova África do Sul, não racista e unida na busca da felicidade, igualdade e bem estar de todos os seus filhos”. “Honras e glórias eternas a Mandela e ao heróico povo sul-africano”.
A presidente Dilma assinalou que “o combate de Mandela e do povo sul-africano se transformou em um paradigma para todos os povos que lutam pela justiça, pela liberdade e pela igualdade”. Já Ban Ki-Moon asseverou que Mandela “tinha um coração maior que este estádio”, acrescentando que a ONU sempre esteve ao lado dele na luta contra o apartheid.
MALAS SEM ALÇA
Na cerimônia no estádio estiveram presentes até mesmo renomados fariseus e apoiadores do apartheid, como Henry Kissinger. W. Bush – a quem Mandela criticou por assaltar o petróleo do Iraque – também deu as caras. Assim como o ex-primeiro-ministro inglês John Major, cujo governo tentou até o último minuto sustentar o governo racista, e que, perguntado se a Inglaterra “não tinha estado do lado errado da História?”, admitiu compungido que “certamente sim. Nós devíamos ter entendido o que estava acontecendo mais cedo”.
Já o atual primeiro-ministro David Cameron, da última vez que estivera em Johanesburgo, em 1989, fora para fazer lobby a favor do apartheid. Cameron foi co-protagonista, ao lado de Obama e da loura primeira-ministra dinamarquesa, Helle Thorning Schmidt, de uma cena de exibicionismo e desrespeito ao funeral, ao posarem para foto de smartphone – todos muito sorridentes - para o facebook, mas acima de tudo ridículo e narcisista. Um jornal sul-africano ironizou a situação, a “soap-opera de Obama”, com Michelle Obama precisando sentar no meio dos dois para acalmar os ânimos.

Convites à parte para o salão Oval, o discurso de Obama, apesar do capricho do seu ghost-writer, não convenceu: quem é que acredita que o rei dos drones se inspirou em Mandela? E, vindo de quem entregou as entranhas a Wall Street e ao Pentágono, soaram como sina os versos que, com Mandela na Ilha de Robben, eram altivez: “eu sou o mestre do meu destino/ eu sou o capitão de minha alma”.

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