sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

O Cinema Brasileiro pré-1930
“Quando o exibidor se associou com o distribuidor estrangeiro, o produtor nacional não conseguiu competir com o preço oferecido pelos filmes importados, ou romper com os esquemas de publicidade que introduziram o star-system”
Em setembro de 2008, a editora Annablume publicou a 2ª edição do livro “Estado e Cinema no Brasil”, da pesquisadora Anita Simis – Depto. de Sociologia da Unesp (Araraquara)

Qualquer semelhança entre a situação do Cinema Brasileiro pré-1930 e a atual não é mera coincidência.
É apenas o resultado da ação dos monopólios externos para controlar a distribuição e exibição cinematográfica no Brasil, e da omissão do Estado, cujas autoridades, nos últimos seis anos, têm se limitado a assistir o triste espetáculo da ocupação predatória do nosso mercado.
Não é demais lembrar que temos hoje uma produção anual de cerca de 50 longas metragens inteiramente bancada por recursos do Estado. Mas a maioria não chega ao público, pois são filmes que não passam na televisão e quando vão às telas dos cinemas são lançados com um número irrisório de cópias – ou seja, não existem.
Esta é a razão principal pela qual o número de espectadores dos filmes brasileiros caiu continuamente de 23% em 2003 para menos de 10% em 2009. E vai continuar caindo, enquanto o Minc e a Ancine seguirem insistindo na política de avestruz.
S.R.
ANITA SIMIS
De 1897 a 1907, temos uma fase de introdução e apresentação da invenção cinematográfica. Não há um mercado estabilizado. A exibição é ambulante e a produção nacional de filmes é esporádica: 151 filmes curtos produzidos em 10 anos. Inicialmente, as relações entre os produtores e o poder talvez possa ser interpretados apenas como troca de gentileza – os irmãos Secreto filmam a visita do presidente Prudente de Morais ao cruzador Benjamin Constant, após a visita do prócer ao Salão de Novidades Paris, no Rio, em 1898 -, embora cedo o cinema também tenha sido contratado para prestar serviços a instituições públicas ou para satisfazer as ambições de políticos.
Mas entre 1908 e 1913, com a introdução de salas regulares de exibição em vários estados do país, a produção nacional de filmes alcança a soma considerável de 963 títulos. Havia uma solidariedade de interesses entre a produção nacional e a exibição devida em grande parte ao fato de que, muitas vezes, os exibidores, além de serem importadores dos filmes estrangeiros, eram também produtores de filmes. Ou seja, com a estabilização do comércio cinematográfico, a decisão comercial entre produzir filmes ou comprá-los no estrangeiro não desmereceu a produção doméstica e, conforme pesquisas feitas nas fontes de imprensa do Paraná que apresentam um número significativo de filmes nacionais no período de 1908 e 1910, os mesmos foram exibidos. É significativo que 1910 tenha sido o ano em que foi organizado o primeiro estúdio, por iniciativa de Giuseppe Labanca, seguido por outro, em 1915, de Antônio Leal, este todo de vidro para aproveitar a luz solar.
Paulo Emílio Santos também assinala o triunfo de bilheteria dos filmes nacionais então exibidos, ressaltando que, embora tecnicamente inferiores aos similares importados, eram bem aceitos, pois o público espectador era “ainda ingênuo, não iniciado no gosto pelo acabamento de um produto cujo consumo apenas começara”, não comparava estes filmes àqueles dos outros países. Entre os filmes de grande sucesso, temos Os estranguladores (1908), que alcançou mais de 800 exibições em dois meses, e Paz e amor (1910), exibido mais de 900 vezes. Pesquisas recentes mostram que cinematografistas de estados como o Paraná fizeram sucesso em suas cidades, como Aníbal Requião com A viagem à serra.
Neste período, a atividade cinematográfica foi expressivamente marcada pela criatividade de imigrantes que produzem uma série de filmes falantes e cantantes (projeção de filmes, com atores e cantores postados atrás da tela, durante cada sessão, procurando sincronizar falas e cantos, da melhor maneira possível, com as imagens projetadas), bem como pela intensa “rivalidade” entre os produtores: A viúva alegre chegou a ser filmada em três versões. Grande parte destes filmes era de curta-metragem (768), vários deles documentários, tomadas de vista, e um quarto de ficção (240). O usual era a exibição do curta, o que facilitava a exibição dos filmes nacionais.
Além disso, no âmbito da produção era possível adquirir filme virgem e máquinas de filmar a preços razoáveis. Mas, por volta de 1914, houve um declínio da produção nacional de filmes virgens, dada a alta do câmbio, a crise enfrentada pelo setor exibidor, em parte também produtor, e, principalmente, pelo fato de que Hollywood já ensaiava a grande revolução econômica do cinema americano, a qual traria profundas consequências para países como o Brasil.
O cinema norte-americano penetrou nos mercados nacionais de vários países, aproveitando a situação crítica de guerra dos países industriais europeus envolvidos no conflito mundial, e, se até então nosso mercado exibia produções francesas, italianas, alemãs, suecas e dinamarquesas, após a guerra predominarão as norte-americanas. Em 1921, do total de 1.295 filmes censurados no Rio de Janeiro, 923 eram de procedência americana, posicionando o Brasil no quarto lugar entre os países importadores de filmes impressos dos EUA. Em 1925, esta tendência se acentuou. Segundo dados da Censura Policial, o Rio de Janeiro teria visto um total de 1.274 filmes, assim distribuídos conforme a procedência: EUA (1.065), França (85), Brasil (52), Alemanha (24), Portugal (20), Itália (19), Suíça (5), Áustria (2), Dinamarca (1), Inglaterra (1).
Além disso, com a introdução das distribuidoras norte-americanas, os exibidores, que antes compravam os filmes impressos para poder exibi-los, passavam agora a alugá-los. Estas distribuidoras, que detinham a exclusividade de distribuição dos filmes americanos e passaram também a monopolizar, mediante convênios, a importação de filmes europeus, eliminando seus concorrentes – ex-exibidores/ importadores, como Francisco Serrador e Matarazzo, ou Marc Ferrez, dono do Cine Pathé – estabeleceram um vínculo com os exibidores alicerçado em função do cinema estrangeiro.
Um artigo sobre os cinemas cariocas afirma que, com a inauguração de novas salas em 1925, firmaram-se contratos de arrendamento entre a Companhia Brasil Cinematográfica, de Serrador, e a Agência Paramount no Rio, que distribuía também os filmes da Metro-Goldwyn-Mayer (MGM), para exibição exclusiva destes filmes americanos nos cinemas Capitólio e Império. Mas, um ano depois, a Paramount comprou de Serrador estas duas salas, controlando pela primeira vez a exibição de seus filmes, restando para Serrador a propriedade de outras três salas de cinema. A MGM, por sua vez, apenas em 1936 entra diretamente no setor exibidor, mas construindo seus próprios cinemas.
A reorganização do mercado rompeu a solidariedade produtor/exibidor, ao mesmo tempo que estabeleceu uma aliança entre exibidores e distribuidores. Assim, já no início dos anos 20, o comércio de distribuição e principalmente o de exibição se expandiu (em 1924, é aprovado o regulamento de casas de diversões públicas por meio do decreto 16.590, cujo capítulo IV trata exclusivamente das disposições especiais relativas aos cinematógrafos). O Cine República marcou a revitalização no setor exibidor, nada devendo aos melhores cinemas do mundo, contando com salão de dança e orquestra a caráter na sala de espera. Se, como lembra Pedro Lima, os cinemas da década de 10 não passavam de uma sala de visitas com cadeiras de madeira ou palhinha, na década seguinte o luxo e a suntuosidade dos ambientes criaram o ritual que antecede a apresentação do espetáculo cinematográfico, reforçando o clima de sedução: soa o gongo, a sala escurece lentamente e as cortinas se abrem. O filme vinha complementar o espetáculo que começava na arquitetura do cinema. O culto do divertimento se estabelecia entre nós. “O cinema”, afirma Maria Rita Galvão, “desbancava os circos, os cafés-concerto, os teatros, os serões”. Francisco Serrador, com sua Companhia Cinematográfica Brasileira, forma um truste, comprando salas de exibição em todo o país e, em 1925, inaugura a primeira de suas luxuosas casas na Cinelândia – uma sofisticação que atingirá agora as diversas classes sociais, relegando a produção de fitas nacionais a um segundo plano, o da produção de documentários e jornais.
Os problemas com a produção nacional seriam ainda mais agravados com a proliferação do filme de longa-metragem, que exigia grandes investimentos e um padrão de qualidade superior ao obtido com as câmeras e laboratórios aqui disponíveis, e os esquemas de divulgação que introduziram o chamado star-system.
O público espectador passou a “preferir” os filmes estrangeiros e os exibidores dos grandes centros a desprezar os filmes nacionais. Segundo depoimento do exibidor Júlio Llorente, a má qualidade dos filmes nacionais e sua consequente baixa rentabilidade fez com que fossem distribuídos por agentes isolados, à base de comissões, nas regiões mais pobres, cidades pequenas desprezadas pelas grandes agências. Alex Viany afirma que esta prática fez com que produtoras de estados distantes das grandes metrópoles perdessem o controle sobre a exibição de seus filmes, como a Aurora Films de Pernambuco, que entregou a primeira cópia de A filha do advogado a um cidadão que desapareceu com ela no sul do país. Outras vezes, como ocorreu a Almeida Fleming, com In Hoc Signo Vinces (1921), filme que alcançou sucesso, confiou-se a distribuição a uma empresa de São Paulo que o explorou em várias regiões sem prestar contas.
Destaque-se, no entanto, algumas exceções no que concerne à distribuição de filmes nacionais por distribuidoras norte-americanas: O guarani (1926) e Barro humano (1928) pela Paramount e Brasa dormida (1926) pela Universal. A explicação para o fato, no entender de Paulo Emílio, era “apenas afagar o patriotismo de um círculo reduzido de cineastas e jornalistas, demonstrando-lhes como era desnecessário o amparo do governo ao filme nacional”.
Além disso, é preciso ressaltar que esta “preferência” do público pelo filme estrangeiro precisa ser examinada com cuidado. Outro depoimento, de Nicola Tartaglione, apontando a dependência dos exibidores quanto aos distribuidores estrangeiros, procura desmistificar a versão de que o filme brasileiro é dado ao fracasso. “O filme sempre fazia sucesso, principalmente no interior”, e, se o lucro era pequeno, “prejuízo não dava nunca”. O problema era ter “tirocínio”, obter encomendas de filmagens, levar o filme ao dono de uma sala de cinema e conseguir uma exibição, nem que fosse fora do horário normal. O filme Brasa dormida, que lotava uma sessão às duas da tarde e que manteve sua exibição durante uma semana, enquanto outros filmes permaneciam três dias, ou Vício e beleza (1926), que custou apenas 30 contos, mas rendeu 500, sendo exportado para a Argentina e o Uruguai, onde rendeu mais 300, provam que ao menos alguns filmes nacionais, quando exibidos, obtiam êxito. Como veremos mais adiante, no final dos anos 20, o advento do cinema falado possibilitou a exibição de filmes nacionais concebidos dentro das normas do cinema silenciosos e muitos obtiveram lucro.
Estas dificuldades encontradas pela produção nacional de filmes levaram-na a ocupar o único espaço no mercado exibidor que não oferecia concorrência aos filmes estrangeiros: o dos filmes documentários e dos cinejornais, pois abordavam apenas assuntos locais. Havia também os filmes feitos por encomenda, publicitários ou de exaltação a alguma personalidade, além dos filmes institucionais encomendados pelo Estado. Exemplificando, temos: Sociedade anônima fábrica Votorantim (1922) e Administração Pires do Rio (1926-1929), este encomendado pela prefeitura à Rossi Film.
A partir dos anos 20, é o curta-metragem de não-ficção que pode explicar o crescimento da produção nacional. Em São Paulo e no Rio registram-se cerca de 12 firmas, 20 novos cineastas, alguns brasileiros, como Luiz de Barros e José Medina.
O Rossi Atualidades abriu, em São Paulo, o caminho para outros jornais e documentários de cavação sustentados por propaganda política ou comercial e a proliferação de cinegrafistas isolados e de produtoras, como a Campo Film, a Guarany Film, primeiro de José Carrari, depois de seu irmão e de Nicola Tartaglione, a Santa Therezinha Film, a Sul-América Film e a Rex Film, que junto com a Rossi Film, passaram a concorrer entre si.
Nesse sentido, se, por um lado, é simplista responsabilizar apenas a ocupação do mercado pela produção estrangeira pela falência do desenvolvimento do cinema brasileiro em bases industriais, discordamos, por outro, da argumentação que acrescenta alguns fatores internos, como:
a)- A inabilidade ou o amadorismo dos produtores na tentativa de ampliar e consolidar um amplo mercado.
Evidentemente, como em qualquer outro ramo industrial, há empresas rentáveis, bem sucedidas e outras deficitárias, malogradas, compelidas a requerer falência. Sem dúvida, a incompetência de alguns pode ter ocorrido, mas este fator não é determinante. Além disso, diante das possibilidades apresentadas pelo mercado, não se pode dizer que empresas como a Rex Film e a Guarany Film, abertas ao menos até 1975, foram inábeis. De acordo com Nicola Tartaglione, o cálculo da Guarany Film era fazer suas reportagens correrem o circuito durante cinco, seis anos, garantindo sua manutenção e tirar proveito de encomendas do governo, como durante a campanha do café, quando o cinema foi utilizado na propaganda externa e rendeu muito dinheiro. Quanto a Gilberto Rossi, que trabalhou até os 80 anos, além da cavação institucional, como foi relatado, conseguiu realizar, junto com José Medina, filmes de enredo, como Exemplo regenerador (1919), Perversidade (1921), Carlitinhos (1921), Do Rio a São Paulo para casar (1922) e Gigi (1925), todos com sucesso de público.
b)- A falta na concentração de recursos.
Se os recursos obtidos pela produção eram de início confundidos com os da exibição ou importação, posteriormente, com a diferenciação dos agentes envolvidos nas três áreas, os poucos meios existentes de forma contínua, que possibilitaram a continuidade da produção, foram aqueles proporcionados pelos filmes de cavação institucional e privada.
c)- A falta de vontade para enfrentar a disputa com o filme estrangeiro no mercado.
Se ela não existisse, não seriam criadas sempre novas empresas.
A intenção que movimentava as pessoas para um ramo cujo mercado foi dominado pelo filme estrangeiro, aliada às necessidades de sobrevivência no momento em que o Estado, dirigido por interesses particularistas, não propunha uma política definida no âmbito cultural, e a falta, por parte dos produtores, de uma consciência clara dos problemas que envolviam tal atividade na questão referente à distribuição e à exibição fizeram com que o cinema brasileiro, embora marginalizado, se mantivesse em bases artesanais. Em outras palavras, a produção cinematográfica brasileira pôde concorrer em igualdade de condições com a estrangeira enquanto esteve associada ao exibidor, já que este lhe garantia a distribuição e o capital oriundo da exibição, sem necessidade de fiscalização. Quando o exibidor se associou com o distribuidor estrangeiro, o produtor nacional não conseguiu competir com o preço oferecido pelos filmes importados, cujos investimentos com os avanços técnicos da indústria eram ressarcidos em seus mercados de origem, ou romper com os esquemas de publicidade que introduziram o star-system. O produtor nacional, diante do peso econômico representado pela sua atividade, foi considerado um aventureiro e só pôde sobreviver produzindo em bases artesanais e mesmo assim quando as oscilações da importação do filme virgem o permitiam. Nessas condições, era premente a intervenção do Estado no sentido de garantir a competição, impedindo a monopolização da exibição pela produção estrangeira, mas ainda não havia uma política para o setor e, por outro lado, os produtores apenas ensaiavam suas reivindicações.

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