quarta-feira, 19 de setembro de 2012

“Desoneração da folha” ataca previdência dos trabalhadores


Legislação está sendo modificada através de MP

Na quinta-feira, o Ministério da Fazenda aumentou de 15 para 40 os setores que vão deixar de recolher a contribuição patronal para a Previdência em cima da folha de pagamento, em troca de um desconto de 1% (no caso da indústria) ou 2% do faturamento (no caso dos serviços). Dentro desses 40 setores estão 25,4% da indústria interna - ou, para ser mais preciso, os setores industriais incluídos produzem 25,4% do valor bruto da produção industrial do país.

Um empresário do setor têxtil observou que em fevereiro o governo declarava que a substituição da contribuição patronal pelo desconto no faturamento era um “teste”. Sem que houvesse qualquer rediscussão, é agora política oficial.

Os trabalhadores, há muito, discutiam uma substituição da contribuição sobre a folha por uma contribuição sobre o faturamento como meio de aumentar a arrecadação da Previdência com maior justiça econômica e social (por exemplo, os bancos, que empregam pouco em relação ao faturamento, contribuem miseravelmente para a Previdência; a contribuição sobre o faturamento resolveria esse problema).

No entanto, a proposta do governo de suposta “desoneração da folha de pagamento” tem como objetivo diminuir a arrecadação para a Previdência, não aumentá-la.

Mas, por que isso é uma “desoneração”, quando essa contribuição não pertence nem ao Estado, mas aos trabalhadores, por força de contrato? Aliás, onde está o respeito aos contratos, caramba?!

O problema é que há certo tipo de sujeito para quem os direitos são um ônus, e não uma conquista da civilização, sem a qual a economia brasileira afundaria por falta de consumidores – daí falar-se em “desoneração”, da mesma forma que se elogia o “espírito animal” dos empresários, e, talvez, daqui a pouco, a “universalidade” dos hunos, que matavam tanto romanos quanto outros bárbaros.

Mas, voltemos ao nosso problema: enquanto as previsões de crescimento continuam caindo (para 1,57%, na mediana do Boletim Focus – o que quer dizer que 50% das previsões estão abaixo disso) e o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), em julho, ficou em 0,72% no ano, a única política econômica são essas “desonerações”. Quanto à nova superemissão de dólares dos EUA, agora por tempo infinito (v. página 7), nenhuma providência para enfrentar esse terceiro tsunami monetário, exceto declarações de que o governo não vai permitir isso ou aquilo – oremos, irmãos, para que desta vez sejam sérias essas intenções.

O anúncio de Mantega foi acompanhado pela costumeira badalação dos “comentaristas” – os mesmos que chamaram de “inteligente” à truculenta superemissão dos EUA – e de alguns empresários, mas nem todos. Por exemplo, eis o que disse o empresário Emanuel José de Viveiros Teixeira, dono da Metalmech, localizada em Mauá, diretor da regional Santo André do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP), e homem conhecido por não desprezar vantagens competitivas:

“... se não for uma empresa com muitos funcionários e que ganhem bem, não há benefício. Um empresário que recolha 20% sobre uma folha de R$ 50 mil paga R$ 10 mil ao governo. Com 1% sobre faturamento de R$ 2 milhões, vai pagar o dobro. Sem contar que os setores incluídos na lista não são os que produzem, mas para quem se vende. Se fabrico parafuso para autopeças e caixões, tenho que separar o quanto do meu faturamento provém das autopeças e recolher 1%. Do restante, sigo pagando 20% sobre a folha de pagamento. Com isso, os gastos com contador aumentam”.

Teixeira conhece a situação das empresas industriais nacionais no ABCD paulista – não está se referindo a um caso hipotético ou meramente teórico.

Já o presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), Synésio Batista, não viu grande importância na “desoneração” em si. Preferiu destacar que a alíquota de 1% (sobre o faturamento, isto é, sobre as vendas) também será cobrada sobre os importados, o que, realmente, é um ponto positivo (aliás, poderia ser mais a alíquota sobre os importados, se não houvesse no governo alguns alérgicos à proteção da indústria nacional, portanto, protetores da indústria dos outros).

Da mesma forma, “entre as empresas mais prejudicadas estão as pequenas de serviços de TI (Tecnologia da Informação) em que os sócios prestam eles mesmos os serviços aos clientes”. Ao todo, existem no país 9.000 empresas nacionais de TI, a maior parte, pequenas.

Mas, então, que empresas estão sendo beneficiadas com as “desonerações” da Previdência? Basicamente, as multinacionais – no entanto, é forçoso reconhecer, nem todas. Apenas aquelas em que o valor da folha de pagamento for mais que 5% do valor do faturamento.

Logo, cabe perguntar: que imbroglio é esse que, apresentado como medida pró-crescimento, já virou medida contra a inflação (ou o inverso – nesse caso, tanto faz), e não consegue ter apoio nem de todos os empresários (apesar destes não constituírem a classe social que mais adora pagar impostos)?

A resposta pode ser simples e breve: a legislação sobre a Previdência, matéria constitucional (artigo 195 da Constituição), está sendo modificada via medidas provisórias, sem nenhuma discussão no Congresso, ou com o conjunto dos empresários, e muito menos com os trabalhadores.

Do ponto de vista dos empresários, não há vantagem se o desconto sobre o faturamento for, em valor, igual ou maior que a contribuição sobre a folha de pagamento. Logo, supõe-se que esse desconto seja menor, em valor, que a contribuição sobre a folha. Como a Previdência pública poderá aguentar essa queda em seus recursos?

Segundo o governo, o Tesouro reporá a diferença. Em agosto, começaram os problemas:

O Tesouro Nacional ainda não repassou, à Previdência, o valor equivalente ao pagamento de benefícios previdenciários com a desoneração da folha de pagamentos concedida dentro do Plano Brasil Maior, informou o ministro da Pasta, Garibaldi Alves Filho. Segundo a Previdência, o valor somado este ano já acumula R$ 1,2 bilhão, levando-se em conta apenas os setores ligados à informática e a móveis, confecções e artefatos em couro” (OESP, 28/08/2012).

Não vamos prever aonde chegará esse tipo de problema, se os trabalhadores não impedirem que continue. Disse, na quinta-feira, o sr. Mantega: “estamos tirando a contribuição patronal de modo a preservar os salários” (grifo nosso).

Levada a sério, essa declaração significaria que o sr. Mantega quer sacrificar as aposentadorias dos idosos para manter os empregos de quem, em seguida, quando se aposentar, será também sacrificado. Mas é pouco provável que ele tenha pensado no que disse, porque não tem esse hábito.

A contribuição patronal também é dinheiro dos trabalhadores – é a contribuição dos empresários para as aposentadorias, já que seus lucros têm origem no trabalho de outros. Não são os trabalhadores, naturalmente, que impedem os empresários de lucrar. Ou, o que é dizer o mesmo, não são eles que oneram as empresas nacionais, espremidas por juros, taxas cambiais que subsidiam importados e favorecimento aberto às multinacionais nos financiamentos públicos.



CARLOS LOPES


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