sábado, 3 de agosto de 2013

80% dos adultos nos EUA estão à beira da pobreza e do desemprego


O artigo abaixo, da jornalista Hope Yen, foi publicado no último dia 28 pela revista "Salon" e por "The Huffington Post". A tradução que apresentamos hoje é inteiramente de nossa responsabilidade.
Há, nos países periféricos – nos países espoliados pelo imperialismo – um frequente endeusamento da metrópole. Howard Fast, nas páginas iniciais de Spartacus, satirizou implacavelmente essa espécie de estupidez, na figura de um ridículo capacho, um não-romano que louva muito mais as supostas virtudes de Roma do que os romanos com quem conversa. Essas virtudes romanas, essencialmente, se resumem a uma: a força.
Não elencaremos aqui as coisas ridículas que alguns propalam sobre os EUA. Mas o artigo de Hope Yen, ao comentar uma pesquisa realizada pelo instituto alemão GfK (Gesellschaft für Konsumforschung ou Growth from Knowledge – "Crescimento pelo Conhecimento") para a Associated Press, assim como dados de trabalhos acadêmicos e do último Censo dos EUA, tem o mérito de enfatizar a aflição constante dos que vivem nesse país. Se ainda existe quem acha que o modelo a seguir é esse, não é porque a realidade seja gloriosa – mas porque o cérebro dessas pessoas atingiu tal nível de esmagamento, que é difícil, embora não impossível, que voltem a pensar.
Talvez a autora não seja inteiramente precisa na relação entre classe e raça – duas categorias que muitas vezes se superpõem nos EUA. Mas seu principal interesse é expor como, nos últimos anos, os próprios brancos norte-americanos caíram em direção ao fundo da vala comum da miséria. O foco, bem entendido, não é o aumento da pobreza entre os brancos, mas o aumento do risco de pobreza – ou da "insegurança econômica" - no conjunto da população dos EUA, sobretudo entre os brancos. Essa aflição permanente é o estado normal das pessoas sob o regime dos monopólios financeiros, sobretudo quando há uma crise.
Hope Yen não é uma autora "de esquerda" - apesar do artigo que reproduzimos ter provocado alguns vagidos furiosos na direita financista norte-americana -, mas uma integrante do staff da Associated Press. Certamente, há vida inteligente nos mais surpreendentes lugares.
C.L.
HOPE YEN
WASHINGTON — Quatro de cada 5 adultos dos Estados Unidos lutam contra o desemprego, estão à beira da pobreza ou da dependência da assistência social em, pelo menos, parte das suas vidas - um sinal da deterioração da segurança econômica e de um sonho americano impossível de descrever.
Os dados de uma pesquisa exclusiva realizada para a Associated Press (AP) apontam, como causas dessa tendência, uma economia norte-americana cada vez mais globalizada, um abismo cada vez maior entre ricos e pobres e a perda de bem remunerados empregos industriais.
Os resultados aparecem no momento em que o presidente Barack Obama tenta renovar a ênfase de seu governo na economia, dizendo, em discursos recentes, que a sua prioridade mais alta é "reconstruir escadas de oportunidade" e reverter a desigualdade de renda.
Como os não-brancos aproximam-se de ser a maioria numérica da população dos Estados Unidos, uma pergunta é: qual o melhor foco para os programas públicos com o objetivo de promover os menos favorecidos? Se este foco deve estar na ação afirmativa que historicamente tem tentado eliminar as barreiras raciais, vistas como o impedimento principal à igualdade econômica, ou, simplesmente, se o foco deve ser a melhoria da posição socioeconômica de todos, sem considerar a raça.
A miséria vem crescendo especialmente entre os brancos, como se pode ver com base em várias mensurações. O pessimismo entre aquele grupo racial sobre o futuro econômico de suas famílias subiu ao mais alto ponto desde, pelo menos, 1987. Na mais recente pesquisa AP-GfK, 63% dos brancos classificaram como "pobre" a economia.
"Eu acho que está ficando pior", disse Irene Salyers, de 52 anos, moradora no Condado de Buchanan, no Estado da Virgínia, uma decadente região carvoeira nos Apalaches. Casada e divorciada três vezes, Salyers, no momento, ajuda seu namorado a dirigir uma barraca de frutas e outros vegetais, mas isso não gera muita renda. A maior parte do que eles ganham vem dos cheques para incapacitados do governo.
"Se você insistir em conseguir um emprego, não estão contratando pessoas, não pagam o bastante para ir nem mesmo até o trabalho", disse ela. Os filhos, ela disse, não têm "nada melhor para fazer do que ir atrás de drogas".
Enquanto as minorias raciais e étnicas têm mais probabilidade de viver na pobreza, as disparidades de raça na taxa de pobreza estreitaram-se substancialmente desde os anos 70, demonstram os dados do Censo. A insegurança econômica entre os brancos também é mais penetrante do que mostram os dados de pobreza do governo, engolfando mais de 76% dos adultos brancos quando estão por volta dos 60 anos, segundo uma nova mensuração econômica, que será publicada no próximo ano pela Oxford University Press.
A mensuração define "insegurança econômica" como a experiência de desemprego em algum momento da vida profissional ou um ano e acima vivendo da ajuda do governo, como ‘food stamps’ [ajuda alimentar], ou como rendimento abaixo de 150% da linha de pobreza. Medida em todas as raças, o risco de insegurança econômica aumenta para 79%.
As taxas de casamento são declinantes em todas as raças, e o número de casas encabeçadas por mães brancas que vivem na pobreza aumentou para o mesmo nível das [de mães] negras [que vivem na pobreza].
"É tempo dos Estados Unidos começarem a entender que muitas das maiores disparidades nacionais, da educação e expectativa de vida até a pobreza, são cada vez mais devido à posição de classe econômica", disse William Julius Wilson, um professor de Harvard que se especializou em raça e pobreza. Ele observou que, apesar da continuação das dificuldades econômicas, as minorias têm mais otimismo sobre o futuro depois da eleição de Obama, ao contrário dos brancos que lutam contra as mesmas dificuldades.
"Existe a real possibilidade de que a alienação branca aumentará, se medidas não forem tomadas para colocar na berlinda e enfrentar a desigualdade em uma ampla frente", diz Wilson.
No conjunto do país, o número de pobres dos EUA permanece um recorde: 46,2 milhões, ou 15% da população, devido em parte à taxa de desemprego elevada que se seguiu à recessão. Enquanto as taxas de pobreza dos negros e hispânicos são cerca de três vezes mais altas, em números absolutos a face predominante do pobre é branca.
Mais de 19 milhões de brancos caíram abaixo da linha de pobreza de US$ 23.021 para uma família de quatro pessoas, atingindo mais de 41% dos despossuídos do país, quase o dobro do número de negros que caíram abaixo da linha de pobreza.
Às vezes chamado "o pobre invisível" pelos demógrafos, os brancos de baixa renda geralmente estão dispersos em subúrbios, bem como em pequenas cidades rurais, onde mais de 60% dos pobres são brancos. Concentrados, no Leste, nos Apalaches, eles são numerosos no Meio-Oeste industrial e espalham-se através do coração dos Estados Unidos, do Missouri, Arkansas e até acima de Oklahoma, pelas Grandes Planícies.
O Condado de Buchanan, no sudoeste da Virgínia, está entre os mais destituídos do país em média de renda, com a pobreza pairando em 24% da população. O condado é, na maior parte, branco, como são 99% dos seus pobres.
Mais de 90% dos habitantes do Condado de Buchanan são brancos da classe operária, a quem falta um diploma universitário. Lá, a educação superior, por muito tempo, foi vista como dispensável para arranjar um emprego, porque a mineração, que era bem remunerada, assim como os empregos correlacionados, estiveram uma vez em abundante oferta. Nos dias atuais, muitos moradores viram-se com biscates e cheques do governo.
A filha de Salyers, Renee Adams, de 28 anos, que cresceu na região, tem dois filhos. Uma desempregada mãe solteira, ela é sustentada pelos cheques por incapacidade do namorado. Salyers diz que foi difícil criar os próprios filhos, como está sendo para a sua filha agora, e tenta nem mesmo especular sobre o que espera os seus netos, de 4 e 5 anos.
Fumando um cigarro em frente da barraca, Adams mais tarde expressa o desejo de que os patrões olharão para além da sua condenação, há alguns anos, por traficar analgésicos de prescrição obrigatória, logo, ela poderá conseguir um emprego e ter dinheiro para "comprar para as crianças tudo que elas precisam".
"É bastante difícil", diz ela. "Depois que as contas são pagas, podemos ter uns 10 dólares para nós".
Os números do Censo fornecem uma medida oficial da pobreza, mas são apenas um instantâneo temporário, que não captura o movimento daqueles que ciclicamente entram e saem da pobreza em diferentes pontos de suas vidas. Eles podem ser moradores de subúrbio, por exemplo, ou o trabalhador pobre ou o demitido.
Em 2011, esse instantâneo mostrou que 12,6% dos adultos, em seus principais anos de trabalho, de 25 a 60 anos, viviam na pobreza. Mas, medido quanto ao risco no tempo de vida de uma pessoa, um número muito mais alto – 4 em 10 adultos – caiu na pobreza por, pelo menos, um ano das suas vidas.
Os riscos de pobreza também estiveram aumentando nas últimas décadas, particularmente entre pessoas com idade entre 35 a 55 anos, coincidindo com a ampliação da desigualdade de renda. Por exemplo, pessoas com idade entre 35 e 45 anos tiveram um risco de 17% de enfrentar a pobreza no período que vai de 1969 a 1989; esse risco aumentou para 23% no período 1989-2009. Para as idades de 45 a 55 anos, o risco de pobreza saltou de 11,8% para 17,7%.
As recentes taxas mais altas de desemprego significam que o risco de experimentar insegurança econômica na vida é, agora, mesmo mais alto: 79%, ou 4 em 5 adultos, quando estão por volta dos 60 anos.
Por raça, os não-brancos ainda têm um mais alto risco de serem economicamente inseguros, em 90%. Mas, comparado com a taxa oficial de pobreza, alguns dos maiores saltos sob a mais nova mensuração estão entre os brancos, com mais de 76% alternando períodos de desemprego, vida em prosperidade ou perto da pobreza.
Até 2030, se a tendência atual de ampliação da desigualdade de renda continuar, cerca de 85% de todos os adultos em idade de trabalho nos Estados Unidos experimentará as aflições da insegurança econômica.
"A pobreza não é mais uma questão ‘deles’, é uma questão de ‘nós’", diz Mark Rank, um professor na Universidade de Washington em St. Louis que calculou os números. "Só quando a pobreza é pensada como um evento dominante, e não como uma experiência marginal que somente afeta negros e hispânicos, podemos realmente começar a construir o mais amplo apoio para programas que socorram as pessoas em necessidade".
Os números vêm da análise de Rank que está sendo publicada pela Oxford University Press. Eles são complementados com entrevistas e cifras fornecidas à AP por Tom Hirschl, um professor da Universidade de Cornell; John Iceland, um professor de sociologia na Penn State University; o Carsey Institute da University of New Hampshire; o Census Bureau; e pelo Population Reference Bureau.
Entre os resultados:
Pela primeira vez desde 1975, o número de lares de mães solteiras brancas que vivem na pobreza com crianças, sobrepujou ou igualou as famílias de mães solteiras negras, esporeado pelas perdas de emprego e taxas mais rápidas de nascimentos fora-do-casamento entre os brancos. As famílias de mães solteiras brancas na pobreza chegaram a quase 1,5 milhões em 2011, comparável com o número de famílias de mães solteiras negras. As famílias de mães solteiras hispânicas na pobreza caminharam para 1,2 milhões.
Desde 2000, a taxa de pobreza entre os brancos da classe operária tem crescido mais rapidamente do que entre os não-brancos da classe operária, aumentando 3 pontos percentuais, para 11%. A recessão cobrou um preço maior entre os trabalhadores de salário mais baixo. Ainda, a pobreza entre os não-brancos da classe operária permanece mais alta, em 23%.
A percentagem de crianças que vivem em bairros muito pobres, aqueles com taxas de pobreza de 30% ou mais, aumentou para uma em cada 10, colocando-as em maior risco de gravidez na adolescência e abandono da escola. Os brancos não-hispânicos foram responsáveis por 17% da população infantil em tais bairros, comparada com 13% em 2000, apesar da percentagem global de crianças brancas nos Estados Unidos ter diminuído.
A percentagem de crianças negras em bairros muito pobres caiu de 43% para 37%, enquanto a parcela de crianças latinas foi de 38% para 39%.
As disparidades de raça na saúde e na educação foram geralmente estreitadas desde a década de 60. Apesar da segregação residencial continuar elevada, pela primeira vez, agora, uma típica pessoa negra pode viver em um bairro com não-maioria de negros. Estudos anteriores mostraram que a riqueza é um melhor prognosticador de resultados nos testes padronizados que a raça; a lacuna, nos testes padronizados, entre estudantes de baixa renda e estudantes ricos é agora quase o dobro do fosso entre negros e brancos.
Voltando à década de 80, nunca os brancos foram tão pessimistas sobre seu futuro, de acordo com o General Social Survey, uma pesquisa semestral realizada pela NORC [National Opinion Research Center] da Universidade de Chicago. Apenas 45% dizem que sua família terá uma boa chance de melhorar sua posição econômica com base na maneira como as coisas são nos Estados Unidos.
A divisão é especialmente evidente entre os brancos que se auto-identificam como classe trabalhadora. 49% dizem que pensam que seus filhos vão ter uma vida melhor que a sua, em comparação com 67% dos não-brancos que se consideram classe trabalhadora, mesmo que a situação econômica das minorias seja tendente a piorar.
Apesar de ser um grupo cada vez menor, os brancos da classe trabalhadora – definidos como aqueles a quem falta um diploma universitário – permanecem o maior bloco demográfico da população em idade ativa. Em 2012, no dia das eleições, as sondagens realizadas para a AP e as redes de televisão mostraram que os brancos da classe trabalhadora compunham 36% do eleitorado, mesmo com uma queda notável na participação dos eleitores brancos.
Em novembro passado, Obama ganhou os votos de apenas 36% dos brancos sem educação universitária, o pior desempenho de qualquer candidato democrata entre esse grupo, desde a esmagadora vitória de Reagan, em 1984, sobre Walter Mondale.
Alguns analistas democratas pediram esforços renovados para trazer os brancos da classe trabalhadora, chamando-os de um potencial "grupo de eleitores com peso decisivo na balança eleitoral" se a minoria e a participação da juventude nivelarem as eleições no futuro. "Em 2016, a mensagem do Partido Republicano será muito mais focada em expressar preocupação pela ‘classe média’ e pela ‘média dos americanos’", escreveram recentemente Andrew Levison e Ruy Teixeira em The New Republic.
"Eles não confiam num governo grande, mas isso não significa que eles querem nenhum governo", diz o pesquisador republicano Ed Goeas, que concorda que os brancos da classe trabalhadora continuarão a ser um importante grupo eleitoral. Sua pesquisa descobriu que muitos deles iriam apoiar programas de combate à pobreza, se amplamente focados em treinamento de trabalho e investimentos na infraestrutura. Na semana passada, Obama prometeu novamente ajudar os industriais a trazerem empregos para os Estados Unidos e criar postos de trabalho nos setores de energia eólica, solar e gás natural.

"Eles sentem que os políticos estão dando atenção a outras pessoas e não a eles", disse Goeas.

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