segunda-feira, 14 de abril de 2014

Paradoxo da eleição



José Maurício Domingues

Eleição é um processo que representa, mas retrata imperfeitamente, as tendências profundas da sociedade, que tem de fazer escolhas entre opções que apenas indiretamente construiu. Cada candidato reúne forças distintas e arma uma coalizão que vai ao eleitorado sem apresentar exatamente o que cada eleitor gostaria de ver.

A eleição atual para presidente começa assim a revelar um curioso paradoxo: todos querem mudança. Dilma Rousseff, embora lidere e continue favorita para ganhar, tem dificuldade para encarnar esse anseio, a dupla Eduardo Campos e Marina Silva pode vir a fazê-lo, mas talvez na verdade na direção contrária a que o eleitorado desejaria.

Desde as plurais e por vezes contraditórias manifestações de junho de 2013 está claro — e todas as sondagens o confirmam — que vastos setores da população esperam mais do governo.
Dilma teve a oportunidade de abraçar esse projeto, porém, derrotada em sua política econômica e premida pelo capital financeiro internacional e os empresários locais, adotou posição mais conservadora, enquanto a sociedade se movia para uma posição mais à esquerda, demandando direitos sociais universalizados.
Campos e Marina querem encarnar essa mudança, falarão desses direitos e de desenvolvimento sustentável durante a eleição, mas dificilmente darão ênfase ao projeto econômico liberal-conservador que a cada dia mais nitidamente abraçam. Aécio Neves, sim, pode explicitar isso, mas se tratará somente de jogar para um nicho eleitoral ao que tudo indica incapaz de levar sua candidatura à vitória.

O desejo de avanços para o país, em um quase inevitável segundo turno, pode assim acabar no colo de Campos e Marina. Dilma corre o risco de ser derrotada por um discurso renovador com fortes acenos à esquerda, cuja política econômica, bem menos social que a que Lula e ela mesma vêm implementando, será incapaz, na prática, de garantir a universalização da saúde e da educação de qualidade, bem como a solução da questão da mobilidade urbana.

Deve-se levar em conta também que o PSOL e Randolfe Rodrigues provavelmente crescerão à esquerda; pouco, porém o suficiente para influenciar a conjuntura, talvez decisivamente.

O risco para Dilma pode ser manter-se na posição centrista em que crê estar em vantagem sobre seus adversários, perdendo parte do centro e parte da esquerda. Provavelmente, a melhor estratégia seria consolidar seus votos à esquerda, para a qual se deslocou parcialmente o centro, fechando esse espaço para Campos e Marina com um programa social vigoroso e mais universalista em termos de direitos sociais do que tem sido até agora o dos governos do PT.

O problema é como fazê-lo sem incomodar demais o empresariado e atraindo os movimentos sociais, que já não confiam em um projeto que há quatro anos se recusa a conversar com eles, mantendo-se em seu olimpo tecnocrático. Obviamente há ainda a questão do crescimento e da inflação, e outros, como a Petrobras, nada simples de tratar. A bandeira da reforma política é importantíssima, mas, isoladamente, tem impacto provável reduzido.

É improvável que Campos e Marina não cresçam, mas sua vida ficaria mais difícil se estas questões fossem postas em sua radicalidade: gastos públicos em expansão são uma necessidade para ampliarem-se direitos. A zona de conforto da dupla é o discurso heteróclito que joga em múltiplas direções, como se não fossem contraditórias.

Segue em curso a controvérsia sobre as visões, desde junho, das diversas classes e gerações, grupos sociais e forças políticas. Mas não se deveria supor que elas estão dadas. Em particular depende em larga medida da resposta das forças políticas o rumo que o debate e as perspectivas, bem como os movimentos concretos de cada coletividade, tomarão daqui para a frente.

E, como sempre no Brasil, será decisiva a direção que tomará o centro do espectro político, onde aliás se localiza boa parte da classe média.

Se a hipótese deste texto, de que ele se inclinou à esquerda, está correta, abriu-se grande oportunidade para avançar no aprofundamento de um projeto progressista. Será uma pena se ela se perder. O risco para o Brasil é uma forte onda de votos brancos e nulos.

De todo modo, quem quer que ganhe terá de dar resposta a essas demandas. As ruas desde 2013 estão inquietas e nada indica que deixarão de estar no desdobrar da conjuntura nacional.

(José Maurício Domingues é professor do Iesp-Uerj).

 

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