quinta-feira, 6 de outubro de 2011


Walesa e Lula: o fim das comparações

É claro que a política de Lula não foi livre de contradições. Mas ele, ao contrário de Lech Walesa, nunca perdeu nem a consciência de classe nem o compromisso político. Ao final de dois mandatos, tinha mais de 80% de popularidade. Já Walesa, ao assumir a presidência, deixou de lutar pelos interesses dos trabalhadores e começou a defender os do capital, enterrando neste caminho toda a ideia de solidariedade social. O artigo é de Maciek Wisniewski.


Uma ocasião para voltar a olhar a história de uma complicada relação e o saldo de seus atividades: no dia 29 de setembro, Lech Walesa entregou a Luiz Inácio Lula da Silva um prêmio da Fundação Walesa como reconhecimento por ter atuado para diminuir as desigualdades sociais e fortalecer a importância dos países em desenvolvimento. O ex-presidente polonês (1990-1995), prêmio Nobel da Paz 1983, e o ex-presidente do Brasil (2003-1010) se reuniram em Gdansk, onde no início dos anos 80 Walesa liderou as greves que levaram à criação do primeiro sindicato independente do bloco socialista.

Ainda que ambos os dirigentes compartilhem as mesmas raízes – vem de famílias humildes, foram operários e líderes sindicais que lutaram contra ditaduras -, as realidades distintas de seu país dificultaram o entendimento entre eles. Como assinala Theotonio dos Santos, destacado economista e cientista político brasileiro, um dos autores da teoria da dependência, os principais vetores políticos no leste europeu e na América Latina eram completamente diferentes: enquanto na Polônia o capitalismo e o livre mercado eram sinônimos de liberdade, no Brasil o livre mercado chegou com a ditadura e a liberdade era o socialismo.

Nos anos 80, Lula procurou Walesa. Naquele período, comparar-se e colocar-se ao lado da estrela do sindicalismo livre era importante para sua luta. Eles se conheceram, mas Walesa afirmou que ele queria abolir o comunismo e Lula queria construir um. Não houve simpatia entre eles. Ainda assim, quando, em 1985, acabou o regime militar no Brasil, Walesa mandou a seu colega uma calorosa carta. Mas quando, depois de 1989, a Polônia ingressou na democracia, o líder do Solidariedade se ufanava que ele tinha virado presidente e Lula não.

No entanto, esse foi um triste divisor de águas para Walesa: uma vez no poder, sua liderança decaiu. Seu personalismo, prepotência e conflitividade fizeram com que perdesse a eleição para um segundo mandato, e ele acabou se tornando um dos políticos mais impopulares da Polônia.

No plano econômico, ele se comprometeu a restaurar o capitalismo. Sua fé nos mercados autorregulados, o mantra de que as desigualdades são boas para a economia, eram típicos da época do fim da história. Com a população mergulhada em um trauma pós-socialista, abriu as portas às reformas neoliberais e à terapia de choque. Para facilitá-las, permitiu a contenção dos sindicatos: segundo eles, estes eram bons para abolir o comunismo, mas no capitalismo já não tinham utilidade (sic).

Deixou de lutar pelos interesses dos trabalhadores e começou a defender os do capital, enterrando neste caminho toda a ideia de solidariedade social. O resultado: enormes desigualdades sociais, desindustrialização, alto desemprego e a Polônia submissa ao capitalismo global na qualidade de periferia.

Theotonio dos Santos lembra que, quando depois de 1989, dizia a seus colegas da Polônia ou da Hungria: “Bem vindos ao subdesenvolvimento!”, eles não entendiam nada...

Uma vez aposentado, Walesa, mediante sua fundação, dedicou-se ao enriquecimento e ao marketing pessoal. Tornou-se um conferencista-mercenário e assessor de quem paga mais. Assim ocorreu no México, em julho de 2005, quando assistiu aos festejos do então presidente Vicente Fox, que estava deixando o governo, expondo sua curiosa tese de que utilizar a democracia é uma possibilidade diretamente proporcional ao tamanho do talão de cheque. Ou quando, mais recentemente, se vendeu a uma cadeia de lojas, conhecida por violar massivamente os direitos trabalhistas.

O caminho de Lula à presidência foi mais sinuoso, mas uma vez no posto demonstrou que era possível pensar de modo diferente o capitalismo e a democracia – longe do anticapitalismo e com todas as limitações da sociedade em que vivemos – e questionou os dogmas neoliberais de seu predecessor Fernando Henrique Cardoso (Theotonio dos Santos é um crítico feroz da tese da suposta continuidade entre Cardoso e Lula).

Lula pensou que um dos maiores problemas da democracia e do capitalismo era a desigualdade e se dedicou a combatê-la. Ajudou milhões a sair da pobreza e garantiu êxito econômico ao país. Isso foi reconhecido pelo próprio Cardoso, com um peculiar elogio, quando disse que Lula foi um Walesa que funcionou. Mas este, já faz tempo, tomou outro caminho e acabou em outro lugar que Walesa. Não há nada que comparar, diz Theotonio dos Santos.

É claro que a política de Lula não foi livre de contradições. Mas ele, ao contrário de Walesa, nunca perdeu nem a consciência de classe nem o compromisso político. Ao final de dois mandatos, tinha mais de 80% de popularidade.

Agora foi Walesa que procurou Lula. Elogiando-o, tratou de reviver as semelhanças e apoiar post factum o seu êxito. Até admitiu que é Lula, e não ele, quem tem razão sobre o capitalismo. Devido à sua prepotência, soou como um aviso do fim do mundo.

Enquanto isso, o que seguramente chegou ao fim são as comparações entre os dois ex-presidentes.

(*) Jornalista polonês

Tradução: Katarina Peixoto

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