terça-feira, 25 de novembro de 2014

GETULIO: A PRIMEIRA POSSE, 1930, E A RECUPERAÇÃO DO PAÍS



Em 3 de outubro de 1930, um pouco depois das cinco da tarde, começava a revolução que mudaria o país e definiria seu rumo nas três décadas seguintes.


Mesmo o golpe de 1964, deflagrado contra os ideais de 30, e a ditadura de 21 anos que se seguiu, não reverteria a maior parte do que o povo conquistou na sua grande revolução do século XX. O desastre da tentativa tucana de “acabar com a era Vargas” somente teria por consequência a intensa revalorização daquela revolução, especialmente do legado de seu líder, Getúlio Vargas, como absolutamente fundamental para os caminhos que o país precisa trilhar na retomada do desenvolvimento e na redenção de sua independência, iniciadas pelo governo Lula. A rigor, passados 80 anos, andamos ainda pela trilha aberta por aquela Revolução.

Em 1930, o podre governo da oligarquia cafeeira foi levado de roldão em um mês de luta. A 3 de novembro, Getúlio Vargas entrava no Palácio do Catete, na então capital federal, o Rio de Janeiro.

Alguns historiadores notaram que, em meio à azáfama daquele dia, a posse de Getúlio não foi registrada no livro de posse da Presidência – o único caso, em 120 anos de República. Mas ela não necessitava disso, pois as ruas dispensaram tal formalidade. Ninguém, exceto os poucos carcomidos apeados do poder, contestavam a legalidade, muito menos a legitimidade, daquele governo.

O antecessor - aquele Washington Luiz para o qual “a questão social é um caso de polícia”, para o qual o Brasil nada tinha a fazer senão esperar que a crise dos países centrais, iniciada em 1929, passasse, para que continuássemos a ser exportadores de sobremesas e importadores de produtos industriais - fora deposto no dia 24 de outubro, substituído por uma junta composta pelos ministros militares. No Nordeste, em oito Estados as oligarquias locais já estavam depostas do poder. Indo de Porto Alegre ao Rio com as forças revolucionárias, Getúlio, ainda em Ponta Grossa, no Paraná, recusa qualquer transigência com a junta – que, então, resolve aceitar a sua posse na Presidência. Ele, que se descrevia em seu diário como “o mais pacífico dos homens”, uma vez iniciado o movimento nacional e popular, levaria a revolução até o fim. Não havia outra forma de recuperar o país para si mesmo – ou seja, para o seu povo.

Nesta página, publicamos hoje o discurso de posse do presidente Getúlio, naquela tarde de novembro de 1930. É um dos maiores documentos da História do Brasil.  Algo do legado de nosso maior herói, o construtor do Brasil moderno.

Não por acaso, um homem até hoje odiado por todos os entreguistas, por todos os renegados, por todos os submissos aos poderes externos que ainda nos atrasam, por todos os que detestam o Brasil – em suma, por todos os lacerdas, fernando-henriques e serras, que, hoje, estão recebendo o repúdio que bem lhes cabe como pena pelos seus crimes contra a nação e o povo brasileiros.



GETÚLIO VARGAS

O movimento revolucionário, iniciado, vitoriosamente, a 3 de outubro, no Sul, Centro e Norte do País, e triunfante a 24, nesta Capital, foi a afirmação mais positiva que, até hoje, tivemos da nossa existência como nacionalidade. Em toda a nossa história política, não há, sob esse aspecto, acontecimento semelhante. Ele é, efetivamente, a expressão viva e palpitante da vontade do povo brasileiro, afinal senhor de seus destinos e supremo árbitro de suas finalidades coletivas.

No fundo e na forma, a Revolução escapou, por isso mesmo, ao exclusivismo de determinadas classes. Nem os elementos civis venceram as classes armadas, nem estas impuseram àqueles o fato consumado. Todas as categorias sociais, de alto a baixo, sem diferença de idade ou de sexo, comungaram em um idêntico pensamento fraterno e dominador: - a construção de uma Pátria nova, igualmente acolhedora para grandes e pequenos, aberta à colaboração de todos os seus filhos.

O Rio Grande do Sul, ao transpor as suas fronteiras, rumo a Itararé, já trazia consigo mais da metade do nosso glorioso Exército. Por toda parte, como, mais tarde, na Capital da República, a alma popular confraternizava com os representantes das classes armadas, em admirável unidade de sentimentos e aspirações.

Realizamos, pois, um movimento eminentemente nacional.

Essa, a nossa maior satisfação, a nossa maior glória e a base invulnerável sobre que assenta a confiança de que estamos possuídos para a efetivação dos superiores objetivos da Revolução brasileira.

Quando, nesta cidade, as forças armadas e o povo depuseram o Governo Federal, o movimento regenerador já estava, virtualmente, triunfante em todo o País. A Nação, em armas, acorria de todos os pontos do território pátrio. No prazo de duas ou três semanas, as legiões do Norte, do Centro e do Sul bateriam às portas da Capital da República.

Não seria difícil prever o desfecho dessa marcha inevitável. À aproximação das forças libertadoras, o povo do Rio de Janeiro, de cujos sentimentos revolucionários ninguém poderia duvidar, se levantaria em massa, para bater, no seu último reduto, a prepotência inativa e vacilante.

Mas, era bem possível que o Governo, já em agonia, apegado às posições e teimando em manter uma autoridade inexistente de fato, tentasse sacrificar, nas chamas da luta fratricida, seus escassos e derradeiros amigos.

Compreendestes, senhores da Junta Governativa, a delicadeza da situação e, com os vossos valorosos auxiliares, desfechastes, patrioticamente, sobre o simulacro daquela autoridade claudicante o golpe de graça.

Os resultados benéficos dessa atitude constituem legítima credencial dos vossos sentimentos cívicos: integrastes definitivamente o restante das classes armadas na causa da Revolução; poupastes à Pátria sacrifícios maiores de vidas e recursos materiais, e resguardastes esta maravilhosa Capital de danos incalculáveis.

Justo é proclamar, entretanto, senhores da Junta Governativa, que não foram somente esses os motivos que assim vos levaram a proceder. Preponderava sobre eles o impulso superior do vosso pensamento, já irmanado ao da Revolução. Era vossa também a convicção de que só pelas armas seria possível restituir a liberdade ao povo brasileiro, sanear o ambiente moral da Pátria, livrando-a da camarilha que a explorava, arrancar a máscara de legalidade com que se rotulavam os maiores atentados à lei e à justiça - abater a hipocrisia, a farsa e o embuste. E, finalmente, era vossa também a convicção de que urgia substituir o regime de ficção democrática, em que vivíamos, por outro, de realidade e confiança.

Passado, agora, o momento das legítimas expansões pela vitória alcançada, precisamos refletir maduramente sobre a obra de reconstrução que nos cumpre realizar.

Para não defraudarmos a expectativa alentadora do povo brasileiro; para que este continue a nos dar seu apoio e colaboração, devemos estar à altura da missão que nos foi por ele confiada.

Ela é de iniludível responsabilidade.

Tenhamos a coragem de levá-la a seu termo definitivo, sem violências desnecessárias, mas sem contemplações de qualquer espécie.

O trabalho de reconstrução, que nos espera, não admite medidas contemporizadoras. Implica o reajustamento social e econômico de todos os rumos até aqui seguidos. Não tenhamos medo à verdade. Precisamos, por atos e não por palavras, cimentar a confiança da opinião pública no regime que se inicia. Comecemos por desmontar a máquina do filhotismo parasitário, com toda a sua descendência espúria. Para o exercício das funções públicas, não deve mais prevalecer o critério puramente político. Confiemo-las aos homens capazes e de reconhecida idoneidade moral. A vocação burocrática e a caça ao emprego público, em um país de imensas possibilidades - verdadeiro campo aberto a todas as iniciativas do trabalho - não se justificam. Esse, com o caciquismo eleitoral, são males que têm de ser combatidos tenazmente.

No terreno financeiro e econômico há toda uma ordem de providências essenciais a executar, desde a restauração do crédito público ao fortalecimento das fontes produtoras, abandonadas às suas dificuldades e asfixiadas sob o peso de tributações de exclusiva finalidade fiscal.

Resumindo as ideias centrais do nosso programa de reconstrução nacional, podemos destacar, como mais oportunas e de imediata utilidade:

1) concessão de anistia;

2) saneamento moral e físico, extirpando ou inutilizando os agentes de corrupção, por todos os meios adequados a uma campanha sistemática de defesa social e educação sanitária;

3) difusão intensiva do ensino público, principalmente técnico-profissional, estabelecendo, para isso, um sistema de estímulo e colaboração direta com os Estados. Para ambas as finalidades, justificar-se-ia a criação de um Ministério de Instrução e Saúde Pública, sem aumento de despesas;

4) instituição de um Conselho Consultivo, composto de individualidades eminentes, sinceramente integradas na corrente das ideias novas;

5) nomeação de comissões de sindicâncias, para apurarem a responsabilidade dos governos depostos e de seus agentes, relativamente ao emprego dos dinheiros públicos;

6) remodelação do Exército e da Armada, de acordo com as necessidades da defesa nacional;

7) reforma do sistema eleitoral, tendo em vista, precipuamente, a garantia do voto;

8) reorganização do aparelho judiciário, no sentido de tornar uma realidade a independência moral e material da magistratura, que terá competência para conhecer do processo eleitoral em todas as suas fases;

9) feita a reforma eleitoral, consultar a Nação sobre a escolha de seus representantes, com poderes amplos de constituintes, a fim de procederem à revisão do Estatuto Federal, melhor amparando as liberdades públicas e individuais e garantindo a autonomia dos Estados contra as violações do Governo central;

10) consolidação das normas administrativas, com o intuito de simplificar a confusa e complicada legislação vigorante, bem como de refundir os quadros do funcionalismo, que deverá ser reduzido ao indispensável, suprimindo-se os adidos e excedentes;

11) manter uma administração de rigorosa economia, cortando todas as despesas improdutivas e suntuárias - único meio eficiente de restaurar as nossas finanças e conseguir saldos orçamentários reais;

12) reorganização do Ministério da Agricultura, aparelho, atualmente, rígido e inoperante, para adaptá-lo às necessidades do problema agrícola brasileiro;

13) intensificar a produção pela policultura e adotar uma política internacional de aproximação econômica, facilitando o escoamento das nossas sobras exportáveis;

14) rever o sistema tributário, de modo a amparar a produção nacional, abandonando o protecionismo dispensado às indústrias artificiais, que não utilizam matéria-prima do País e mais contribuem para encarecer a vida e fomentar o contrabando;

15) instituir o Ministério do Trabalho, destinado a superintender a questão social, o amparo e a defesa do operariado urbano e rural;

16) promover, sem violência, a extinção progressiva do latifúndio, protegendo a organização da pequena propriedade, mediante a transferência direta de lotes de terras de cultura ao trabalhador agrícola, preferentemente ao nacional, estimulando-o a construir com as próprias mãos, em terra própria, o edifício de sua prosperidade;

17) organizar um plano geral, ferroviário e rodoviário, para todo o País, a fim de ser executado gradualmente, segundo as necessidades públicas e não ao sabor de interesses de ocasião.

Como vedes, temos vasto campo de ação, cujo perímetro pode, ainda, alargar-se em mais de um sentido, se nos for permitido desenvolver o máximo de nossas atividades.

Mas, para que tal aconteça, para que tudo isso se realize, torna-se indispensável, antes de mais nada, trabalhar com fé, ânimo decidido e dedicação.

Quanto aos motivos que atiraram o povo brasileiro à Revolução, supérfluo seria analisá-los, depois de, tão exata e brilhantemente, tê-lo feito, em nome da Junta Governativa, o Sr. General Tasso Fragoso, homem de pensamento e de ação e que, a par de sua cultura e superioridade moral, pode invocar o honroso título de discípulo do grande Benjamin Constant.

Através da palavra do ilustre militar, apreende-se a mesma impressão panorâmica dos acontecimentos, que vos desenhei, já, a largos traços: a Revolução foi a marcha incoercível e complexa da nacionalidade, a torrente impetuosa da vontade popular, quebrando todas as resistências, arrastando todos os obstáculos, à procura de um rumo novo, na encruzilhada dos erros do passado.

Senhores da Junta Governativa:

Assumo, provisoriamente, o Governo da República, como delegado da Revolução, em nome do Exército, da Marinha e do povo brasileiro, e agradeço os inesquecíveis serviços que prestastes à Nação, com a vossa nobre e corajosa atitude, correspondendo, assim, aos altos destinos da Pátria.

www.horadopovo.com.br

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