sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

A terceirização escravagista

Em artigo publicado na "Folha de S. Paulo", da última quarta-feira, o senhor Jan Wiegerinck, presidente do Sindeprestem (Sindicato das Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros) advogou que a terceirização da mão-de-obra na atividade-fim das empresas necessita ser legalizada porque, em sua opinião, não é possível definir qual é a atividade-fim de determinados setores, a exemplo das "indústrias automobilística, eletrônica, de informática, de telecomunicações".A "atividade-fim" é a razão de existir da empresa. Por isso, não nos parece tão difícil defini-la – ou perceber qual é ela, seja que empresa for. Para ficar em um dos exemplos citados por Jan Wiegerinck, uma montadora de automóveis tem esse nome porque sua atividade-fim é montar automóveis. Parece demasiado simples – mas apenas porque realmente é simples. Se a empresa terceiriza a mão-de-obra em sua atividade-fim, isso somente pode ter um objetivo: eludir as leis trabalhistas, isto é, sua responsabilidade para com os trabalhadores, além, evidentemente, de outras leis, por exemplo, de caráter tributário, e escapar à fiscalização do Estado.MONOPÓLIOSA dificuldade, portanto, não é descobrir qual é a atividade-fim de uma empresa. A dificuldade é que existem algumas empresas – em geral, monopólios, sobretudo multinacionais – que não querem respeitar os direitos trabalhistas, nem pagar impostos. E para isso querem recorrer à terceirização da mão-de-obra, inclusive na atividade-fim das empresas. Foi por esta razão que o Tribunal Superior do Trabalho, em seu enunciado 331, proibiu, porque é ilegal, a terceirização da mão-de-obra na atividade-fim das empresas.Isso, evidentemente, nada tem a ver com a contratação de serviços especializados de terceiros, como realmente é feito em muitos setores, inclusive nas montadoras. Misturar as duas questões como se fossem a mesma, é bem característico da esperteza que certos executivos de monopólios chamam, erradamente, de "business".A lei, por consequência, tem que ser específica e detalhada, determinando quais os setores que podem ser objeto de terceirização e quais não podem. Mas é evidente que a questão mais essencial é que não pode haver terceirização da mão-de-obra na atividade-fim, ou a empresa deixaria de ser uma empresa para tornar-se uma fachada sob a qual a lei não vigoraria. Uma empresa não é um galpão ou uma senzala. Uma empresa é um empreendimento com determinado objetivo – e esse objetivo determina a atividade-fim.Nesse sentido, o sr. Jan Wiegerinck não tem razão, na sua defesa da terceirização, em levantar que "a Constituição não poderia ser mais clara: 'É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão' (artigo 5º)". Ninguém discute tal dispositivo. Mas dele não se depreende que alguém seja livre para desrespeitar as leis – muito menos desrespeitar as leis para atentar contra a liberdade de trabalho que é garantida pelas leis trabalhistas.Porém, continua o sr. Wiegerinck: "Quanto aos serviços terceirizados, o país reclama por um modelo, como o que vigora no Japão há mais de 20 anos, o qual garante ao trabalhador os mesmos direitos dos quadros efetivos das empresas. O projeto 4.302/98, que tramita na Câmara dos Deputados, inspira-se nesse escopo".ILEGALQuanto ao Japão, se lá os trabalhadores terceirizados têm a mesma falta de direitos dos trabalhadores não-terceirizados, isso não nos serve de consolo nem de modelo. Quanto ao projeto 4.302/98, o maior problema dele é que não define claramente que a terceirização é ilegal – e, portanto, deve ser proibida – na atividade-fim das empresas. É essa a questão, ou seja, é essa a discussão em torno do projeto. Não por acaso, o sr. Wiegerinck maldiz "as intermináveis discussões sobre o tema, muitas vezes motivadas por interesses corporativos não raro inconfessáveis, [que] condenam à informalidade milhões de trabalhadores, desprotegidos de direitos e da oportunidade de alcançar o mercado formal de trabalho, justamente por falta de instrumento legal".Não são os interesses dos sindicatos que são "inconfessáveis". Inconfessáveis são os interesses monopolistas que se escondem atrás da terceirização – e o sr. Jan Wiegerinck sabe bem disso, pois quem determina o que é pago a essas empresas de terceirização são os monopólios; não são essas empresas, algo parecidas com os "gatos" que forneciam bóias-frias à lavoura, que fazem seu preço. Portanto, é essa tentativa de passar por cima das leis que condenam trabalhadores à informalidade. As discussões são exatamente porque tenta-se, no momento, passar como lei um texto que, ao não proibir a terceirização da mão-de-obra na atividade-fim das empresas, é uma tentativa de estupro à legislação.Essa legislação existe. Não é um "avanço" (como diz Wiegerinck) que as empresas passem a cumpri-las. Isso é uma obrigação delas, e para isso não se necessita de qualquer nova lei. As leis atuais são feitas para proteger o lado mais fraco (o trabalhador) da exploração imposta pelo lado mais forte. O que se quer, de forma embuçada, é aprovar uma lei que proteja o lado mais forte. Natural que os trabalhadores sejam contra.

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