quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Madiba jamais esqueceu os amigos da primeira hora: Fidel, Muamar Kadafi, Arafat e Ben Bella

 Delegações do mundo inteiro no adeus ao gigante Mandela
Organizador da luta armada contra o apartheid e artífice do isolamento e derrota do regime racista, Nelson Mandela se tornou presidente da África do Sul de todas as cores depois de 27 anos de cárcere
Com a presença de delegações do mundo inteiro, a África do Sul se despede de Nelson Mandela, o gigante que encabeçou a luta de décadas para pôr abaixo o odioso regime do apartheid, libertar os negros – e, em consequência, também os brancos - e fundar uma nação livre e multirracial. Nestes dias, o brado que ensinou à sua gente “Amandla” (“Poder!”) – respondido pelas multidões “Para o povo!” - ecoará, de novo, por todo o país.
Chamado carinhosamente por seu povo de “Madiba” – o nome de seu clã – e “Tata” (Pai, na língua Xhosa), pai da nova pátria que fundou, o primeiro presidente negro da África do Sul faleceu na última quinta-feira, dia 5, aos 95 anos, e receberá emocionadas homenagens, a principal delas no estádio de Soweto, nesta terça-feira, dia 10, e o enterro será no domingo, dia 15, na sua vila natal de Qunu. O Brasil está representado pela presidente Dilma que está acompanhada pelos ex-presidentes Lula, Sarney, FHC e Collor.
A luta que Mandela travou foi tão profunda que, hoje, ele é praticamente uma unanimidade, e até os imperialistas, que tanto o combateram, hipocritamente alegam ser seus “herdeiros”. Embora, até 2008, ainda estivesse na lista de “terroristas” mantida pelo Departamento de Segurança Interna dos EUA nos aeroportos e haja sido entregue ao regime racista pela própria CIA, e nos bons tempos de Madame Thatcher cartazes do Partido conservador pedissem seu “enforcamento”. Reagan também não escondia seu entusiasmo pelo regime de Pretória “que sempre nos apóia em todas as nossas guerras”.
Foi um dos maiores revolucionários de uma era de libertação no continente africano, que gerou mártires do porte de Patrice Lumumba. Mandela, ao lado de Walter Sisulu, Oliver Tambo e Joe Slovo – este, um branco -, foi o responsável pela organização da luta armada contra o apartheid, através da constituição da “Umkhonto we Sizwe” (Lança da Nação), decisão tomada após o massacre de Shapperville em 1960 e do regime colocar o Congresso Nacional Africano, que existia desde 1912, na ilegalidade.
JULGAMENTO DE RIVÔNIA
No “Julgamento de Rivônia” em 1964 – tal como Fidel fizera uma década antes com seu “A História Me Absolverá” -, diante do tribunal do apartheid, Mandela não somente assumiu a responsabilidade pela decisão de organizar a luta armada como, com uma impressionante precisão, explica aos juízes racistas que era preciso travar a luta armada, não apenas porque todos os caminhos legais haviam sido barrados pela ditadura racista, mas também no interesse de dar uma alternativa à maioria e evitar uma guerra civil que geraria um ódio interracial que levaria muitos anos para superar e inviabilizaria a estratégia do CNA de uma sociedade multirracial.
Nessa formulação, está a raiz de todo o processo de reconciliação que ele, muitos anos à frente, iria liderar. Após falar por quatro horas, ele concluiu com as seguintes palavras: “Durante a minha vida, dediquei-me a essa luta do povo africano. Lutei contra a dominação branca, lutei contra a dominação negra. Acalentei o ideal de uma sociedade livre e democrática, onde pessoas vivam juntas em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal para o qual espero viver e realizar. Mas, se for preciso, é um ideal pelo qual estou disposto a morrer”. Foi condenado, junto com seus companheiros, à prisão perpétua, e passaria 27 anos no cárcere. Durante 18 anos, ficou na Ilha de Robben, num cubículo de um metro por dois, recebendo duas visitas por ano e fazendo trabalhos forçados. Não pôde ver a esposa Winnie por 15 anos.
Pelo menos em duas vezes, o regime racista ofereceu a Mandela a liberdade em troca de abandonar a luta armada, e ele se recusou. A primeira, em 1976, depois do massacre de Soweto – a revolta contra a imposição à maioria negra da língua africâner dos opressores. Na segunda vez, em 1985, o regime ofereceu libertá-lo desde que fosse viver exilado num bantustão. Em carta enviada à esposa, Winnie, ele afirmou que “passamos essa última parte de nossa vida na prisão exatamente porque nos opomos à idéia mesma de assentamentos separados, que nos torna estrangeiros em nosso país, e que permite ao governo perpetuar a opressão até os dias de hoje”. Em recado ao presidente do apartheid, ele disse que “quem deve renunciar à violência é o Botha. Que diga que vai acabar com o apartheid”.
SÍMBOLO
No cárcere, Mandela se tornou o símbolo da resistência ao apartheid, e ganhou projeção internacional. Graças ao apoio dos países socialistas e do Movimento dos Países Não Alinhados, a ONU condenou o regime racista e foram estabelecidas sanções. Apesar do apoio imperialista, o regime foi ficando cada vez mais isolado. Quando ele completa 70 anos em junho de 1988, show em Wembley o homenageia e é visto por 500 milhões de pessoas pela televisão.
Nesse mesmo ano, as forças invasoras sul-africanas são derrotadas pelas tropas cubanas e angolanas na batalha de Cuito Cuanavale, o que garante a independência de Angola, torna inevitável a libertação da Namíbia e marca o início do colapso do apartheid. Ao saber do resultado da batalha, do cárcere Mandela escreveu sobre a “Stalingrado africana”, apontando-a como “o ponto de inflexão para a libertação do nosso continente, e de meu povo, do flagelo do apartheid”.
Em conseqüência, o regime se dispõe, afinal, em negociar, e chama Mandela. Em fevereiro de 1990, o CNA é legalizado e Mandela é libertado; em junho são abolidas as leis segregacionistas que restavam. Forças do antigo regime ainda tentaram reverter a situação por meio de repetidos massacres através de antigos colaboracionistas e de manobras separatistas, mas o CNA, com a liderança de Mandela, conseguiu levar adiante a transição e em eleições em que multidões fizeram filas no país inteiro para votar ele foi eleito em 1994 presidente da nova África do Sul. Como Mandela afirmara, “ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor da sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião, para odiar é preciso aprender, se podem aprender a odiar, as pessoas também podem aprender a amar”. 


 Mandela jamais esqueceu aqueles que desde a primeira hora apoiaram sua luta, como Fidel, Arafat, Kadafi e Ben Bella. Sua primeira visita, assim que foi libertado da prisão, foi à Argélia, pais que apoiou a luta do CNA e estabeleceu campos de treinamento da “Lança da Nação”, quando lembrou que foi “o primeiro sul-africano treinado militarmente na Argélia”. Em 1962, ele esteve lá e foi recebido pelo presidente Ben Bella. Aos amigos argelinos, ele agradeceu: “Foi a Argélia que fez de mim um homem. Sou argelino, sou árabe, sou muçulmano”.
Sobre o presidente líbio, Mandela disse certa vez que “aqueles que se irritam com nossa amizade com o presidente Kadafi podem pular na piscina”. No pior momento da história da África do Sul, não faltou a generosa ajuda do líder líbio aos combatentes antiapartheid. Inclusive um dos netos de Mandela se chama Kadafi. Em maio de 1990, Mandela visitou Kadafi em Trípoli, para agradecer o apoio à luta de libertação sul-africana, e esteve com ele na residência que Reagan bombardeou em 1986. Ele assinalou, ainda, que “é nosso dever dar apoio ao líder irmão, especialmente frente às sanções”.
Mandela nunca escondeu sua admiração por Che Guevara, cuja vida, afirmou, “é uma inspiração para todo ser humano que ame a liberdade”. Em sua visita a Havana em 1991, ele intimou Fidel calorosamente: “você ainda não veio ao nosso país. Quando virá?”. Mandela disse, ainda, que “admiramos os sacrifícios do povo cubano na manutenção da sua independência e soberania em face da cruel campanha imperialista orquestrada para destruir os ganhos impressionantes feitos na Revolução Cubana”. Em sua posse em 1994, Mandela, ao receber o revolucionário cubano, que “o que Fidel fez por nós é difícil de descrever em palavras”. “Na luta contra o apartheid, ele não hesitou em nos dar toda a ajuda necessária. Agora que estamos livres, temos muitos médicos cubanos trabalhando em nosso país”.
Apenas duas semanas após ser libertado da prisão, Mandela se encontrou com o presidente palestino Yasser Arafat, recebido com um afetuoso abraço. “Há muitas similaridades entre nossa luta e a da OLP”, ele afirmou. “Nós vivemos sob uma forma única de colonialismo na África do Sul, assim como ocorre em Israel”. Ele acrescentou que “nossa libertação está incompleta sem a libertação dos palestinos” e assinalou que Israel “deve se retirar de todas as áreas que conquistou dos árabes em 1967, e em particular, deve se retirar completamente das colinas de Golan, do sul do Líbano e da Cisjordânia”. Enquanto a OLP apoiou a luta do CNA, o regime sionista juntou forças ao seu irmão siamês sul-africano, ao qual forneceu armas.
 ANTONIO PIMENTA
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