quinta-feira, 20 de junho de 2013

O erro foi demorar

Paulo Moreira Leite
Desde janeiro de 2013, é diretor da ISTOÉ em Brasília. Dirigiu a Época e foi redator chefe da VEJA, correspondente em Paris e em Washington. É autor dos livros A Mulher que era o General da Casa e O Outro Lado do Mensalão.

Arrancada com sangue, suor e pedradas, a revogação no aumento da tarifa de ônibus só tem um defeito: demorou demais para ser resolvida e anunciada.

Ainda na manhã de hoje, o prefeito Fernando Haddad dizia que aceitar a redução sem ter meios de arcar com seus custos seria uma forma de populismo. 
Compreende-se o esforço de Haddad para firmar-se como uma liderança responsável do ponto de vista financeiro, mas é ingenuidade imaginar que o debate se resumia a números de gastos e receitas.
 
Uma questão capaz de mobilizar 250.000 pessoas para protestar nas ruas é uma questão política e ponto final. 
 
Num país onde a Constituição diz no artigo primeiro que todo poder emana do povo, “que o exerce através de representantes eleitos ou diretamente”, uma manifestação como essa não pode ser ignorada.
 
Não gosto da palavra populismo quando aplicada nos debates políticos. 
 
Em 1964, os adversários de João Goulart – tanto à direita como à esquerda – usavam o termo populista com argumento para desqualificar medidas progressistas, como reforma agrária, o projeto de modificar a educação pública e assim por diante. Jorge Ferreira, autor de uma bela biografia de Goulart, diz que em nosso mundo político “populista é o adversário que tem voto”.
 
Para os conservadores, Goulart era populista porque cortejava o apoio popular com medidas que trazem benefícios ao povo. É uma forma de dizer que ele não era sério porque empregava recursos apelativos para vencer uma eleição.
 
O argumento não resiste a uma segunda pergunta: será mais legítimo pedir o voto do povo com medidas que irão prejudicá-lo?
 
Outra crítica vem de uma visão revolucionária. Consideravam-se governos reformistas – escola à qual Goulart poderia ser filiado – como um obstáculo a revolução. Deveriam ser combatidos porque eram a última barreira ao socialismo. 
 
Em 2013, essas visões não se aplicam. 
 
O adjetivo populista tornou-se um estigma empregado apenas pelo  pensamento conservador, para alvejar governos que, longe de terem um caráter revolucionário, tomam medidas que favorecem a distribuição de renda, o emprego e as oportunidades dos mais pobres. Do ponto de vista de uma política cuja prioridade é manter as contas em ordem, populismo virou sinônimo de governo que gasta mais do que arrecada – o que nem sempre corresponde à verdade nem é necessariamente ruim, como explica o Prêmio Nobel Paul Krugman.
 
Estudiosos como Ernesto Laclau, um dos mais importantes intelectuais argentinos da atualidade, consideram que aquilo que o conservadorismo chama de populismo equivale à plataforma possível de um governo progressista nos dias de hoje.
 
Por isso, explica, Hugo Chávez era chamado de populista, como Perón, na Argentina, e tantos outros. Até Lula foi chamado de populista, você sabe.
 
O argumento, muito mais brilhante do que você está lendo aqui, é bem desenvolvido na obra de Laclau intitulada “A razão populista”. Vale a leitura.
 
A revogação do aumento da passagem não foi uma medida demagógica nem populista. 
 
Foi uma demonstração de respeito político pela vontade da população. Merece aplauso.
 
Nem os melhores políticos são capazes de acertar sempre.
 
Tanto Haddad como Alckmin erraram quando resolveram elevar a tarifa sem um debate prévio com a população. Foi uma decisão unilateral que, diante do protesto popular, só poderia ser mantida com métodos autoritários.
 
Por essa razão, os protestos dos últimos dias assumiram um caráter amplo, de quem defendia seus direitos democráticos.  


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