quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

GETÚLIO VARGAS


Brasileiros, povo da Bahia,
Uma das páginas mais notáveis da história econômica do Brasil foi escrita aqui, no Recôncavo Baiano, quando, em janeiro de 1939, jorrou petróleo das entranhas do solo pátrio, após uma incansável pesquisa de vários decênios.
Coube ao meu governo a glória de haver realizado esse descobrimento destinado a imprimir novo rumo ao progresso do país e que foi o coroamento de uma série de tentativas infrutíferas que se vieram sucedendo e multiplicando desde o começo do século. Organizou-se desde logo um plano sistemático de sondagens que tornou realidade a exploração industrial do petróleo brasileiro, embora restrita, até o presente momento, ao âmbito de uma produção para consumo local.
PIONEIRISMO
Antes de mais nada, desejo louvar a capacidade dos nossos técnicos, a audácia dos pioneiros da penetração do subsolo pátrio e o esforço tenaz e infatigável dos trabalhadores dedicados, que, sem medirem sacrifícios, lutaram, durante muitos anos, para que se tornassem afinal realidade palpável os sonhos e as esperanças de tantas gerações.
A guerra mundial impediu que se levasse avante esse empreendimento com o ritmo acelerado que seria aconselhável. Mas, não obstante isso, as reservas petrolíferas da Bahia chegaram a produzir, no começo de 1951, 5 mil barris diários.
Com essa produção, ainda estamos muito longe de atender às necessidades do país, que consome, em média, 130 mil barris diários, prevendo-se que, em 1953, esse consumo atingirá 170 mil.
A principal dificuldade com que nos defrontamos para resolver o problema do petróleo é de ordem financeira. Qualquer iniciativa nesse terreno exige vultosos capitais e uma diretriz política e econômica firme e persistente.
Durante o decênio de 1931-1940, o consumo de petróleo no Brasil cresceu na média anual de 6,4%; no decênio seguinte, 1941-1950, aumentou para 11,9%. Em 1951 consumiram-se no país 119 mil barris diários, que custaram ao consumidor 3 bilhões e 850 milhões de cruzeiros.
NECESSIDADES
E para fazer face a tão grande consumo, a produção brasileira ainda é insuficiente e inoperante. Somos, por isso, obrigados a importar grande quantidade de petróleo e derivados, consumindo nessa importação todas as nossas divisas no exterior. De ano para ano, as compras de petróleo bruto e de seus derivados vêm-se transformando no mais pesado encargo externo do país, tanto mais quanto essas compras são feitas em dólares. As compras do corrente ano consumirão mais de 5 bilhões de cruzeiros, representando 266 milhões de dólares. E se atentarmos em que as importações de produtos de petróleo em 1951 representaram um aumento de 50% em valor sobre as de 1950, bem se poderá avaliar qual o ritmo desse aumento de encargos. Se o problema não for solucionado em curto prazo, antes de 1956 teremos uma média anual de 10 bilhões de cruzeiros para as importações brasileiras. É difícil acreditar que tenhamos divisas para tanto.
Constitui, por isso, necessidade imprescindível o prosseguimento das pesquisas, a fim de que se possa descobrir mais petróleo, e traçar um plano sistemático de sondagens e de exploração industrial do combustível líquido mais importante para o abastecimento dos veículos de transporte e para a emancipação econômica nacional.
PETROBRAS E VOLTA REDONDA
Precisamos mobilizar novos recursos financeiros, principalmente no setor da pesquisa e lavra; e só poderemos contar, de fato, com uma fonte de tais recursos: a tributação. O problema terá que ser solucionado criando-se novas fontes de receita e organizando-se as pesquisas através de uma entidade capaz de lhes dar unidade de direção e eficiência de ação.
Essas considerações levaram o meu governo a enviar ao Congresso Nacional, em dezembro de 1951, a mensagem que propôs a criação de uma sociedade de economia mista, nos moldes da Companhia Siderúrgica Nacional, da Companhia Vale do Rio Doce e da Companhia Hidrelétrica de São Francisco, já que estas constituíam eloquente testemunho de uma atividade fecunda e útil aos interesses do país. Não receio proclamar que o projeto ora submetido ao patriotismo e às luzes do Congresso Federal representa o instrumento mais apropriado para a exploração e industrialização do petróleo, além de constituir uma organização genuinamente nacional, sob o mais completo e rigoroso controle e custeada com os recursos oriundos do país.
NACIONALISMO
O projeto de incorporação da Petróleo Brasileiro Sociedade Anônima, ou, mais simplesmente, Petrobras, visa captar, para o desenvolvimento da indústria brasileira do petróleo, as fontes de receita de que necessita e a centralização de iniciativas que lhe é indispensável. Mais ainda, consolida a orientação nacionalista, de que nunca se afastou o meu governo e que espero poder sustentar até o fim, contra todos os adversários descobertos ou embuçados e os inimigos da nossa emancipação econômica.
ANTES
Outros planos tinha o governo que me antecedeu quando baixou o Decreto-Lei no 9.881, de 16 de setembro de 1946, que autorizou a constituição de uma empresa para gerir a refinaria de Mataripe e outras refinarias - empresa essa que estaria sob o controle federal enquanto fosse insuficiente o capital particular, que não tinha limite individual de subscrição. O governo só nomearia o presidente da companhia enquanto a União tivesse mais de 25% das ações; em qualquer hipótese, os outros diretores seriam eleitos pelos demais acionistas.
Em complemento desse decreto foram enviadas ao Congresso as Mensagens 61 e 62, de janeiro e fevereiro de 1948, respectivamente, com projetos de leis que reformavam completamente a orientação nacionalista do meu passado governo, propondo-se, na primeira dessas mensagens, alterações fundamentais na lei de permissões para refinação e transporte, inclusive oleodutos para abastecimento interno, facultando-se a constituição de sociedades brasileiras com 40% de sócios estrangeiros, com limites de quotas. A segunda mensagem projetou o famoso Estatuto do Petróleo, que desde logo enfrentou um grande movimento de opinião, levando a Câmara dos Deputados a arquivá-lo.
Por certo, ninguém põe em dúvida o patriotismo dos homens públicos que pretendiam executar esse programa. Fundavam-se eles na tese de que ao Estado cabia a função pioneira e estimuladora, e não a função do controle efetivo da indústria do petróleo. Já não pensava assim, todavia, a imensa maioria do povo brasileiro.
A SOLUÇÃO
Desde que reassumi o governo, ordenei que se reexaminasse o problema dentro da orientação nacionalista de que nunca me afastei. Pareceu-me também que, numa indústria complexa como a do petróleo e num país extenso como o Brasil, cuja grandeza depende do máximo desenvolvimento regional, o êxito de um programa dessa ordem dependeria da maior flexibilidade e descentralização das atividades executivas. A natureza desse empreendimento, embora requeira unidade de ação e orientação governamental, não exige centralização rígida, disciplinada a um departamento administrativo, no sentido estrito do termo.
No caso em estudo, poder-se-ia obter o controle do Estado sem o prejuízo da liberdade de ação industrial e comercial, indispensável ao âmbito da organização que se pretende estabelecer.
Eis por que se orientou o governo para o projeto de constituição de uma sociedade de economia mista, na qual pudesse ele reunir a maioria absoluta das ações e participar diretamente de uma empresa dotada de bastante flexibilidade, dinamismo, autonomia de ação e máxima capacidade de expansão industrial.
CAUTELAS
No projeto da Petrobras, a associação do capital privado ao do Estado foi estabelecida de maneira que não comprometesse, mesmo remotamente, o controle do governo sobre a sociedade de economia mista. Ao mesmo tempo, cuidou-se de reunir as fontes de receita da nova companhia ao esforço concomitante do Fundo Rodoviário Nacional, com o aumento do imposto sobre combustíveis líquidos e lubrificantes.
A Petrobras foi concebida como uma entidade ao mesmo tempo de execução direta em certos setores de trabalho e de coordenação técnica, econômica e financeira em outros. Todas as empresas subsidiárias da Petrobras deverão constituir-se segundo o modelo da empresa central, embora mantidas com recursos financeiros pertencentes às administrações regionais e locais.
AUTOSSUFICIÊNCIA
Quando posto em prática, esse plano imprimirá novo impulso a uma série de atividades relacionadas com o problema do petróleo. Espera-se, por exemplo, que a produção petrolífera do Recôncavo Baiano atinja a cifra de 25 mil barris diários dentro de quatro anos. Intensificar-se-ão as pesquisas na Amazônia, noutros estados do Norte e na bacia do Paraná. Terá início a exploração industrial do xisto betuminoso do Vale do Paraíba. Será concluída a refinaria de Santos e se construirão novas usinas, com uma capacidade adicional de refino da ordem de 100 mil barris diários, que é a média do consumo nacional. Esse plano está em fase final de estudos no Conselho Nacional do Petróleo.
Esperamos obter também a autossuficiência no suprimento de lubrificantes de origem mineral, pela industrialização do óleo bruto baiano, e a ampliação da frota de petroleiros nacionais para 500 mil toneladas.
ESTADO
A Petrobras será, na verdade, o próprio governo agindo no campo da indústria petrolífera, tal como já o faz na indústria do aço, através da Companhia Siderúrgica Nacional. E isto sem prejuízo do concurso do capital privado, através das subscrições compulsórias de todos os proprietários de veículos automóveis. Mas nem remotamente existe o perigo de que, através da participação do capital privado, venham a agir os grupos financeiros alienígenas, ou mesmo nacionais. Afastou-se tal perigo de vários modos: quer limitando a subscrição de ações com direito de voto, quer estabelecendo que o presidente e os diretores executivos da sociedade serão nomeados pelo presidente da República, tendo o primeiro direito de veto sobre as decisões do Conselho de Administração, quer, ainda, reduzindo a 15% o montante da participação do capital particular na sociedade, onde os estados, municípios e autarquias poderão contribuir até 25%, e a União Federal até 65% e nunca menos que 51%.
Nessas bases, a organização da Petrobras foi concebida dentro de um ponto de vista nitidamente nacionalista. Ela dará o petróleo do Brasil aos brasileiros e tornará possíveis os recursos financeiros vultosos de que necessitamos para explorar uma das maiores fontes de riqueza da civilização.
FUNDAMENTOS HISTÓRICOS
Essa bandeira nacionalista, eu a venho desfraldando em toda a minha vida pública, e ninguém logrará arrebatá-la de minhas mãos. Coube ao meu passado governo elaborar a legislação de minas, que nacionalizou a propriedade e a exploração das riquezas do nosso subsolo, cristalizando-se pela primeira vez a defesa do patrimônio mineral do Brasil.
Em 29 de abril de 1938, considerando a importância fundamental do combustível líquido para a nossa economia e segurança, promulguei o Decreto-Lei 395, que declarou de utilidade pública o abastecimento nacional de petróleo.
Ficaram assim dependentes de autorização e controle do poder público a importação, exportação, distribuição, transporte e refinação do óleo mineral e seus derivados, e foi nacionalizada a indústria de refino.
Essa foi cuidadosamente regulada pelo Decreto 4.071, de 12 de maio de 1939. Para realizar os objetivos da lei, foi criado o Conselho Nacional do Petróleo, cujas funções foram depois ampliadas, inclusive para a pesquisa, lavra e industrialização, pelo Decreto 538, de 7 de julho de 1938.
CONTINUIDADE
Prosseguindo na trilha da preservação e nacionalização dos nossos recursos naturais iniciada com o Código de Minas de 1934, promulguei, em 29 de janeiro de 1940, o novo Código de Minas, que está em vigor e pelo qual só podem ser sócios de empresas privadas de mineração, autorizadas a pesquisar ou lavrar minérios, os brasileiros, inclusive os naturalizados e os casados com estrangeiras. Para o petróleo, entretanto, prevaleceu a norma da exigência de ser brasileiro nato, casado com brasileira.
Ainda em 1940, pelo Decreto-Lei 2.615, de 21 de setembro, criou-se o imposto único sobre combustíveis líquidos e lubrificantes, importados e produzidos no país, com o objetivo de disciplinar a matéria em benefício da expansão da indústria petrolífera nacional e de prover recursos para o Fundo Rodoviário.
Em 1941, outra lei do meu governo - o Decreto-Lei 3.236, de 7 de maio - define o regime legal das jazidas de petróleo e gases naturais e de rochas betuminosas, existentes em território nacional, as quais pertencem à União, a título do domínio privado imprescritível. Nessa lei se exigiu a nacionalidade brasileira dos sócios das empresas que pretenderem autorização para mineração do petróleo. Esta foi, aliás, a diretriz firmada por mim desde a Revolução de 1930 e da qual nunca me afastei.
INTERESSES CONTRARIADOS
Durante muitos anos a tecla favorita na campanha dos meus adversários foi o combate ao nacionalismo da minha política de governo. Entretanto, foi esse nacionalismo a couraça que defendeu o Brasil contra a incursão dos trustes internacionais.
É justificável a sinceridade dos que encaminham as suas preferências para outras formas jurídicas, como incompreensível a atitude tendenciosa dos que pretendem servir-se dum problema nacional para fazer jogo de oposição. Não os incluo entre os conhecidos advogados dos monopólios econômicos estrangeiros, nem entre os arautos dum falso nacionalismo que mal encobre sua filiação ideológica, visando novos imperialismos. Não é de espantar, pois, que se levantem agora, uns e outros, com o objetivo de torpedear e paralisar a atual proposta governamental - os primeiros porque não têm porta de acesso na nova organização, e os últimos porque, para eles, só interessa que o petróleo seja nosso, mas... debaixo da terra.
A despeito de tudo, haveremos de celebrar em breve a solução do magno problema nacional, e assim o Brasil dará mais um passo decisivo no caminho da sua emancipação econômica e industrial. E entraremos numa nova era de riqueza e de intensa produtividade, com o concomitante aumento do nível de vida do operariado e das condições de conforto e bem-estar de nossa população.
INDEPENDÊNCIA
Povo da Bahia, quis o destino que essa terra abençoada viesse a ter mais uma participação essencial no progresso do Brasil e que, no mesmo solo onde a primeira vez floresceu a civilização, também despontasse pela primeira vez o veio líquido de uma riqueza incalculável.
Por uma feliz coincidência, estamos às vésperas de 2 de julho e na proximidade do local onde ocorreu o feito histórico que essa data evoca. É grato ao meu coração de brasileiro recordar o magnífico episódio da história pátria em que o Recôncavo Baiano, por todas as suas classes, num movimento nitidamente popular que sacrificou os haveres de centenas de famílias, marchou contra a capital ocupada para consolidar a independência nacional.
O que hoje estamos fazendo aqui é uma nova consolidação da independência. Ontem foi a independência política; hoje é a independência econômica. A Bahia marcha de novo para recuperar o seu posto de pioneira na história do Brasil – desta vez desfraldando a bandeira da nacionalização do petróleo e da emancipação da nossa economia. Também esta campanha terá que vencer dificuldades enormes, mas podeis contar com a colaboração do meu governo, que tem o inabalável propósito de conduzi-la a bom termo, quaisquer que sejam os obstáculos e os sacrifícios.
Para aqui se voltam, pois, mais uma vez, os corações ansiosos de todos os brasileiros, esperando melhores dias, em que a fertilidade incomparável da Bahia disseminará por todo o país as bênçãos e os frutos do seu solo privilegiado.
Que se cumpra o seu destino. E que a riqueza da Bahia seja hoje, como foi tantas vezes no passado, uma fonte perene de engrandecimento do Brasil.

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