quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Multinacionais na América Latina: inavasão do IDE

Multinacionais na América
Latina: a invasão do IDE

A explosão dos Investimentos Diretos Estrangeiros (IDE), em especial na América Latina, é um dos aspectos mais perniciosos da “globalização” neoliberal. Mais de 205 milhões de pobres e 79 milhões de indigentes é a realidade da região depois de vinte
anos de abertura total às multinacionais e privatizações

CÉDRIC DURAND E ALEXIS SALUDJIAN*

O período neoliberal está marcado por uma expansão espetacular das multina-cionais na América Latina. Consequentemente, essas companhias controlam na atualidade uma parte substancial das economias latino-americanas e contribuem para incrementar a integração desses países nas cadeias produtivas e financeiras mundiais.
A explosão dos Investimentos Diretos Estrangeiros (IDE) é um dos aspectos mais espetaculares da globalização neoliberal. Entre 1980 e 2005, o estoque de IDE no mundo se multiplicou por 18, e, na América Latina, por 24! Em termos de estoques, em 2005, na América Latina eles representavam (frente a 5% em 1990) cerca de 10% do total mundial [dados da UNCTAD]. Além dos paraísos fiscais do Caribe, o essencial da atividade das multinacionais na América Latina se concentra no México, Brasil, e, em menor medida, no Chile, Argentina, Venezuela e Colômbia.

Essencialmente, os investimentos nos países em desenvolvimento provêm dos países ricos. Assim, o estoque de IDE na América Latina em 2002 procedia em 27% dos Estados Unidos e em 40% de países europeus. A amplitude e a rapidez da progressão dos investimentos espanhóis no fim da década de 90 são especialmente impressionantes, até o ponto de recordar uma reconquista.

Comprova-se também um aumento dos fluxos sul-sul de IDE, mas estes se manifestam na América Latina, sobretudo, pelos fluxos intra-regionais dominados pelo Brasil, México e Argentina; os investimentos chineses na região são limitados, ao menos até 2005.

O controle dos recursos naturais é um dos principais motivos da presença das multinacionais na América Latina. Com relação às estratégias de conquista do mercado, antes dominado por setores como a indústria agro-alimentar e a automobilística, a passagem dos anos 90 se manifesta pela explosão dos investimentos em serviços, que representam na atualidade a metade do estoque de IDE. Desenvolvem-se especialmente nas atividades de infraestrutura (distribuição de água, eletricidade, gás e telecomunicações), nas atividades bancárias e financeiras e no comércio. Finalmente, as denominadas “estratégias eficientes” são importantes, com o desenvolvimento das maquiadoras (têxtil, embalagem...) e outros setores de exportação, como [as maquiadoras do setor] automobilístico no México, e um princípio de desenvolvimento das exportações de serviços deslocalizados (centros de chamadas, processamento de dados, indústria logística…).

CONTEXTO
FAVORÁVEL AOS IDE

As políticas derivadas do consenso de Washington desempenharam um papel crucial no auge dos IDE. Em primeiro lugar, as políticas orçamentárias e monetárias restritivas foram percebidas pelos meios de negócios internacionais como uma garantia de estabilidade macroeconômica, e sobretudo como uma limitação ao aumento dos salários. Por outra parte, a liberalização das trocas comerciais permite às multinacionais utilizar plenamente as vantagens relacionadas com sua implantação nos diferentes países, especialmente ao facilitar a conexão internacional das cadeias produtivas. Finalmente, as políticas de privatizações maciças das empresas públicas na segunda metade dos anos 90 ofereceram às multinacionais extraordinárias oportunidades de fazer negócios. A pacificação dos conflitos sociopolíticos é outro elemento apreciado pelos investidores: o fim das ditaduras aportou, ao menos por um tempo, uma legitimação democrática das regras favoráveis ao mercado adotadas pelas novas equipes governamentais formadas essencialmente nos Estados Unidos.

REFORÇO DAS GARANTIAS INTERNACIONAIS

Ao contrário do que ocorria no período anterior, as classes dirigentes consideram os investimentos das multinacionais um mecanismo imprescindível para o desenvolvimento. Um sintoma evidente dessa viragem é que as expropriações, muito frequentes até então, desapareceram totalmente em princípios da década de 80. Induzidos pelas instituições internacionais, os governos dos países da periferia se comprometeram em dezenas de acordos comerciais multilaterais, regionais ou bilaterais que incluíam cláusulas que garantiam os direitos dos investidores. Desenvolveu-se a noção jurídica de “expropriação indireta”; mobilizada especialmente nos acordos de investimento com os Estados Unidos, esta categoria jurídica particularmente perniciosa permite que as companhias estrangeiras “lesadas” por uma modificação das condições da atividade econômica obtenham compensações! (1)

A evolução jurídica supranacional a favor dos IDE se soma com a liberalização interna das leis sobre os investimentos estrangeiros. Os governos levantaram a maioria das restrições quando entraram as multinacionais e adotaram disposições que reforçavam os direitos de propriedade. Assim, desde princípios dos anos 90, o essencial das modificações da regulamentação sobre os IDE se fez a favor dos investidores. Em 2005, aparece um começo de movimento contrário, devido às dinâmicas políticas surgidas na América Latina: enquanto que 80% das modificações relativas à regulação dos IDE efetuadas no mundo nesse ano eram favoráveis às multinacionais, na América Latina, pelo contrário, 2/3 dos novos elementos introduzidos vão no sentido de um maior controle ou uma maior restrição dos IDE.

A CORRIDA DOS INVESTIDORES

Os países e os Estados de países federativos também se lançaram a uma competição entre eles para atrair os investidores estrangeiros: isenções fiscais, construção de infraestruturas ad hoc [isto é, com o objetivo de beneficiar empreendimentos estrangeiros], adaptação da legislação a seu pedido… nada era demasiado para os investidores estrangeiros. A instalação da Renault no Estado brasileiro do Paraná no fim dos anos 90 foi acompanhada de consideráveis vantagens concedidas pelo governo local: construção de infraestruturas adequadas, terrenos equipados entregues gratuitamente, financiamentos a preços reduzidos, diversas isenções fiscais de até 10 anos! (2). Essas vantagens concedidas ao capital produtivo estrangeiro, obviamente tinham um custo: quanto mais se acumulavam, mais se esfumavam os benefícios líquidos que podiam esperar os países receptores. Ainda que nem todos os países tiveram uma atitude tão ingênua: a China, por exemplo, que pode pressionar com a imensidão do seu mercado, conseguiu em numerosos casos impor-se às multinacionais que transferem as tecnologias. Não obstante, na América Latina, por regra geral, existiu uma atitude de atração passiva que foi desastrosa em muitos aspectos.

O IMPACTO DAS MULTINACIONAIS


1. O impacto socioeconômico em nível macro

Acreditando-se em certos economistas e centros de decisões políticas, a América Latina estaria iniciando um novo ciclo estável de crescimento econômico. A recuperação da economia argentina, da ordem de 8% de crescimento anual do PIB desde 2003, seria o melhor exemplo. O Brasil e o México, em menor escala, esperariam respectivamente 3,8 e 3,7% de crescimento desde 2004. Lendo esses resultados, é difícil acreditar que cinco anos antes toda a região tremia em razão da debacle argentina. Sem antecipar o futuro, é certo que a década de 90 e princípios da de 2000 estiveram marcadas por um desenvolvimento econômico relativamente lento e pela persistência de problemas sociais enormes. O desemprego massivo, em primeiro lugar, já que a taxa de desocupação, já elevada em relação às décadas anteriores, passou de 5,8% em 1990 para 11% em 2000, antes de descer timidamente para 8,6% em 2006 (3).

Esse número, sem dúvida, não deixa de ser uma aproximação, já que o trabalho informal em todas as suas formas afeta quase 50% da população ativa latino-americana. Os dados relativos à pobreza completam o quadro. Apesar de experimentarem um ligeiro retrocesso com respeito aos anos precedentes, a pobreza e a indigência ainda afetam 40% da população do subcontinente, ou seja, mais ou menos a mesma proporção de 1980!

Mais de 205 milhões de pobres e 79 milhões de indigentes é a realidade da América Latina depois de vinte anos de abertura total às multinacionais. Além disso, é a região menos igualitária do mundo.
2. As veias (sempre) abertas da América Latina

Além do impacto macroeconômico, alguns casos emblemáticos em nível micro ilustram os problemas específicos que colocam a chegada das multinacionais: exploração da vantagem competitiva dessas companhias à expensas de seus competidores locais, de seus fornecedores, dos salários e dos consumidores; alianças com os setores mais reacionários da sociedade; precarização das relações trabalhistas em razão da privatização de atividades correspondentes aos serviços públicos; contaminação permanente do meio ambiente e desestruturação das comunidades indígenas… o livro negro da atividade das multinacionais já é muito gordo e continua sendo escrito.

A PILHAGEM DA DISTRIBUIÇÃO E OS
BANCOS DO MÉXICO

Pobre México, na primeira linha para receber a expansão das multinacionais dos Estados Unidos! O gigante Wal-Mart cruzou o Rio Grande em princípios dos anos 90. Desafiando resistências populares como as que se dirigiram para impedir a construção de um supermercado nas proximidades de uma escavação arqueológica em Teotihuacan, esta multinacional se converteu na distribuidora número um e marginalizou seus competidores locais. Esta invasão brutal e poderosa no coração da economia mexicana se traduziu em um duplo prejuízo (4): em primeiro lugar, uma diminuição de 20% nos salários do setor entre 1994 e 2000, isto é, uma evolução pior que a de todos os demais setores; e, por outro lado, numa forte subida das importações e um controle crescente sobre os produtores locais que desembocou em um debilitamento do tecido produtivo nacional.

O setor bancário mexicano constitui outro caso “de manual”. Durante os anos 90, a liberalização dos IDE permitiu aos bancos estrangeiros, principalmente espanhóis (BBVA, Bancomer, Santander), britânicos (HSBC) e norte-americanos (Citigroup), açambarcar a maioria dos bancos locais mexicanos: desde 2002, mais de 90% dos ativos bancários estão controlados por companhias estrangeiras, enquanto que não havia nenhum banco estrangeiro em 1994! O resultado é ilustrativo: durante quase dez anos os créditos para a economia têm sido muito escassos, o que influiu negativamente no desenvolvimento da economia; os preços dos serviços bancários cobrados aos consumidores mexicanos são várias vezes superiores aos que aplicam os bancos em seus países de origem; finalmente, embora os bancos consigam lucros recordes, a situação dos empregados se deteriora. Assim, em abril de 2007, o Banamex (ex-banco público absorvido pelo CitiBank), anunciou um plano de restruturação quando acabava de declarar um resultado recorde de quase 2 bilhões de dólares de lucros em 2006; esse plano inclui 4.000 demissões e a “filialização” [esquartejamento de uma empresa em empresas menores] com perdas salariais de até 30% e corte das garantias sociais para 31.000 pessoas (5).

PRECARIZAÇÃO E
IRRESPONSABILIDADE SOCIAL

A Telefónica se converteu em 2006 na primeira empresa mundial de telecomunicações em termos de lucros (6 bilhões e 200 milhões de euros). O caráter espetacular de sua expansão na América Latina é incomparável com o caráter antissocial de suas práticas salariais: dez anos depois de lançar um programa de formação para os jovens previstos como futuros representantes da Telefónica, a empresa mantém suas jovens promessas com contratos precários, horas extras ilegais sistemáticas, salários muito escassos e repressão sindical frente às tentativas de reivindicar direitos (6). Na primeira linha para beneficiar-se das privatizações, a multinacional também está na primeira quanto ao desmantelamento das garantias sociais mínimas que existiam nos antigos serviços públicos.

Outra fonte de estragos sociais é a assimetria fundamental entre as companhias que operam em escala global e os trabalhadores e suas comunidades que estão enraizadas em um território. Esta assimetria reside na faculdade das multinacionais de saírem de uma maneira abrupta do negócio onde se encontram sem fazer caso das populações, dos trabalhadores e às vezes sem respeitar a legislação vigente. O caso do fechamento ilegal da fábrica de pneumáticos Euskadi, em Jalisco, México, pela empresa alemã Continental, é uma ilustração desta lógica. A 16 de dezembro de 2001, a direção da Continental fechou a fábrica sem respeitar nenhum dos convênios internos da empresa nem a legislação trabalhista mexicana. Durante mais de três anos, os assalariados lutaram sem conseguir nada: greves, viagens à Europa para fazer pressão na matriz, apelos à solidariedade internacional dos movimentos sociais. Finalmente, em fevereiro de 2005, os trabalhadores ganharam a causa e puderam relançar a empresa com um controle cooperativo majoritário (7).

DESTRUIÇÃO ECOLÓGICA E DESESTRUTURAÇÃO SOCIAL NOS
PROJETOS MINEIROS

As indústrias mineradoras são um dos setores primordiais de inserção das economias latino-americanas nas redes econômicas controladas pelas multinacionais. Isso não é nada novo: o pilhagem que seguiu à conquista já tinha como objetivo principal a extração e exportação de ouro e prata. Tal pilhagem constituiu um roubo massivo de riquezas e além disso um terrível processo de destruição ecológica e humana que continua na atualidade. Um dos conflitos atuais mais emblemáticos é em relação ao depósito de cobre de Río Blanco, uma das jazidas de cobre mais importantes ainda não exploradas do planeta, no norte do Peru. A empresa britânica Monterrico Metals, cujo diretor geral atual não é outro senão o ex-embaixador da Grã Bretanha no Peru! (8), pretende apropriar-se ilegalmente de terras das comunidades indígenas. Escaldados pela triste sorte das cidades mineiras de Oroya e Yanacocha, esses índios temem a contaminação de suas águas e suas terras, as consequências para a saúde e o efeito destruidor na coesão de suas comunidades: desigualdades, aniquilação de projetos autônomos, corrupção.

APOIO AOS PARAMILITARES COLOMBIANOS

A Colômbia ostenta a sinistra particularidade de ser o país em que se concentram 90% dos assassinatos de sindicalistas no mundo: pelo menos 2.245 foram assassinados pelos paramilitares desde 1991! (9). Muitos deles foram líderes sindicais em empresas de alimentos multinacionais (Coca Cola, Bavaria, Nestlé), automobilísticas (Hyundai), mineradoras (Drummond e AngloGold Ashanti) e grandes sociedades bananeiras (Chiquita, Dole e do Monte) (10). Protegida pelo mutismo da Justiça colombiana, a cumplicidade dessas companhias com os paramilitares de extrema direita está atualmente no centro de vários processos judiciais em curso nos Estados Unidos. Em março de 2007, a Chiquita (a ex-United Fruits) confessou que havia pago 1,7 milhão de dólares por serviços de “segurança” (sic) às milícias de extrema direita (11).

A SUPEREXPLORAÇÃO
DO TRABALHO

O desenvolvimento do México a partir das fábricas de montagem (maquiadoras) se apresentou como uma solução econômica para o país no momento da entrada no Nafta, em 1994. O número de fábricas desse tipo, que empregava uma mão de obra pouco qualificada e amplamente feminina, cresceu rapidamente na fronteira entre o México e os Estados Unidos. O fenômeno permitiu desenvolver as exportações, mas não teve efeito sobre o desenvolvimento do aparato produtivo do país; pelo contrário, contribuiu para aumentar a polarização econômica e social. A ascensão da competição da China e dos países da América central neste tipo de atividade demonstrou o caráter efêmero dessa especialização. E o México já está se vendo obrigado a oferecer ainda mais vantagens aos investidores para tentar atrair as maquiadoras de segunda geração, correspondentes a atividades mais sofisticadas (12). Em última instância, são os trabalhadores quem pagam o preço desta competição entre os territórios, posto que estabelece uma corrida pela baixa das condições de trabalho e salários.
Notas:
(1) Yannaca-Small, C. (2004), «Indirect expropriation and the right to regulate in international investment law», OCDE Working papers on international Investment , abril de 2004, 22 p.; UNCTAD (2005), «Investor-State disputes arising from investment treaties: a review», UNCTAD Series on International Investment Policies for Development , 106 p. (5)
(2) Jelson Oliveira, BRÉSIL - Renault et la réforme agraire, Diffusion d’Informations sur l’Amérique Latine - DIAL , 2558, 16 de mayo de 2002.
(3) CEPAL, Estudio Económico , 2002, 2003, 2005 e 2007.
(4) C. Durand (2006), Institutions et impact des IDE dans les pays en développement: le secteur de la grande distribution au Mexique, Institutions, développement économique et transition , Séptimas jornadas científicas de la red «Analyse Economique et Développement de l’AUF», Paris, França.
(5) Despidos masivos en Banamex, pese a altas ganancias en el país, La Jornada , 30 de abril de 2007.
(6) CIOSL, Perú: Carta de CIOSL a la ministra de Trabajo, 19 de Septiembre de 2006.
(7) Erika Arriaga, Reabre operaciones planta de Euzkadi en Jalisco, La Jornada , México, 26 de febrero de 2005; Carolina Gómez Mena, «Festeja el sindicato de Euzkadi 72 años de existencia», La Jornada , México, 22 de julio de 2007.
(8) Informação publicada no site da companhia:
www.monterrico.co.uk.
(9) Amnistía Internacional, Colombia: Homicidios, detenciones arbitrarias y amenazas de muerte: la realidad del sindicalismo en Colombia, informe AMR 23/001/2007, 3 de Julio de 2007.
(10) Benito Pérez, «Ces syndicalistes assassinés qui hantent les multinationales », Le Courrier , Ginebra, 28 de julio de 2007.
(11) Christina Kearney, Colombians sue banana producer for funding guerrillas, Reuters , 19 de Julio de 2007.
(12) World Investment Report, UNCTAD, 2004 e 2007.

* Cédric Durand é economista e pesquisador do Centre d’Économie de l’Université Paris-Nord (ParisXIII), Centre d’études des modes d’industri- alisation (CEMI) e École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS).
* Alexis Saludjian é economista, pesquisador do Centre d’Économie de l’Université Paris-Nord (ParisXIII), membro do Groupe de Recherche sur l’Etat, l’Internationalisation des Techniques et le Développement (GREITD) e professor adjunto do Instituto de Economia da UFRJ (IE-UFRJ).

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