quarta-feira, 18 de julho de 2012

Professores rejeitam proposta do governo que reduz salários


Categoria amplia mobilização em Brasília 


O governo federal apresentou, na última sexta-feira, uma proposta aos professores federais, em greve há mais de dois meses. Foi a primeira proposta após o silêncio, as reuniões canceladas e as declarações de que “a crise internacional” impediria a melhora de uma situação vexaminosa no ensino superior. O representante do governo, Sérgio Mendonça, recebeu as entidades dos professores, na mesma hora em que os ministros Miriam Belchior, do Planejamento, e Aloizio Mercadante, da Educação, concediam uma entrevista coletiva, anunciando um reajuste de “até 45%” aos docentes.

No entanto, o projeto apresentado pelo governo não prevê aumentos reais aos professores, mistura o problema salarial de cada nível do professorado com o plano de reestruturação da carreira, incluindo uma tabela de remuneração da categoria até 2015.

Os reajustes variam de forma que os maiores índices contemplam a menor parte dos professores – aqueles que, além de possuírem doutorado, são professores titulares, cerca de 10% dos professores das universidades federais. Já para a maioria dos profissionais – doutores, mas não professores titulares, mestres, professores com especialização e aperfeiçoamento, tanto com dedicação exclusiva quanto para jornadas de 20 e 40 horas - os reajustes ficam entre 10% e 25%, já considerando o reajuste de 4%, concedido através da MP 568, retroativo a março deste ano.

Pela proposta, esses reajustes seriam feitos em 3 parcelas, sendo a primeira em julho de 2013, de 40% do total do reajuste, a segunda em 2014, de 30%, e a última em 2015, também de 30% do total. Ou seja, o reajuste demoraria três anos para ser realizado. 

Dessa forma, um professor-adjunto com mestrado, por exemplo, que teria um reajuste de 20% até 2015, receberia 8,1% em 2013 - o que não repõe as perdas inflacionárias dos últimos dois anos, quando não houve reajuste. Nesse período, as perdas passam de 10%.  

“REFERÊNCIA” 

Estranhamente, os ministros anunciaram como grande vantagem que “o salário inicial dos professores com Doutorado e com dedicação exclusiva será de R$ 8,4 mil”.

É quase inacreditável que, ao divulgar esse piso, ridículo para professores com o título que os americanos chamam PhD - ou seja, que depois de estudar anos e completar a graduação, estudaram mais alguns anos e elaboraram tese de mestrado (que foi submetida e aprovada por uma banca examinadora); que, após o mestrado, estudaram ainda mais alguns outros anos e elaboraram outra tese, para o doutorado (que, da mesma forma, foi submetida e aprovada por outra banca examinadora); e que, além de todos esses anos de estudo, são professores com dedicação exclusiva, isto é, têm nas universidades federais seu único emprego -, a ministra do Planejamento tenha dito que “estamos em busca de uma academia de referência, que valorize a dedicação exclusiva, a produção científica, a titulação, a valorização dos nossos doutores, a excelência, o expertise e as patentes. Esta reestruturação de carreira vai incentivar a formação profissional”.

Assim, é difícil. Sobretudo quando os ministros dizem, como se fosse um grande sacrifício, que “a nova proposta tem impacto de R$ 3,9 bilhões no Orçamento Federal” até 2015. Como se R$ 3,9 bilhões a mais em três anos fosse alguma coisa para um orçamento que contemplou um gasto de R$ 230 bilhões com juros nos últimos 12 meses.

Há poucos dias, a presidente Dilma anunciou que pretende gastar R$ 5 bilhões até 2015 para enviar estudantes brasileiros a universidades no exterior – nos EUA, na Europa, e até no Egito, segundo a lista de universidades no site do programa “ciência sem fronteiras”. O gasto previsto para enviar “101 mil estudantes brasileiros ao exterior” é R$ 1,1 bilhão a mais que para o reajuste que o governo propõe para professores que dão aula para um milhão de estudantes (eram 938.656 alunos de graduação em 2010 – cf. Censo da Educação Superior 2010/MEC; os números de 2011 ainda não foram divulgados).

 Não seria melhor dar condições a um milhão de estudantes de aprenderem aqui o que apenas um décimo deles iriam, supostamente, aprender em terras ignotas? Por que as universidades federais são inferiores às estrangeiras, exceto pela seca de verbas? Já passou a época daquele personagem de Machado, que recebeu no exterior um diploma “em que a Universidade me atestou, em pergaminho, uma ciência que eu estava longe de trazer arraigada no cérebro”, e preferiu flanar a voltar para o Brasil. Ou haverá outros Brás Cubas? 

DEFASAGEM 

A proposta do governo, na avaliação do ANDES-SN (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior), não leva em consideração a inflação entre 2013 e 2015. “Os valores nominais contidos na tabela tomam como base os salários de julho de 2010 e projeta, também em valores nominais, o que seria o resultado em 2015, omitindo toda a corrosão inflacionária do período, superior a 35%, de acordo com os cálculos do Comando [de Greve] e uma projeção futura com base na média dos últimos 30 meses. São cinco anos de inflação que foram desconsiderados pelos ministros Miriam Belchior e Aloizio Mercadante ao noticiar que os docentes teriam até 45,1 % de reajuste”.

A entidade afirma ainda que, “para algumas classes, justamente onde está concentrado um grande número de docentes, há redução de até 8% do valor real da remuneração, como é o caso do professor mestre adjunto 4/DIV4 e do professor doutor associado 1/DV1, ambos em regime de dedicação exclusiva (DE). A proposta apresenta apenas pequeno ganho real para a classe de professor titular, topo da carreira, que hoje representa menos de 10% da categoria”.

Em resumo: a proposta de reestruturação vem acompanhada de um congelamento salarial, uma vez que define o salário nos próximos três anos, desconsiderando a defasagem causada pela inflação. De acordo com a Federação de Sindicatos de Professores de Instituições Federais de Ensino Superior (Proifes), “no caso dos docentes em regime de Dedicação Exclusiva (DE) no MS [Magistério Superior], os professores doutores que estão na classe de associado, nível 1, receberiam em março de 2015, pela proposta, valores que resultariam em perda do poder aquisitivo dos salários por eles recebidos em julho de 2010. O mesmo aconteceria com a maioria dos professores mestres do MS (DE)”.

Além disso, a entidade ressalta que “é muito distante o prazo de julho de 2013 para a implantação da primeira parcela de reajuste a ser pactuado”.

Uma nova reunião foi marcada para segunda-feira, (23), e, segundo as entidades, o momento é de intensificar as mobilizações. “A tarefa é manter a greve. Nesta semana, isto significa: intensificar o movimento”, afirma o Comando de Greve em comunicado. 

JÚLIA CRUZ

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