quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Manifestações exigem “o Iraque para os iraquianos”



    “Enquanto os EUA negam o pesadelo engendrado pela guerra e ocupação, os iraquianos tomam massivamente as ruas” afirmou na semana passada o jornal britânico The Guardian. Dois anos após a retirada das tropas de combate americanas o que se passa no Iraque ?
DIRK ADRIAENSSEN*
Desde 26 de dezembro manifestações de massa acontecem quotidianamente em várias das grandes cidade iraquianas. São centenas de milhares de pessoas que se reúnem muitas vezes num país que conhece a violência já há duas décadas e onde cada manifestante é considerado um terrorista. Nada menos que 302 pessoas foram mortas em atentados, a tiro ou em manifestações no mês passado.
O The Guardian estima que a situação atual do Iraque é bem pior que a da Síria. Para o jornal britânico isso é devido ao fato do primeiro-ministro Nouri Al Maliki ser um ditador, seu regime é visto como a segunda cara da ocupação americana: “Maliki detém todos os poderes. Ele é ao mesmo tempo primeiro-ministro, ministro da Defesa, ministro do Interior, chefe dos serviços de informação e chefe do exército.
Segundo o Guardian a justiça iraquiana é estremamente arbitrária e está a serviço do governo a tal ponto que a Interpol, maior organização internacional de polícia da qual fazem parte 109 países, decidiu não mais trabalhar com ela. A organização Transparência Internacional considera o Iraque de Maliki um dos países mais corruptos do mundo.
A retirada das tropas de combate pelos EUA no fim de 2011 não significou o fim da ocupação. Conselheiros americanos trabalham em todos os ministérios iraquianos. Vários milhares de soldados americanos, agentes da CIA e mercenários são figuras sempre presentes na embaixada americana – que ocupa uma superfície de terra maior que o Vaticano.
Todas as transações financeiras com o estrangeiro são feitas através do banco americano J.P.Morgan. Os EUA têm o compromisso de fornecer 11 milhões de dólares em armas ao ano ao exército de Maliki.
Consentimento mútuo
A onda de protestos massivos contra o governo de Maliki começou em 26 de dezembro. Seu ponto culminante até aqui aconteceu no dia 25 de dezembro com manifestações gigantescas em várias importantes cidades. Os protestos foram desencadeados por testemunhos dados e vazamento de informações sobre as condições da prisão de mulheres que sofreram violações e torturas atrozes. Mulheres e crianças são fequentemente presas no lugar de seus maridos, pais ou irmãos na clandestinidade.
Centenas de milhares de jovens iraquianos inocentes adoecem nas priosões secretas durante muitos anos, a maior parte sem qualquer acusação, forma de processo ou julgamento. Organizações de direitos humanos iraquianas já fizeram relatórios ao parlamento, mas o governo responde com um monte de mentiras. Um membro da Comissão Parlamentar dos Direitos do Homem, Ali Shubbar, ligado ao governo não teve medo de afirmar à imprensa o absurdo de que “as mulheres presas seduzem seus guardas e interrogadores. O que se passa dentro das prisões é sexo com o consentimento mútuo”.
Os iraquianos recusam essa arbitrariedade e arrogância. Para eles essas práticas são consequências dos anos de ocupação americana. Durante esse período um milhão e meio de iraquianos foram mortos, centenas de milhares estão desaparecidos, milhares de iraquianos foram obrigados a deixar o país e 2,7 milhões são refugiados no interior do país. Ao mesmo tempo em que o governo pró-americano gasta mais de 700 milhões de dólares, a maior parte dos iraquianos não têm acesso à eletricidade, à água potável, a serviços de saúde de que dispunham antes da invasão americana.
Dividir para reinar
Antes de retirar suas tropas do Iraque os EUA capitanearam a aprovação de uma constituição que reparte o poder segundo cotas por grupos religiosos implantando um sistema político que exacerba as contradições religiosas. Maliki é considerado como representante dos xiitas e não por acaso a grande maioria dos prisioneiros são sunitas. A mídia apresenta as manifestações como expressão de um conflito religioso entre sunitas contra um regime xiita. O jornal inglês The Guardian sublinha, entretanto, que grandes delegações xiitas participam das manifestações. O líder xiita Moktad Al Sadr tem percorrido várias cidades se declarando solidário aos manifestantes. Os kurdos do norte cujos dirigentes são supostamente aliados de Maliki participam igualmente das manifestações.
Exigência dos manifestantes

- Libertação imediata dos presos políticos
- Retirada das medidas draconianas contra os opositores
- Igualdade de oportunidade de empregos sob a base profissional
- Fornecimento de água, eletricidade, saúde para todas as províncias
- Recenseamento populacional organizado pela ONU
- O fim da divisão entre grupos étnicos e religiosos
- O fim das perseguições arbitrárias sem mandato judicial e baseada na delação
- Fim da corrupção financeira, administrativa e jurídica
- Contra toda forma de sectarismo e devolução das propriedades e edifícios religiosos aos seus proprietários legítimos.

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Artigo publicado em Bruxelas no jornal Solidaire em 29 de janeiro.
http://www.horadopovo.com.br/

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