sábado, 17 de março de 2012

Múlti engana índios e compra direitos sobre terras brasileiras


A empresa irlandesa Celestial Green Ventures se apresenta em seu site como líder mundial de créditos de carbono. Por estes créditos, a multinacional afirma que já assinou 17 contratos na Amazônia, com municípios, proprietários de terra e comunidades indígenas. Entre essas comunidades, estão as etnias Parintintin, no Amazonas, Karipuna, no Amapá, e Munduruku, no Pará. Somente com essa última, o contrato totaliza US$ 120 milhões, por um período de 30 anos. O negócio garante à empresa “direitos” sobre a biodiversidade, acesso irrestrito à terra indígena, com 2,3 milhões de hectares, e impede que os índios plantem ou extraiam madeira. Qualquer intervenção dos índios necessita aval prévio da empresa irlandesa.

Do total dos contratos, a Celestial Green diz que tem direito a créditos de carbono de 20 milhões de hectares na Amazônia brasileira, em um território equivalente aos da Suíça e Áustria, somados. Os 17 projetos, segundo a empresa, têm potencial para gerar 6 bilhões de toneladas de créditos de carbono.

Para o presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), Márcio Meira, esses contratos não têm validade jurídica. “Não existe, no Brasil, regulamentação sobre Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (Reed). Por isso, esses contratos não tem validade jurídica. Consequentemente, todo o crédito de carbono que está sendo colocado à venda não tem validade alguma. É moeda podre”, alertou Meira.

Segundo o antropólogo Miguel Aparicio, coordenador do Programa Operação Amazônia Nativa, o caso dos Munduruku “é uma manifestação aberta da postura dos ‘biopiratas do carbono’. As cláusulas ignoram o direito indígena de usufruto exclusivo sobre suas terras, reconhecido pela Constituição Federal. O contrato proposto merece a intervenção urgente do poder público brasileiro”.

O procurador Cláudio Henrique Dias, do Ministério Público Federal de Santarém, abriu um procedimento administrativo para investigar o caso. Ele pediu a cópia do contrato à Associação Pussuru, que representa os Munduruku, e acionou a Fundação Nacional do Índio (Funai).

No caso dos Mundurukus, por exemplo, o contrato estabelece que os índios deixariam de receber o pagamento caso não submetessem suas atividades ao crivo da Celestial Green: “O proprietário compromete-se a manter a propriedade em conformidade com as metodologias estabelecidas pela empresa”. A ilegalidade é flagrante. Primeiro que o proprietário das terras não são os índios, mas a União. Segundo, a terra homologada é para uso exclusivo dos indígenas. Mas, o contrato diz que a empresa estrangeira é quem determina o que se deve e o que não se deve fazer. Além disso, o contrato assinado pelos mundurucus dá à empresa a “totalidade” dos direitos sobre os créditos de carbono e “todos os direitos de certificados ou benefícios que se venha a obter por meio da biodiversidade dessa área”.

“Não poderemos fazer uma roça nem derrubar um pé de árvore”, denunciou o índio mundurucu Roberto Cruxi, vice-prefeito de Jacareacanga (PA), contrário ao acordo. Ele disse o contrato foi assinado por algumas lideranças, sem aprovação da maioria dos índios. Conforme com o cacique Osmarino Manhoari Munduruku, “ele [representante da Celestial Green] mandou o papel para associação. Nós vimos que, onde esse projeto tá, não pode fazer roça, nem caçar, nem pescar. Hoje estamos acostumados de plantar mandioca, batata, cana, batata doce, banana. A gente pesca, caça, tira madeira quando precisa.

Mas eles dizem que não podia mais, eles mesmos iam dar o dinheiro para comprar os alimentos. E os indígenas não pode mais fazer nada, nada, nada. Aí a maioria achou que não é certo”.

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