segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Avô Tancredo gostaria deste neto?



Por Marcelo Zero, no blog de Paulo Moreira Leite:

Tancredo Neves foi um político conservador. Fez carreira no PSD e, durante a ditadura militar, foi um dos líderes dos moderados do MDB/PMDB. Nunca se aproximou do socialismo e admirava muito mais Max Weber que Karl Marx.

No entanto, não há quem negue que Tancredo, embora limitado pelas circunstâncias de sua época, era um democrata e, em linhas gerais, progressista.

Quando jovem, fez oposição a Arthur Bernardes e simpatizava com a Aliança Liberal de Getúlio Vargas. Mais tarde, fez oposição à UDN direitista de Milton Campos e Carlos Lacerda. Articulou-se com Juscelino e Getúlio, tendo sido ministro da Justiça deste último. Na ditadura, teve papel de destaque como um dos principais líderes da oposição, especialmente durante o período de transição para a democracia, na primeira metade dos anos 1980. Teve papel fundamental para que essa transição ocorresse sem maiores traumas.

Ninguém nega também que Tancredo era um político ponderado, um mestre da articulação e da conciliação. Convivia bem com as diferenças e tinha fácil diálogo com todas as tendências políticas. Homem cartesiano, tinha horror às posições extremadas.

Ao morrer, primeiro presidente civil pós-ditadura, Tancredo apontou o neto, Aécio Neves, como seu herdeiro político.

Pois bem, é muito provável que, lá de São João Del Rey, o avô não esteja mais reconhecendo o neto e seu legado político. Na realidade, ninguém está.

Com efeito, Aécio Neves parece cada vez mais afastado da imagem do seu avô e perigosamente perto de uma imitação barata e artificial de Carlos Lacerda, grande rival de Tancredo e de Getúlio.

A distância é tanto no conteúdo quanto na forma.

No forma, no estilo, vemos um Aécio raivoso, agressivo, desrespeitoso, arrogante e incapaz de aceitar democraticamente as decisões legítimas das urnas. O palanque subiu-lhe à cabeça e a disputa eleitoral incrustou-se no seu fígado.

No conteúdo, na política, o que se vê é uma aposta desesperada e irracional num neoudenismo tardio e caricato. Uma aposta perigosa e antidemocrática na ingovernabilidade, que tem evidentes nuances golpistas.




















Tenta-se reviver, com o conluio de um setor da imprensa comprometido historicamente com o autoritarismo, o “mar de lama” que vitimou Getúlio e seu ministro da Justiça. Tenta-se de tudo para deslegitimar as instituições democráticas. Durante as eleições, o próprio FHC questionou a legitimidade dos votos dados ao PT, diminuindo o intelecto de nordestinos e pobres. Após as eleições, questionou-se, sem nenhum motivo real, o nosso sistema de votação, elogiado por sua lisura e eficiência no mundo inteiro. Agora, Aécio questiona a legitimidade do governo recém-eleito, afirmando que perdeu o pleito para uma “organização criminosa”.

Assentada em mentiras, distorções e em vazamentos cuidadosamente seletivos de corruptos em desespero, essa afirmação absurda de Aécio revela total falta de compostura. Falta de compostura ética que se combina com a falta de compostura política revelada com sua crescente proximidade dos setores mais raivosos da extrema direita brasileira, esse amontoado de homofóbicos, racistas e saudosos da ditadura. Ditadura que Tancredo deu a própria vida para encerrar.

A afirmação e o comportamento que a anima revelam, sobretudo, falta de compreensão do seu papel no momento histórico que vive o Brasil. Revela, para usar um eufemismo, uma visão política curta.

As lutas políticas no Brasil sempre foram resolvidas democraticamente, em última instância, pela disputa do centro moderado do espectro político, onde passeava Tancredo. Lula só conseguiu chegar ao poder quando virou o “Lulinha paz e amor”. Será que Aécio, FHC e outros líderes acham que obterão grandes vantagens com essa adesão à direita mais caricata e ao golpismo mais desavergonhado? Será que acham que o Brasil pode se transformar numa grande Venezuela?

Se acham, já se perderam.

Aécio parece cada vez menos com Aécio Neves. Parece uma máscara grotesca de Aécio Lacerda, de Aécio López, ou ainda de Aécio Bolsonaro.

Seu avô dizia que se é radical não é mineiro, se é mineiro não é radical. Talvez por ser mais carioca que mineiro, Aécio esteja abandonando esses ensinamentos. Ninguém sabe.

Intui-se, no entanto, que à noite, lá em São João Del Rey, já se escuta o murmúrio: não faz assim que o vovô não gosta.

* Marcelo Zero é formado em Ciências Sociais pela UnB e assessor legislativo do Partido dos Trabalhadores.

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