sábado, 14 de fevereiro de 2009

Das dificuldades de Obama

Em seu discurso de posse, o presidente Obama afirmou: "Estamos prontos para liderar mais uma vez".
Sabemos que não é fácil ser presidente de um país em que faz parte da cultura abater a tiros presidentes e personalidades influentes que não se ajustam bem ao figurino concebido por suas classes dominantes.
Mas não podemos deixar de registrar que o pensamento exposto, longe de sintonizar as melhores tradições americanas, evoca as piores.
Em 1909, quando assumiu o governo, o presidente Howard Taft declarou: "Todo o hemisfério ocidental nos pertencerá, de fato, devido à superioridade de nossa raça, pois moralmente já nos pertence".
Mas não foi ele quem inventou a receita. Naquela altura do campeonato, os EUA haviam efetuado 31 intervenções militares no hemisfério: Porto Rico, Argentina, Peru, México, Nicarágua, Uruguai, Panamá, Colômbia, Cuba, República Dominicana e Honduras já haviam provado o gosto amargo desse desejo de liderança "moral".
Na verdade, a idéia de que os EUA têm por missão liderar é muito antiga. É inclusive anterior à formação do capital monopolista que, como a história já demonstrou à exaustão, empurra seus respectivos Estados nacionais para além das fronteiras a fim de que ele possa servir de suporte à conquista de novos mercados, que absorvam o capital excedente, e ao controle das fontes de matérias primas.
O presidente James Buchanan (1857-1861) afirmava: "A expansão dos EUA sobre o continente americano, desde o Ártico até a América do Sul, é o destino de nossa raça. E nada pode detê-lo". E ele, por sua vez, estava ancorado a uma sólida tradição de expansionismo que já havia custado ao México boa parte de seu território.
O New Orleans Creole Courier, em 1855, expressava a idéia nos seguintes termos: "A pura raça anglo-americana está destinada a estender-se por todo o mundo com a força de um tufão. A raça hispano-mourisca será batida".
Em julho 1845, o jornalista John O'Sullivan cunhou o termo "Destino Manifesto", num editorial do United States Magazine and Democratic Review, como expressão sintética do dogma corrente de que, sendo o povo dos EUA eleito por Deus para comandar o mundo, o expansionismo seria apenas decorrência do cumprimento da vontade Divina.
Ele achava natural afirmar que "o Texas foi absorvido pela União no processo de cumprimento da lei geral que está levando nossa população em direção ao Oeste. Ele foi arrancado do México de acordo com o curso natural dos eventos. O braço avançado do irresistível exército da emigração anglo-saxônica já começou a se estender sobre a Califórnia".
Artistas e intelectuais não estiveram imunes à crença.
Em 1849, o escritor Herman Meville (Moby Dick) afirmava: "Nós americanos somos um povo peculiar, escolhido, o Israel de nosso tempo; carregamos a arca das liberdades do mundo. O resto das nações precisa, brevemente, estar na nossa retaguarda".
Antes disso, o poeta Walt Withman havia expressado o mesmo ideal sem maior preocupação com a sutileza: "O que tem a ver esse México miserável e ineficiente – com suas superstições, com sua paródia de liberdade, sua tirania real de poucos sobre muitos – que tem ele a ver com a grande missão de povoar o novo mundo com uma raça nobre? Que seja nosso lograr essa missão".
Caminhando um pouco mais em direção à origem da crença, vamos encontrar em Emerson – celebrado como grande pensador e filósofo naquele país - a seguinte reflexão: "Certamente, a forte raça britânica, que já conquistou grande parte desse território, deve também apoderar-se daquele pedaço [Texas], e do México e do Oregon, e, com o passar das eras, os métodos segundo os quais isso foi feito será de pouca importância. A América é o último esforço da divina providência em favor da raça humana".
Portanto, antes mesmo que o capital monopolista se formasse nos EUA e impulsionasse a expansão imperialista, a burguesia americana havia associado o seu destino ao expansionismo. Ampliar as bases para o desenvolvimento capitalista, que interessava ao Norte, sem desestruturar as relações escravistas e os vínculos do Sul com a economia inglesa, seria resolvido através da conquista de novos territórios, associada à imigração maciça de colonos europeus.
Tal era o projeto que levava, em 1828, o representante dos EUA na Colômbia, Beaufort Watts, a fazer considerações pouco diplomáticas sobre o povo do país: "O colombiano típico é um animal obediente que se torna ainda mais submisso quando castigado". Ou Quincy Adams a afirmar, em 1823, dois anos antes de assumir a presidência da República: "Estas ilhas [Cuba e Porto Rico] são apêndices naturais do continente norte-americano, e uma delas - quase visível a olho nu de nossas costas - tornou-se por muitas considerações um objeto de importância transcendental para os interesses políticos e comerciais da nossa União. É difícil resistir à convicção de que a anexação de Cuba por nossa república Federal será indispensável à continuidade e à permanência de nossa própria União". Ou, ainda, Alexander Scott, representante dos EUA na Venezuela, a dizer em carta a James Monroe ("A América para os americanos" – do Norte), em 1812, um ano após a revolução contra o domínio espanhol, liderada por Miranda: "O povo do país é tímido, indolente, ignorante, supersticioso, incapaz de esforço e desprovido de iniciativa".
O segundo presidente dos EUA, John Adams, que foi vice de George Washington, dizia em carta a Thomas Jefferson: "Um governo livre e a religião católica romana não poderão jamais coexistir, em qualquer país. Qualquer projeto de conciliar essas duas coisas na velha ou na nova Espanha é utópico, platônico e quimérico. E é do meu entendimento que na nova Espanha as coisas são piores, se isso é possível".
Não é à-toa que seu filho, Quincy Adams, tenha escrito em seu diário, aos 12 anos de idade: "Os espanhóis são vadios, sujos e malvados, em suma, seria justo compará-los a uma vara de porcos".
Obama desconhece isso? É claro que não.
A maior tragédia que se abateu sobre os EUA foi o encontro dessa ideologia expansionista e racista com os interesses dos monopólios. Produziu um imperialismo cretino, encardido e difícil de erradicar.
Mas, numa avaliação otimista, talvez possamos dizer que, com essa singela declaração, Obama tenha simulado um recuo para surpreender o adversário pela retaguarda.
Às vezes dá certo. Mas quase sempre, não.

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