sábado, 6 de março de 2010

SOBRE VALQUÍRIAS E VAMPIROS

“Operação Valquíria”, de Bryan Singer, sobre o atentado contra Hitler de 20 de julho de 1944, com Tom Cruise no papel do coronel von Stauffenberg, provavelmente, é um dos filmes mais cretinos e falsos já realizados pela indústria cinematográfica norte-americana.

O endeusamento do suposto heroísmo de von Stauffenberg era moda na Alemanha Ocidental durante a guerra fria, promovido, exatamente, por ex-nazistas desejosos de passar por antinazistas ou “resistentes internos” contra Hitler. “Operação Valquíria” é uma repetição, fora de época, desses antigos clichês propagandísticos.

As sucessivas “conspirações” da aristocracia, sobretudo prussiana, do exército alemão contra Hitler são dos episódios mais ridículos do III Reich – é difícil encontrar na história tamanha concentração de invertebrados, apesar de estarem armados até os dentes, como nessas quase duas dezenas de conspirações, que, com exceção da última, jamais foram levadas a efeito.

Essa aristocracia tinha assistido calada à desmoralização de seus dois chefes (em 1938, o ministro da Guerra, marechal von Blomberg, teve a esposa acusada publicamente pelos nazistas de prostituição e o comandante-em-chefe do exército, general von Fritsch, foi acusado de pederastia); havia aceito a substituição da bandeira alemã pela suástica; tinha acatado um capacho nazista (Keitel) como superior; se submetera às SS em sua própria jurisdição; tinha se curvado a um juramento de lealdade eterna à Hitler - e se ajoelhado diante do racismo delirante dos nazistas.

Essa aristocracia, que monopolizava o comando da Wehrmacht, se acomodou bem ao nazismo enquanto ele estava ganhando a guerra, e, no Leste, isto é, contra a URSS, não manteve distância da barbárie, da tortura, do genocídio, do banho de sangue generalizado sobre a população civil desarmada. Pelo contrário, participara dos piores crimes cometidos na história das guerras – e seus lamentos contra a “falta de refinamento” dos nazistas são de um farisaísmo e hipocrisia que fazem doer os tímpanos de qualquer pessoa decente.

É verdade que o autor do atentado de 20 de julho de 1944, que tinha o característico nome de Claus Philipp Maria Schenk Graf von Stauffenberg,

parece ter sido o único desses conspiradores que era dotado de alguma coragem. Por sinal, era membro da atrasada nobreza feudal da Suábia, não fazia parte da “moderna” aristocracia prussiana.

Em julho de 1944, Hitler já estava derrotado e o Exército Vermelho batia as hordas nazistas em direção a Berlim, libertando os territórios das nações a leste da Alemanha. Somente aí, debaixo desse rolo compressor, os conspiradores se animaram a ir além das conversas em torno de xícaras de chá e garrafas de “schnaps”. E somente von Stauffenberg fez algo prático.

Porém, o que tanto ele quanto seus colegas tinham contra Hitler era o fato deste ter fracassado – e, ainda por cima, diante dos soviéticos. Do ponto de vista político, Stauffenberg não era muito diferente dos nazistas: detestava qualquer democracia, adepto que era de uma feroz ditadura militarista.

Aliás, o programa desses conspiradores revela bem a sua essência: fazer um acordo com americanos e ingleses para que a Alemanha mantivesse as conquistas de Hitler no Leste, o que também expõe o quanto estavam decolados da realidade.

Não havia como os dirigentes americanos e ingleses concordarem com isso, mesmo que quisessem - porque não existia, em 1944, espaço político algum em seus próprios países para tal acordo. E a questão principal continuava a ser: quem iria parar o Exército Vermelho?

O escritor norte-americano Richard Condon é um especialista em sátiras e pastiches (p. ex., “O Candidato da Manchúria” - infelizmente expurgado do conteúdo satírico na versão cinematográfica de John Frankenheimer - e “A Honra do Poderoso Prizzi”, que John Huston compreendeu bem no filme de mesmo nome). Em 1965, Condon publicou um livro sobre o complô de 20 de julho, “Uma Infinidade de Espelhos”. O personagem baseado em von Stauffenberg não é antipático, mas o título do livro é uma conclusão súbita da mulher deste, após a execução do marido: o grosseiro e bárbaro Hitler é uma imagem no espelho daqueles bem educados aristocratas do exército. Eles estavam tentando destruir a sua própria imagem especular.

Tanto isso era verdade, que bastou Hitler sobreviver para que todos os planos, em poucas horas, se esboroassem – e sem necessidade de nenhum grande esforço por parte dos nazistas. Como registra em suas memórias o ministro dos Armamentos do III Reich, Albert Speer, ele e Goebbels estavam sem proteção de tropa alguma em Berlim, nem mesmo das SS, quando o complô acabou ao primeiro grito – por telefone - de Hitler. Este teria que esperar o Exército Vermelho chegar a Berlim para ter o seu justo destino.

C.L.


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