domingo, 27 de setembro de 2009

Modelo de agências regulatórias mostra seu limite

Modelo de agências regulatórias mostra seu limite



CARLOS DRUMMOND



Menos governo nos negócios e mais negócios no governo está entre as máximas prediletas dos conservadores, não só nos Estados Unidos. Nesse modo de pensar um tanto fora de moda, mas todo-poderoso e sem perspectiva de deixar de sê-lo, o máximo que se aceita é a autorregulação. Mas autorregulação é, como observou o prêmio Nobel Joseph Stiglitz, um oxímoro, isto é, uma contradição insuperável existente em uma combinação de palavras com sentidos opostos. Negócios controlarem a si próprios é algo tão implausível como uma claridade obscura, ou uma música silenciosa. Em resumo, iniciativa privada não se regula.

Entretanto, encontrou-se uma maneira de dar a impressão de que as atividades privadas são, sim, perfeitamente controláveis e controladas. A dica de como realizar essa prestidigitação surgiu em uma carta escrita em 1892 pelo advogado dos donos de ferrovias Richard Olney, escolhido como advogado geral do governo dos Estados Unidos por Grover Cleveland, tido como o presidente democrata que mais favoreceu os negócios. Dedicadíssimo aos interesses dos patrões proprietários das estradas de ferro, Olney procurou se assegurar de que em seu novo posto continuaria defendendo os interesses das ferrovias. Em seu currículo exibia a explosão de parte da lei antitruste Sherman. Pouco antes de assumir o posto no governo, o seu antigo patrão do cartel das ferrovias escreveu-lhe a propósito da necessidade de abolir a Interstate Commerce Commission, primeira agência regulatória Americana, criada em 1887. Asfixie-a no berço, disse-lhe seu ex-patrão. Mas o advogado matreiro negou-se a atender ao pedido e justificou sua atitude em uma carta que ficou famosa.

"A Comissão - escreveu Olney -, com as suas funções limitadas pela justiça, é, ou pode tornar-se muito útil às ferrovias. Ela atende ao clamor popular por uma supervisão governamental das ferrovias, ao mesmo tempo que esta supervisão é quase que totalmente pró-forma. Além de que, à medida que o tempo passar, maior será a sua tendência a assumir o ponto de vista dos negócios e das ferrovias. Desse modo ela se tornará uma espécie de barreira entre as ferrovias e o povo e uma proteção contra leis intempestivas e toscas hostis aos interesses dos donos das ferrovias. A sabedoria está não em destruir a ICC, mas em utilizá-la".

A estratégia de Olney tornou-se a prática padrão dos conservadores na área de regulação. Com o New Deal de Franklin Roosevelt, nos anos 1930, houve um aumento da quantidade e um fortalecimento das agências reguladoras. Ao longo dos governos de Ronald Reagan, Bill Clinton - considerado o presidente democrata mais favorável aos empresários desde Grover Cleveland - e George W. Bush, retomou-se a estratégia de Olney. Com um aperfeiçoamento: aniquilou-se, por meio de lobbies cada vez mais poderosos, todo e qualquer ato de regulação, mas deixou-se as agências regulatórias intactas, aparentemente fazendo o seu trabalho.

Desprestigiadas na sociedade e vistas como instrumento de legitimação das ações das empresas, como vislumbrava Olney, as agências americanas foram, estranhamente, tomadas como modelo das agências regulatórias brasileiras, criadas na esteira das privatizações. Sem independência em relação ao legislativo e ao judiciário e com independência relativa diante do executivo, têm sancionado, por omissão ou ação tardia, colapsos recentes em áreas essenciais ao funcionamento da sociedade.

Carlos Drummond é jornalista. Coordena o Curso de Jornalismo da Facamp. O artigo foi publicado no site Terra Magazine

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