segunda-feira, 24 de novembro de 2008

"A Grande Depressão do século 21"




Não é possível qualquer reforma sob o Consenso Washington-Wall Street", afirma o economista Chossudovsky em seu artigo A Grande Depressão do século 21 : Colapso da Economia Global, do qual publicamos trechosEsta crise é muito mais séria do que a Grande Depressão. Todos os setores importantes da economia são afetados.O proposto salvamento bancário sob o chamado Troubled Asset Relief Program (TARP) não é uma "solução" para a crise e sim a "causa" de mais um colapso. O salvamento contribui para um novo processo de desestabilização da arquitetura financeira. Ele transfere grandes quantias de dinheiro público, às expensas dos contribuintes, para as mãos de financeiras privadas. Isto leva a uma espiral de dívida pública e a uma centralização do poder bancário sem precedentes. Além disso, o dinheiro do salvamento é utilizado pelos gigantes financeiros para obter aquisições corporativas tanto no sector financeiro como na economia real. Esta concentração sem precedentes de poder financeiro conduz setores inteiros da indústria e dos serviços, um por um, à bancarrota, o que leva à demissão de milhares de trabalhadores. A riqueza de papel é transformada em propriedade e controle de ativos produtivos reais, incluindo indústria, serviços, recursos naturais, infraes-trutura, etc. A economia real está em crise. O consequente aumento do desemprego causa um declínio dramático nos gastos do consumidor o que por sua vez faz retroceder os níveis de produção de bens e serviços. As empresas não podem vender os seus produtos, porque os trabalhadores foram despedidos. Os consumidores, nomeadamente os trabalhadores, foram privados do poder de compra necessário para alimentar o crescimento econômico.Os estoques de bens não vendidos, acumulam-se. Finalmente, a produção entra em colapso.No processo de fechamento da fábrica, muitos trabalhadores tornam-se desempregados. Milhares de firmas em bancarrota são expulsas do cenário econômico, o que leva a um afundamento da produção. POBREZA A pobreza em massa e um declínio em escala mundial nos padrões de vida é o resultado de baixos salários e desemprego em massa. Isto é o resultado de uma anterior economia global de trabalho barato, em grande parte caracterizada pelos baixos salários das fábricas montadoras nos países do Terceiro Mundo. Nos EUA, Canadá e Europa Ocidental, todo o sector industrial está potencialmente ameaçado. Estamos tratando de um processo de reestruturação econômica e financeira a longo prazo.Um após o outro, o boom de fusões e aquisições da década de 1990 levou à consolidação simultânea de grandes entidades corporativas tanto na economia real como na banca e nos serviços financeiros. Nos desenvolvimentos recentes, entretanto, a concentração de poder da banca foi às expensas dos negócios em grande escala (big business). O que distingue esta fase particular da crise é a capacidade dos gigantes financeiros (através do seu controle decisivo sobre o crédito) não só de causar destruição na produção de bens e serviços como também de minar e destruir grandes entidades corporativas da economia real. A Circuit City Stores Inc. pediu a proteção da concordata (Chapter 11). As ações da Best Buy, a cadeia de eletrônicos a varejo, despencaram. Em escala mundial, mais de duas dúzias de companhias de aviação vieram abaixo em 2008, somando-se a uma cadeia de bancarrotas de companhias de aviação no decorrer dos últimos cinco anos.Nos últimos dois meses tem havido numerosos encerramentos de fábricas por toda a América, levando ao desemprego permanente dezenas de milhares de trabalhadores. Estes fechamentos afetaram várias áreas chave da atividade econômica, incluindo as indústrias química e farmacêutica, a indústria do automóvel e setores relacionados, à economia de serviços, etc. O emprego caiu em 1,2 milhão nos primeiros 10 meses de 2008; mais da metade da diminuição verificou-se nos últimos três meses.Os números oficiais não descrevem a seriedade da crise e o seu impacto devastador sobre o mercado de trabalho, uma vez que muitas das perdas de emprego não são relatadas. Entre as companhias à beira da bancarrota há algumas altamente lucrativas. A pergunta importante: quem assume a propriedade das corporações industriais gigantes em bancarrota? Bancarrotas e arrestos são operações de circulação de dinheiro. Com o colapso dos valores nos mercados de ações, as companhias ali listadas experimentam uma grande queda no preço da sua ação, o que imediatamente afeta a sua credibilidade e a sua capacidade para tomar emprestado e/ou renegociar dívidas (as quais estão baseadas no valor cotado dos seus ativos). Os especuladores insti-tucionais, os hedge funds, etc, aproveitam-se deste saqueio inesperado. Eles disparam o colapso de companhias listadas em bolsa através da venda à descoberto (short selling) e outras operações espe-culativas. Podem assim embolsar os seus ganhos especulativos em grande escala. Segundo um relato no Financial Times, há prova de que o afundamento da indústria automobilística dos EUA foi em parte o resultado de manipulação. "As ações da General Motors e da Ford perderam 31% e 10,9% [em dois dias] apesar da esperança de que Washington pudesse salvar a indústria à beira do colapso. A queda verificou-se depois de o Deutsche Bank estabelecer um objetivo de preço zero para a GM"( FT, 14/Novembro/2008, ênfase acrescentada). As financeiras estão num passeio de compras. Os 400 multimilionários Forbes da América estão à espera, na expectativa. Depois de terem consolidado a sua posição na indústria bancária, os gigantes financeiros incluindo a JP Morgan Chase, Bank of America e outros utilizarão os seus ganhos inesperados e o dinheiro do salvamento proporcionado pelo TARP para uma extensão ulterior do seu controle sobre a economia real. O passo seguinte consiste em transformar ativos líquidos, nomeadamente riqueza monetária em papel, com a aquisição de ativos da economia real. Nesse aspecto, a Berkshire Hathaway Inc., de Warren Buffett, é um grande acionista da General Motors. Mais recentemente, após o colapso do valor das ações em outubro e novembro, Buffett aumentou a sua participação no produtor de petróleo Conoco-Phillips, sem mencionar a Eaton Corp., cujo preço na Bolsa de Valores de Nova York afundou 62% em relação à cotação de dezembro de 2008 (Bloomberg). O alvo destas aquisições são as numerosas companhias industriais e de serviços altamente produtivas, as quais estão à beira da bancarrota e/ou cujas ações entraram em colapso. Os administradores de dinheiro estão escolhendo as peças. A riqueza de papel acumulada através do comércio de iniciados e da manipulação do mercado de a-ções é utilizada para adquirir o controle sobre ativos econômicos reais, deslocando estruturas de propriedade pré-existentes. O que estamos tratando é de um repugnante relacionamento entre a economia real e o setor financeiro. Os conglomerados financeiros não produzem mercadorias. Eles no essencial fazem dinheiro através da condução de transações financeiras. Utilizam o dinheiro destas transações para tomar o comando sobre corporações da economia real. DISTORÇÃO Numa amarga distor-ção, os novos possuidores da indústria são os especuladores instituci-onais e os manipuladores financeiros. Eles estão se tornando os novos capitães da indústria, deslocando não só estruturas de propriedade já existentes como também instalando seus comparsas nas poltronas da administração corporativa. Não é possível qualquer reforma sob o Consenso Washington-Wall Street A Cúpula Financeira do G-20 de 15 de novembro, em Washington, apóia o consenso Washington-Wall Street. Apesar de formalmente apresentar um projeto para restaurar a estabilidade financeira, na prática a hegemonia da Wall Street permanece incólume. Um sistema monetário unipo-lar dominado pelos Estados Unidos. Aos arquitetos do desastre financeiro, sob a lei de 1999, Gramm-Leach-Bliley (Financial Services Moder-nization Act, FSMA), foi confiada a tarefa de mitigar a crise — a qual foi criada por eles próprios. Eles são a causa do colapso financeiro. A Cúpula Financeira do G-20 não questiona a legitimidade dos hedge funds [fundos especulativos que até o crash que através de uma série de manobras estavam supostamente "protegidos" do risco da especulação] e dos vários instrumentos de comércio derivativo. O comunicado final inclui um impreciso e opaco compromisso "para melhor regular os hedge funds e criar mais transparência em títulos relacionados com hipotecas como uma proposta para travar o deslizamento econômico global". Uma solução para esta crise só pode ser alcançada através de um processo de "desarmamento financeiro", o que exigiria o congelamento dos instrumentos de comércio especulativo e o desmantelamento dos hedge funds
Michel Chossudovsky Economista Canadense, colabora com o Le Monde Diplomatique e já atuou como consultor da OIT e do Programa de Desenvolvimento da ONU

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