quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Os black blocs de gravata de seda

Arquivo

Há uma violência que campeia invisível no Brasil. Em vez de máscaras, ternos de corte fino; gravatas são de seda, italianas. Eles se avocam o mercado.

Há uma violência que campeia invisível no Brasil nos dias que correm. Em vez de máscaras, ternos de corte fino; as gravatas são de seda, italianas. O uniforme, de grifes famosas, que faíscam nas vitrines da Via Condotti, em Roma, adorna protagonistas  confortavelmente instalados no anonimato de uma legenda poderosa.


Eles se avocam ‘o mercado’. Do rosto desconhecido ecoam decibéis sustenidos. Ora de forma cifrada, ora escancarada, o alarido martela diuturnamente. Suas sentenças tem a dureza dos vereditos inapeláveis. Nas chantagens irrecorríveis, opera um amplo sistema de difusão.

Os  black blocs do dinheiro graúdo não legitimam aqueles outros, que se instalam no confortável papel de implodir  o patrimônio público nas ruas, indiferentes ao  árduo compromisso de democratizá-lo (leia as análises de Marco Aurélio Weissheimer e Wanderley Guilherme dos Santos; nesta pág).

Mas não são menos violentos no menosprezo pelo destino da sociedade e a sorte do seu desenvolvimento.
Há quem arrisque dizer que são almas gêmeas, produto de um mesmo tempo e de uma mesma lógica. Diferem na escala.

E isso deveria significar alguma coisa para aqueles que imaginam implodir o sistema chutando uma cabine de caixa eletrônico.

As labaredas nas escaramuças de rua formam uma espécie de tanquinho de areia perto dos incêndios estruturais que ameaçam ou ardem em torno de um alvo maior.

‘O mercado’ não reconhece os compromissos compartilhados que tornam possível a vida em sociedade.

Menos ainda a supremacia do interesse público sobre a ganância, que toma de assalto recursos, como se não houvesse amanhã.

‘O mercado’ acusa o governo Dilma de  obstruir  seu livre curso.

Centuriões avisam que ‘o mercado’ quer um Brasil com a legislação trabalhista da China.

Sem a contrapartida do Estado chinês.

Quer uma taxa de desemprego espanhola, de 26%, para dobrar de joelhos o custo Brasil.

Mas sem a indigência falimentar do Estado espanhol.

‘O mercado’ quer um Brasil desossado,  à moda grega.

Mas com o charme de Paris, sem o IPTU do Haddad.

É esse cosido de país dilacerado que os blac blocks de gravata de seda reivindicam no noticiário econômico inflamável dos dias que correm.

Quanto custará a paralisia que essa guerra de expectativas pode trazer –já está trazendo--  ao investimento, enquanto múltiplos de bilhões se refugiam no abrigo da liquidez de curto prazo ?

Difícil dizer. Mas não é descabido afirmar: são valores suficientes para decepar um pedaço do futuro daqueles que hoje imaginam estilhaçar o sistema chutando ícones dele na avenida Paulista.

O Brasil, como se sabe pelas sirenes do noticiário,  patina em baixa taxa de poupança interna (embora R$ 6,7 trilhões de riqueza financeira estejam aplicados em papéis de curto prazo); seu investimento (por isso) desliza;  as exportações definham diante da competitiva manufatura chinesa (que traz embutido o comando econômico do PC da China); as importações vão  de vento em popa nas velas de um câmbio valorizado, cujo ajuste requer uma pactuação que não esfarele o poder de compra dos salários...

E assim por diante.

Há dois caminhos: conversar sobre o assunto e eleger linhas de passagem para superar a teia dos impasses atuais -- isso quem faz é a disputa política, ou decidir que a fatalidade lacrou o futuro brasileiro.

Há exatamente dois anos, em novembro de 2011,  indignados espanhóis ocuparam as ruas num misto de voluntarismo e aversão ao sistema político.
Cravaram uma abstenção de 30% nas eleições gerais.

A captura do Estado espanhol pelos mercados foi avassaladora. A vitória incondicional do extremismo conservador, com as consequências hoje sabidas, pesará sobre o futuro de sucessivas gerações de espanhóis.

Os blac blocks de gravata de seda, extremamente competitivos, querem cumprir suas metas e bônus, não se  importam com a sorte da nação.

 É deles o lema que pulsa no noticiário isento: deve haver um abismo no mundo onde cabe esse país que só não afundou ainda por falta de uma cova do seu tamanho.

As labaredas desse incêndio incontrolável  irrompem no jornal da manhã e reacendem no noticiário da noite.

A mensagem das chamas tem um alvo: 2014.

‘O mercado’ não quer mais a ‘gastança social’ do PT, nem o   ‘intervencionista’ de Dilma.

Mas  ‘o mercado’ quer entrar no Brasil de qualquer jeito para desfrutar da sua riqueza e do seu mercado.

Há uma fila de espera de dez instituições financeiras internacionais querendo entrar na economia brasileira nesse momento.

As licenças do governo demoram até dois anos para serem liberadas.

Os gravatões de seda consideram isso um acinte.

O insuspeito noticioso do amigável  Valor Econômico admite que o governo Dilma autorizou o ingresso de quase 8 bancos por ano desde 2011.

Acima até da média de Lula, de seis bancos/ano.

Mas nada que se compare ao desempenho de FHC: 18,4 bancos por ano.

O governo Dilma acaba de autorizar os bancos Bradesco, Itaú e Banco do Brasil a aumentarem de 20% para 30% a participação estrangeira no seu capital.

Os black blocs enrolam a gravata de seda e espiam por cima dos óculos de aro made in France.

O problema é que Dilma quer saber exatamente o que o capital estrangeiro vem fazer aqui e que vantagem trará ao país.

‘O estilo ultradetalhista da presidente tem alimentado suspeitas de que existe um viés nacionalista contra o aumento da participação estrangeira em instituições financeiras’, justifica o amigável Valor.

A presidente do Brasil só autoriza banco novo se ficar demonstrado o interesse do país na operação.

Dilma quer saber o que o banco fará pelo financiamento de longo prazo indispensável a um novo ciclo de desenvolvimento.

A Presidenta faz o que determina a Constituição. E o que determina a Constituição  o ‘mercado ‘ rejeita.

Agora ela quer disciplinar o acesso à riqueza mineral do subsolo brasileiro.

O governo quer realizar leilões de reservas minerais comprovadas, cujo risco é zero.

E elevar de 2% para 4% os royalties sobre a atividade mineradora.

O Brasil está entre os maiores exportadores de minério de ferro do mundo. Só o faturamento da Vale do Rio Doce em 2012 foi de R$ 90 bilhões.

A arrecadação de royalties de todo o setor mineral brasileiro no ano passado rendeu ao caixa do Estado pouco mais de R$ 2 bilhões.

A acusação mais branda que se ouve no setor é a de que o governo está querendo fazer caixa para persistir na gastança fiscal.

Ideólogos dos blac blocks de gravata de seda, lotados na FGV, vaticinam: ou o Brasil derruba a política de reajuste do salário mínimo em 2014 –que beneficia também os aposentados, ou o PT vai imitar Haddad, em 2015, e taxar mais os ricos para sustentar os pobres.

O país está entre esses dois fogos.

Que fazer?

Salpicar o país de  fogueiras esparsas que rendem uma manchete exclamativa na Folha de amanhã?

Ou montar um poderoso contrafogo de barragem política, que amplie a abrangência e a profundidade da agenda progressista?

A ver.

A farsa midiática do Natal na Venezuela


Por Vanessa Silva, no sítio Vermelho:
Ainda era manhã quando um amigo português mandou no bate-papo da internet uma mensagem me questionando a respeito da informação publicada no jornal Público com a seguinte manchete: “Maduro decreta que o Natal na Venezuela é em Novembro”. Curioso tal fato.


 Depois, navegando pela rede, a informação estava em toda parte: Presidente da Venezuela decreta Natal para o mês de novembro (Infolatam); Maduro decreta início antecipado do Natal na Venezuela (Portal Terra); Contra amargura, Maduro antecipa as comemorações do Natal na Venezuela (Folha); Maduro decreta "Navidad temprana" en Venezuela (BBC); para citar somente alguns.

“Não é possível que seja realmente isso”, pensei. E realmente não era.

O que Maduro fez foi antecipar as comemorações natalinas. Não assinou “decreto” que antecipa o dia de Natal, como sugere o jornal português e todos os demais. O que ele disse foi “decreto esta sexta-feira [1º de novembro] como o início do natal no país”, assim, literalmente. Queria dizer: antecipo o período do natal... Mas não consta que tenha assinado qualquer papel mudando a data em que o menino Jesus teria nascido.

Espírito natalino
A Venezuela vive um momento difícil, com diversas tentativas de golpes, um intenso esforço de desestabilização feita por setores da direita, que buscam desabastecer o país de produtos essenciais enquanto calúnias difundidas pela mídia colocam membros do governo uns contra os outros. Além disso, diplomatas estadunidenses foram expulsos do país recentemente por envolvimento em atividades da oposição. É neste contexto que Maduro faz tal declaração.

Suas palavras foram proferidas durante a inauguração da Feira de Natal, uma tradição no país, realizada com diversos cultores, artistas e grupos culturais. Tal feito tem como objetivo aumentar a “felicidade dos venezuelanos” e trazer paz para as pessoas, segundo sua própria definição. 

Nestas feiras, serão oferecidos serviços de medicina geral, atendimento oftalmológico, venda de alimentos a preços justos, pratos natalinos, brinquedos e, além disso, venezuelanos poderão receber assessoria jurídica, retirar células de identidade e licenças de trânsito. Também serão importadas, até o final de novembro, 400 mil toneladas de produtos alimentares e de higiene para amenizar o desabastecimento econômico levado a cabo contra o governo.

“Que viva a felicidade suprema, que viva a música, que viva o Natal, bem-vindo Natal à Venezuela”. Assim, Maduro saudou a in início das comemorações natalinas no país. Porque é disso que ele está falando.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Biografias não autorizadas: Liberdade, Igualdade, Fraternidade para o mercado!


HILDEGARD ANGEL*
Na Feira de Frankfurt, o ótimo escritor, especializado em biografias, Ruy Castro, levantou sua voz e falou, muito bem articulado e inteligente que é, ao mundo e à ministra Marta Suplicy, contra o movimento de artistas do ramo musical que se opõe ao libera geral das biografias desejado pelo mercado editorial – hoje altamente lucrativo, e quando não era ninguém se preocupava com liberação – e pelos escritores, hoje prósperos e muito bem instalados na vida – assim se mantenham!
Ao final de sua colocação, Ruy reduziu a questão ao “dízimo”, o que sabemos não é bem assim. Envolve também imagem, honra, vida privada.
Constrange ver as pessoas que mais admiramos, nossos melhores escritores, músicos, poetas, envolvidos numa discussão com tal teor.
Nos tempos de hoje, escritores não trocam ideias, não saboreiam debates, intercâmbios sensíveis de prazeres lidos. Antes, comparam recordes de noites de autógrafos, números de edições, cifras, lucros.
Foram-se os tempos das reuniões históricas em casa de Aníbal Machado, na Visconde de Pirajá, em Ipanema, na de meu tio Oscar Netto, point dos boêmios em Belo Horizonte (Murilo Rubião, Lucio Cardoso, Ezequiel Neves, Sérvulo Tavares e mais) ou dos Sabadoyles famosos.
Os chás da Academia Brasileira de Letras viraram praticamente um item de marketing da Casa de Machado de Assis. Ultimamente, não se tem notícia de que, entre um gole e outro das infusões ferventes at 5 o’clock, tenha saído alguma conclusão inspirada sobre algum tema relevante.
Agora, é nas colunas de variedades dos jornais que os autores se encontram e o frissongira em torno de quem faturou mais e quais são os autores + pop. Os eflúvios literários tornaram-se secundários diante das questões de mercado.
E quando é o mercado que prepondera… que importância têm as letras ou as dores do parto de uma obra? Que lhe cortem o ventre! Que façam uma cesariana no escritor! A obra precisa ser parida nem que para isso seja necessária uma “barriga de aluguel”! Na linguagem dura do mercado editorial: “ghost writer”.
Assim, à boca miúda, entre cochicho e outro, ouvimos falar de grandes escritores, notáveis, acima de qualquer suspeita, inatingíveis e celebrados, que há tempos recorrem às tais solidárias barrigas, para agilizar partos difíceis, fazendo com que suas obras enfim vejam a luz das livrarias.
Mesmo que às vezes estas nasçam com certa cara de feto. Ou até com certo jeito de aborto literário. Não faz mal, para isso existem a mídia e a maquiagem. Um retoque aqui, uma crítica elogiosa acolá, uma entrevista bem introduzida, uma primeira página, um debate na Flip, e o trono de best seller está garantido. Sem esquecer os prêmios, que não andam assim tão difíceis de serem emplacados.
Bastidores, ah, os bastidores!
E que não tenham a má ideia de escrever biografias e ‘memórias não autorizadas’ sobre  autores e editoras que tanto se debatem por elas…

Miguel Arraes em 1963: o caminho para o Nordeste e para o Brasil (1)


Dizia o governador Miguel Arraes que "privatizar por privatizar significa não apenas alienar o patrimônio público por preços irrisórios, mas abandonar qualquer plano coerente de crescimento". Era, como o leitor pode sentir, um homem sintético, do tipo que diz muita coisa em poucas palavras.
Lembro-me de sua chegada em Recife, depois do longo exílio durante a ditadura. Era uma lenda – milhares de camponeses, naquela noite, vieram do interior para saudar o seu líder, 15 anos depois que seu governo fora interrompido com a prisão, pelo golpe de 1964; milhares de pessoas simples de Casa Amarela e outros bairros populares da capital pernambucana também estavam ali. Impressionantes os cálidos sentimentos nutridos por aqueles homens e mulheres em relação ao seu governador - embora, depois de algum tempo em Pernambuco, já soubesse muito sobre esses sentimentos. Aquela gente, que Arraes designava como "os humildes, os pequenos", exigia justiça para o seu governador – e, com isso, exigiam justiça para si mesmos. Se os leitores permitem uma concessão ao pitoresco, depois de cumprimentar Arraes, falei para um amigo: "acho que vou levar uma semana sem lavar a mão". Obviamente, era uma brincadeira, mas que expressava o clima da noite em que Arraes voltou para o seu povo.
Arraes era, sobretudo, um homem fiel aos seus princípios. Quando Fernando Henrique – acompanhado pela mídia e por alguns intelectuais solitários – se exibia como "modernizador" por privatizar alucinadamente o país e comparava-se ao presidente Juscelino, comentou Arraes: "Ele não parece em nada com o Juscelino, mas com o Dutra, assessorado pelos americanos. Juscelino se levantou contra o FMI e Prestes foi ao Palácio se solidarizar com ele. Quando a gente vai se solidarizar com FHC por se opor ao FMI?".
Este grande homem, sucessivamente secretário da Fazenda do governo Barbosa Lima Sobrinho, deputado estadual duas vezes, outra vez secretário da Fazenda (governo Cid Sampaio), prefeito de Recife, governador de Pernambuco, preso e exilado em 1964, deputado federal e mais duas vezes governador de Pernambuco, deixou alguns pronunciamentos memoráveis.
Há cinquenta anos ele faria o mais famoso deles – seu discurso de posse, pela primeira vez, no governo do Estado de Pernambuco. Em homenagem a este cinquentenário, publicaremos nesta e na próxima edição esse documento inesquecível. O texto, extraído do livro "Palavra de Arraes" (Civilização Brasileira, 1965), foi condensado. Como o leitor poderá constatar, as palavras de Arraes são de plena atualidade, ainda que o Brasil, o Nordeste e Pernambuco fossem diferentes da atualidade. Mas a essência dos problemas maiores, somos obrigados a dizer, é a mesma.
C.L.
MIGUEL ARRAES
A revolução brasileira, de que tanto se fala, é o projeto nacional que dá sentido e confere dignidade à condição de político, de militar, de administrador, de governante, de intelectual, de cidadão no Brasil dos nossos dias. A preocupação de todos os que estão empenhados na execução desse projeto é reunir e unir todas as forças para a rápida superação do atraso e do subdesenvolvimento em que nos encontramos. E nessa luta é necessário não perder tempo, não gastar força nem queimar energia inutilmente. Agora é o tempo de agir, de fazer, de enfrentar a dura realidade, que é a nossa, para compreendê-la e modificá-la. Tempo de fazer do homem brasileiro - o que morre de fome nas secas do Nordeste e o que vive subnutrido e doente nas grandes concentrações urbanas, o que é vítima das endemias que matam lentamente e o que se desespera por não poder dar aos filhos - água e pão - fazer desse homem brasileiro o centro de todas as preocupações, a fim de ajudá-lo a sobreviver e ascender à condição de consumidor e criador de riqueza.
Por isso mesmo, a filosofia da revolução que o povo brasileiro está fazendo, deve e tem de ser um humanismo autenticamente brasileiro: humanismo que nasça do sofrimento de ver, de sentir, de viver intensamente o drama de querer ser, e de ser, brasileiro neste tempo. Mais do que doutrina, que nunca foi, o humanismo é uma atitude e um método de que o homem se serve para nutrir sua permanente e sadia ambição de tornar-se mestre de si mesmo e do mundo, pelo exercício de sua atividade intelectual. Cristão ou ateu, socialista ou capitalista, o brasileiro atual tem de ser um militante desse humanismo. É direito seu, que só um obscurantismo policial e agonizante pretende negar, o de escolher o credo religioso ou a filosofia política que melhor lhe pareça. Mas é seu dever, a que não pode fugir, ser um homem de seu tempo e de seu povo, um homem da revolução brasileira.
Somos um povo que começa a aceitar suas matrizes étnicas e culturais, um povo que já não tem vergonha de ser mestiço. Somos mais ainda: somos um povo que toma consciência de suas necessidades e de suas possibilidades, de seus defeitos e de suas qualidades, e, por isso mesmo, já não aceita ser tutelado nem governado por estranhos. Ainda mais: somos um povo que descobriu que pode, ele mesmo, explorar suas riquezas e com isso ser próspero e até rico. A Petrobrás é exemplo disso. Volta Redonda também. Foram jovens técnicos e operários brasileiros que planejaram e construíram Paulo Afonso. Foram nordestinos miseráveis e famintos que construíram Brasília, que é fruto da alta capacidade criadora e técnica de arquitetos e urbanistas brasileiros.
Mas, ao descobrir que é capaz de tudo isso, o brasileiro também descobriu que é inadmissível permitir que a grande maioria da população continue a viver em condições miseráveis, condições que se vão tornando cada vez piores se os grandes problemas nacionais não forem estudados e resolvidos. A revolução brasileira nada mais é do que o esforço de todo um povo para superar essas condições de atraso e de miséria. Esforço consciente e honesto, no sentido de fazer com que setenta milhões de brasileiros tenham uma vida mais digna e participem do processo político nacional, dando-lhe conteúdo democrático e popular.
No processo da revolução brasileira devem participar todos aqueles realmente interessados na superação da miséria e do atraso. Temos condições para formar ampla frente, que inclua a maioria dos brasileiros. O que devemos discutir, na verdade, é a maneira de nos unirmos para resolver esses problemas concretos do povo. E quais são eles? São muitos, são numerosos. Mas é preciso não esquecer que alguns são prementes, de solução urgente, inadiável, como a fome e a impossibilidade de o povo sobreviver, em grandes áreas do nosso território.
Já não é mais possível, a quem quer que seja, pensar no Nordeste como uma abstração, ou uma realidade apenas numérica e estatística, a fornecer dados para um mentiroso eruditismo de discurso ou de ensaio. As taxas e os índices apenas traduzem uma realidade econômica, política e social, cuja conservação, por omissão ou ação, constitui crime que o povo brasileiro já conceituou e punirá mais cedo ou mais tarde. Essa realidade é a nossa: o Nordeste somos nós, nós todos, os que encontramos carne para comer e os que levam meses sem comer carne, ou comem apenas charque e peixe seco, quando comem.
Somos nós o Nordeste, essa região dentro da qual caberiam juntos países como a França, Portugal, Bélgica, Itália, porém que apresenta um dos mais baixos índices de vida do mundo; dentro da qual vivem 23 milhões de brasileiros, dos quais mais de 15 milhões não se utilizam do dinheiro, nem sabem, ou mal sabem, qual é a nossa moeda corrente, enquanto na área daqueles países citados vivem 110 milhões de pessoas.
O Nordeste somos nós, esse contexto monstruoso e anti-humano no qual milhões de pessoas consomem sua energia vital, ou fecundando e gestando seres que jamais chegarão a viver, ou tentando alimentar crianças que jamais terão energias para crescer e produzir, ou disputando a vida com doenças que a miséria, o atraso e a fome disseminam a cada dia.
Hoje somos uma das mais internacionalmente conhecidas áreas de atraso, de miséria e de fome; uma espécie de câncer que o mundo inteiro conhece e tem medo que se alastre. O câncer do Nordeste preocupa os norte-americanos, que imaginam possa a nossa doença ser politicamente contagiosa e contaminar os vizinhos e por isso, não sei se tão ingenuamente, nos doam leite em pó, como se a nossa fome fosse diferente da fome deles, como se ela não fosse, como a de todo mundo, uma fome renascente. Esse humor negro não faz rir nem resolve, não pode resolver a situação de uma só família nordestina, quanto mais a situação do Nordeste.
Já fomos uma das mais prósperas e ricas áreas do mundo. Aqui neste solo, nos séculos XVI e XVII, floresceu uma civilização - a da cana de açúcar - graças ao emprego de uma tecnologia altamente desenvolvida. Foi porque éramos tecnologicamente adiantados que aprendemos a ganhar terra ao mar, a construir edificações sólidas e bonitas, a amanhar a terra para a lavoura, a fazer engenhos. Tínhamos um produto para exportar - o açúcar - que era disputado no mercado internacional. Tudo isso se perdeu: somos hoje uma das áreas mais pobres e atrasadas do mundo. Continuamos, é verdade a produzir açúcar, mas o produto de exportação do Nordeste, neste século XX, é gente, gente de carne e osso, como nós. E pau-de-arara: desde o trabalhador braçal, o flagelado das secas, até o funcionário, o profissional liberal. Essa é a nossa maior vergonha, é a nossa vergonha. Exportamos exatamente aquele homem que representa investimento nosso, porém cuja energia vai contribuir para o desenvolvimento e a riqueza de outras regiões. É preciso parar com isso, é preciso acabar com essa vergonha.
O trabalhador, esse foi aos poucos se aviltando até chegar às condições de extrema miséria em que se encontra. Se assim não fosse, como se poderia explicar que a extensa faixa de massapê do Nordeste - uma das mais férteis terras do mundo - seja nove vezes maior do que a área agricultável do Japão, que produz alimento para 100 milhões de pessoas, enquanto de nosso massapê mal extraímos a cana e uns poucos produtos de subsistência, em quantidade extremamente abaixo das necessidades dos 23 milhões que ocupam a região? O que há é que a exploração dessas terras, quando se faz, não se faz para atender às necessidades da população, mas segundo os interesses de meia dúzia de grandes proprietários. Daí o atraso, a fome, numa região que conheceu a riqueza, a abastança, que foi o centro de uma civilização altamente desenvolvida. Essa região ocupa grande parte da invejada dimensão continental que é o Brasil. Isso significa que nós fazemos parte de um todo que não poderá crescer sem que cresçamos nós, também.
O povo do Nordeste sabe que, em outros lugares, um povo como ele pode viver, enquanto ele apenas luta para sobreviver. O povo do Nordeste aprendeu mais: aprendeu que esse outro lugar, em que um outro povo pode viver, não é um país de conto-de-fada. Pode nem ser necessariamente um outro país; pode ser aqui mesmo, uma simples área do território brasileiro.
Essas desigualdades regionais e sociais, esse desenvolvimento desigual das diferentes regiões brasileiras constitui um dos pontos mais críticos de nosso processo de mudança, desse conjunto complexo de transformações econômicas, políticas e sociais a que estamos chamando de revolução brasileira.
E se ninguém mais hoje admite que o desenvolvimento do país se processe em benefício de certas áreas e em detrimento de outras, muito menos se admite que ele se processe em benefício apenas dos grupos econômicos. Do nosso processo de desenvolvimento tem de ser beneficiário todo o povo brasileiro. Daí porque me incluo entre aqueles que reclamam a participação do Estado, cada vez mais direta e mais decidida, no sentido de melhorar as condições econômicas do Nordeste, região na qual, aliás, a intervenção do Estado se tem mostrado mais ativa e sensível, pela ausência de iniciativa privada. Essa é uma das características da economia nordestina: a de que ela se encontra praticamente virgem da influência dos grandes grupos financeiros. Mas, mesmo admitindo, como admito, que é necessária a participação de empresas nacionais privadas, sobretudo daquelas que provaram sua experiência na região Centro-Sul, entendo que a solução dos problemas econômicos do Nordeste não poderá, jamais, ser atingida mediante a simples instalação dessas empresas ou fábricas de capitais privados. E isso porque elas apenas procurariam, como é de sua essência, propiciar lucro a seus acionistas e não viriam para cá com o intuito de resolver os problemas das populações nordestinas.
A má-fé de uns poucos pretendeu insinuar que eu iria transformar Pernambuco numa ilha isolada do resto do Brasil. Pernambuco é um Estado da Federação brasileira, é um dos integrantes do Nordeste, e a solução de seus problemas, em grande parte, depende da política que o governo federal vier a adotar em relação a esses e a outros problemas. Mas há uma outra verdade, tão elementar quanto essa, que é necessário dizer e repetir, não ter receio de dizer e repetir: nós não poderemos liquidar o subdesenvolvimento e a exploração do capital estrangeiro sem um adequado planejamento do desenvolvimento da economia nacional.
O exemplo da industrialização me parece bastante ilustrativo dessa verdade. Sabe-se que é necessário, para o desenvolvimento do Nordeste, criar um sistema que modifique sua posição de simples fornecedor de produtos primários às áreas mais adiantadas e industrializadas do país. E que uma das bases desse sistema econômico é a industrialização, cujo mito cresce dia a dia, dada a inevitável correlação entre desenvolvimento industrial e padrão de vida.
Desse mito se aproveitam os que não têm pudor de enriquecer à custa da miséria do povo, os que não têm vergonha de vender o país à ganância dos grupos internacionais. E disso se aproveitam criando um outro mito, este mentiroso e historicamente falso, de que a industrialização só poderá ocorrer com a ajuda do capital estrangeiro. Qualquer estudante de economia sabe que o desenvolvimento industrial do país teve impulso, precisamente, quando era nulo, ou bastante reduzido, o afluxo de capitais estrangeiros.
Nos anos 30, o nosso avanço industrial apresentou um aumento anual superior a 8%, sem que houvesse qualquer aumento na aplicação de capitais estrangeiros em nossa economia. E quando, logo depois, esses capitais começaram a aumentar, ocorreu, consequentemente, uma redução na taxa anual de nosso crescimento industrial. O que é pior: esse afluxo de capitais estrangeiros contribuiu para que, em muitos setores de nossa economia, persistisse, e se solidificasse, a estrutura econômica tipicamente colonial que estávamos querendo modificar, tendo isso acarretado onerosas consequências que ainda hoje constituem problema a resolver. E é fácil compreender por quê. Foi, e é, porque os capitais estrangeiros se aplicaram e se aplicam não em atividades que interessam ao nosso desenvolvimento, mas naquelas atividades que oferecem mais vantagens aos investidores privados estrangeiros, todos eles interessados em matérias-primas a baixo preço, em mão-de-obra a salário de fome, em favores e privilégios cambiais e fiscais, de cujos lucros já se desconta o preço do suborno, da advocacia administrativa, da traição.
Tudo o que acabo de dizer não mais constitui novidade para o povo. Também já não pode servir de pretexto à ação policial contra os que defendem os interesses do Brasil. São verdades que sangram no corpo da nação, chagas abertas no coração e na alma de cada brasileiro, desde o histórico suicídio de Getúlio Vargas. São palavras dele:
"Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho (…) Assumi o governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano".

Essas palavras que acabo de ler, escritas por Getúlio Vargas pouco antes de suicidar-se, são as que melhor documentam a verdade a que há pouco me referi. Mas há outras verdades que o povo já não desconhece. O povo sabe, por exemplo, que a industrialização, somente, não operará o milagre de salvar o Nordeste; e sabe, também, por mais crédulo ou místico que o pintem, que a salvação do Nordeste não ocorrerá por milagre de nenhum santo ou messias. A salvação do Nordeste é uma tarefa de homens.

Banco do Brasil e Petrobras: qual a próxima?

Paulo Kliass

Que os equívocos de BB e Petrobras sejam o encerramento de um breve ciclo a ser esquecido e não o início de uma tendência prejudicial aos interesses do país.
 
O governo conseguiu a incrível façanha de implementar duas importantes e polêmicas decisões em matéria de política econômica em uma única semana. Para quem considerava que não havia muita movimentação da equipe da Presidenta em matéria de economia, as novidades surpreenderam. O problema, no entanto, é que os principais beneficiários de tais medidas foram os representantes do financismo e os setores dos conglomerados das petrolíferas internacionais. Os anúncios se converteram em frustração para todos aqueles que se identificam com um projeto de País que signifique, entre tantos outros aspectos, a conquista de maior autonomia e soberania face às forças econômicas do mundo globalizado.
 
Na segunda-feira, dia 21 de outubro, o governo insistiu em manter a realização do leilão para decidir a respeito de qual seria o consórcio vencedor para explorar o Campo de Libra - primeira área a se tornar operacional no mundo sub-oceânico, ainda pouco conhecido, do Pré Sal. Apenas quatro dias depois, na sexta-feira dia 25, o Diário Oficial da União trazia a publicação de um Decreto Presidencial, por meio do qual são alterados os limites de participação de capital estrangeiro na composição acionária do Banco do Brasil (BB). Duas medidas que apontam para um conservadorismo preocupante.
 
Entrega de Libra e mais estrangeiros no BB
 
A recusa do governo em adiar a data do leilão só contribuiu para aumentar as dúvidas a respeito das reais motivações que estariam por trás da insistência e da pressa em abrir a exploração do maior campo de petróleo brasileiro ao capital internacional. Afinal, a grande maioria dos especialistas e técnicos da área da energia e do petróleo opôs algum tipo de restrição à adoção de tal estratégia. A lista de argumentos contrários à abertura da exploração de Libra é extensa, incluindo razões que vão desde elementos de segurança nacional a té a simples sugestão de um pouco mais cautela e prudência no tratamento de tema tão espinhoso. Passando, é claro, por minuciosos estudos demonstrando que a Petrobras teria todas as condições de promover - sem precisar das empresas estrangeiras - a exploração do campo.
 




Já no caso da participação externa no BB, não houve debate prévio de nenhuma natureza. A sociedade brasileira foi pega de absoluta surpresa, com os termos do texto assinado pela Presidenta. É bem verdade que não foi a primeira vez que uma medida dessas foi anunciada por um governo que deveria passar longe de tal tipo de proposição. Em 2006, Lula foi convencido a publicar um decreto aumentando o limite da presença de capital estrangeiro no BB de 5,6% para 12,5%. Alguns anos depois, em 2009, novamente o então Presidente assina outro documento oficial e eleva esse teto para 20%. E agora Dilma dá continuidade a essa trajetória de benesses concedidas ao financismo internacional e estabelece o novo limite em 30% da composição acionária do banco.
 
Petrobras e a partilha desnecessária
 
Na tentativa de convencimento a favor de sua proposta, o governo buscou a comparação com o modelo anterior das parcerias para o petróleo, vigente à época de FHC. Ora, é verdade que o modelo de partilha é bem mais interessante para os interesses nacionais do que o anterior, o de simples concessão. Porém, o fato é que para o caso concreto, desse campo em especial, não haveria nem mesmo a necessidade de compartilhar. Libra já havia sido bastante bem mapeado pela Petrobras e a própria empresa foi exitosa nos poços que perfurou, tendo encontrado o óleo tão desejado. Assim, os procedimentos de exploração comercial praticamente não apresentavam riscos – o principal elemento a justificar uma parceria de partilha com outras empresas.
 
Por outro lado, às vezes era esgrimida a eventual dificuldade da Petrobras em custear ela mesma as necessidades de investimento para a exploração do campo. Mas atuais e ex-dirigentes da empresa apontavam a fragilidade do argumento, uma vez que tais despesas - significativas, é verdade - seriam realizadas de acordo com um cronograma de médio prazo e não haveria urgência urgentíssima para essa operação. Tanto que, logo após a divulgação dos resultados do leilão, as notícias oficiais falavam do horizonte de 2020 para as primeiras jorradas de óleo economicamente eficientes.
 
Não obstante todas essas ponderaç ões, a data e as condições foram mantidas, apesar de contar apenas com um consórcio inscrito. O chamado “leilão do eu sozinho” não apresentou, por óbvio, nenhuma concorrência e a única proposta apresentada foi vitoriosa. Com isso, o governo brasileiro terminou por entregar 60% da exploração para grupos estrangeiros: i) 20% para a holandesa Shell; ii) 20% para a francesa Total; e iii) 20% divididos igualmente entre 2 estatais chinesas. Com isso a Petrobras ficou apenas com 40% do empreendimento. Não há razão econômica ou energética que justifique tal atitude. O contrato prevê a possibilidade de exploração dos poços encontrados por 35 anos, que apresenta um potencial de 8 a 12 bilhões de barris de petróleo e de 120 bilhões de m3 de gás.
 
Petrobras e BB: os interesses do financismo
 
A mudança no limite de participação de capital estrangeiro no BB guarda alguma similaridade com a postura no caso de Libra. Trata-se de uma liberalidade de mão única, sem exigência de nenhuma contrapartida. O governo brasileiro anuncia - em alto e bom tom – que passa a se interessar pelo compartilhamento do capital acionário de uma de suas principais empresas de economia mista com sócios internacionais, em um patamar mais alto do que os atuais 20%. Ora, é mais do que sabido que o sistema financeiro é um setor bastante sensível da engrenagem e conômica, uma área estratégica para qualquer projeto de desenvolvimento nacional. Oferecer mais essa alternativa de investimento ao capital globalizado não proporciona nenhum vantagem ao País chamado Brasil, que não seja a falsa ilusão criada por alguns de seus governantes. Os responsáveis por nossa política econômica dificilmente passarão a ser considerados como adeptos do “bom-mocismo” aos olhos dos representantes da banca internacional.
 
A única explicação que resta para se tentar compreender a aceitação do leilão do Campo de Libra é a visão estreita do curto prazo, a lógica pequena de fechar as contas no final do mês. O governo se sente pressionado pelo fi nancismo a cumprir a meta de superávit primário para 2013 e parece estar com algumas dificuldades de cumprir o que se propôs. Mas não sentido em se sentir obrigado a promover o desvio de tal volume de recursos das áreas sócias do orçamento público para a esfera puramente financeira. Como um dos dispositivos da oferta pública da ANP é o pagamento antecipado de um valor equivalente a R$ 15 bilhões pelo consórcio vencedor, esse recurso deve entrar no caixa do Tesouro Nacional ainda em 2013. O detalhe que ninguém do governo deseja comentar é que a própria Petrobras deverá pagar sua cota parte, arcando com 40% desse total. Ou seja, R$ 6 bilhões que entram por um lado para as contas do Ministério da Fazenda, estão saindo do próprio bolso do setor público federal. Assim, um saldo líquido de apenas R$ 9 bilhões parece muito pouco para tamanha bondade oferecida às empresas estrangeiras, que se vêem no direito de explorarem nosso petróleo, de forma bastante s egura, por mais de 3 décadas.
 
A ampliação da presença do capital internacional no BB deve trazer consequências também para a dinâmica dos mercados que giram em torno das Bolsas de Valores. O peso dessa importante instituição financeira do governo federal na cotação dos índices e do movimento financeiro não pode ser negligenciado. Isso implica em muitas possibilidades de valorização ou desvalorização patrimonial, ao sabor da evolução das conjunturas e das apostas especulativas. As experiências recentes com o esfarelamento das empresas de Eike Batista, além de outros naufrágios verificados pelo mundo afora, deveriam servir como alerta e precaução para esse tipo de deslumbramento com o mundo frágil e efêmero do financismo.
 
Os riscos da abertura descontrolada ao capital internacional
 
Ao longo dos últimos anos o Brasil tem apresentado problemas graves de maior exposição de suas contas externas. O desempenho ainda positivo no mero saldo da Balança Comercial (exportações menos importações de bens) não pode servir como fator de ilusão a re speito das dificuldades no conjunto do Balanço de Pagamentos. Isso porque, quando são computadas as entradas e saídas de recursos externos relativos aos serviços e ao universo financeiro a situação, se revela mais grave. Nesse caso, por exemplo, houve um déficit de US$ 76 bilhões em 2012 no total da conta Rendas e Serviços. E ainda corremos o risco de fechar um valor negativo de US$ 90 bi no final desse ano. A fragilidade começa a se expressar de forma mais aguda ainda quando são verificadas as movimentações envolvendo apenas as contas de Rendas, pois ali estão registrados o resultado dos valores líquidos entre os recursos que entram no país e os que são enviados ao exterior sob a forma de juros e lucros. Em 2012 o saldo foi negativo em US$ 35 bi e agora devemos fechar dezembro com algo próximo a US$ 40 bi.
 
Como se vê, não é esse o melhor momento para se estimular a probabilidade de maiores riscos de perturbação no setor externo, como ocorre com a remessa dos lucros auferidos por empresas estrangeiras operando ou transacionando por aqui. Espera-se que os equívocos do BB e da Petrobras sejam o encerramento de um breve ciclo a ser esquecido e não o início de uma tendência prejudicial aos interesses brasileiros.
www.fsindical.org.br

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Luiza, Eike e o tombo do canguru vaidoso


O


31 de outubro de 2013 | 17:12

Antes de qualquer coisa, deixem-me dizer que não nutro qualquer simpatia pelo Sr. Eike Batista e que dele a única inveja que poderia ter, por sua linda ex-mulher Luma, desvaneceu-se no episódio torpe da coleira de brilhantes.
Mas, vendo o massacre que ele está sofrendo da mídia que, durante anos, endeusou os mesmos excessos e vaidades aos quais, agora, atribui-lhe a bancarrota – bancarrota da qual, aliás, ainda duvido – , veio-me à cabeça uma velha história.
Quando Leonel Brizola foi à Austrália – não me recordo o ano exato, creio que 1988 – e voltou de lá falando umas coisas que eu, nos meus então 30 anos, não achava verossímeis, torci o nariz.
- Olha, Brito, eu conversei com uma senhora e, na hora em que a conversa terminou ela fez questão de me dizer: “como é que são os empresários no Brasil? Nós, aqui, amamos nossos empresários.”
E eu, com meus botões: “ora, vá plantar batatas, seu Leonel! Como é que vão gostar de empresários, um bicho que vive de ganhar dinheiro nas costas do trabalhador e do consumidor?”.
Mas ele repetia. O Octavio Costa, hoje no Brasil Econômico, deve lembrar bem desta história. Numa das primeiras pesquisa, quando ele apareceu à frente e Collor não tinha nada, chegou a ser retratado de “canguru” numa capa da então Istoé/Senhor. Fernando Mollica, de O Dia, também.
Eu não discuti, mas estava preocupado com este papo, porque se aproximavam as eleições presidenciais e eu achava – e não sem razão – que os acenos de Brizola ao empresariado e aos que ele chamava (existe isso?) de “conservadores lúcidos” iam nos comer votos à esquerda, como de fato ocorreu.
Vinte e cinco anos depois, dou a mão à palmatória.
O Estado é o reitor e o principal agente do progresso econômico e social do país. Sua omissão, como ocorreu, nos últimos tempos da ditadura militar e nos governos que a sucederam, até Lula, apenas disfarça – no caso de FHC, nem disfarça –  o processo de apropriação privada – e, sobretudo, estrangeira – das riquezas deste país.
Mas há um lugar – e indispensável – para empresários que querem ganhar dinheiro apostando do desenvolvimento do Brasil e do povo brasileiro.
Hoje já não acho tão estranho o que a australiana disse a Brizola.
Li, numa destas –  em geral – tolas “sabatinas” da Folha, o que disse Luiza Trajano, dona do “Magazine Luiza”.
Ela, claro, quer ganhar dinheiro. Mas entendeu, como varejista que é, que se ganha muito mais vendendo para muito mais gente. Que é melhor ter mais gente podendo se sustentar e consumindo que pouca gente podendo esbanjar, até porque os esbanjadores não deixam de esbanjar por causa disso.
Dona Luiza, talvez por isso, tenha visto o seu “Magazine Luiza”   fechar  o terceiro trimestre com lucro líquido de R$ 25,4 milhões, quase 11 vezes mais que o  ganho de R$ 2,3 milhões obtido no mesmo período do ano passado, quando o consumo popular andava bem mais apertado.
Mas as elites brasileiras se incomodam com os pobres. Estão aí os bancos privados, levando uma surra da Caixa Econômica, porque ela ousou emprestar mais barato e para gente que estava fora do mundo do crédito. Preferem forrar suas calçadas com pedras pontiagudas,como fez uma agência do Bradesco em Manaus, para expulsar dali os mendigos. É uma versão arquitetônica do “fazer ração para peixes”.
Reclamam dos aeroportos porque eles estão cheios de gente de classe média baixa, voando pela primeira vez.
Torcem o nariz para as empregadas domésticas que ousam ter direitos trabalhistas.
E por aì vai: custo Brasil, produtividade baixa, desqualificação do trabalhador, etc…
Todos se acostumaram com um país de 30 ou 40 milhões de habitantes, cercados por 160 milhões de “selvagens”, em relação aos quais clamam por segurança, polícia, prisão. E logo, reduzindo a maioridade penal, se possível.
Eike Batista está a anos luz de parecer-se com empresários como Luiza Trajano, com seu ar de gorducha bonachona.
É – ou era – o típico temerário, aventureiro, extravagante e exibido,com tudo o que a mídia e os comentaristas de economia da grande mídia adoravam e que, com a maior cara dura hoje apontam como seu “pecado”.
Mas há algo em seu favor que os jornais não dizem: que foi dos raríssimos empresários que colocou dinheiro em uma área que os empresários brasileiros não põem: indústria pesada e infraestrutura.
E, por isso, quebrou.
Porque – e essa é uma verdade simples, embora não costume ser dita – a indústria pesada, a infraestrutura, no Brasil, ou é papel do Estado brasileiro ou é a entrega da espinha dorsal de nossa economia a interesses muito raramente coincidentes com o do país.
A entrega da Vale e de boa parte da energia elétrica (aliás, a melhor parte, a distribuição) retiraram do Estado brasileiro a capacidade de investir nestas áreas, embora não lhe tenha, de forma alguma, retirado seus deveres de gastar muito para que possam funcionar, como é o caso das linhas de transmissão, hidrelétricas e portos e ferrovias, das quais uma e outra necessitam.
O que restou, mesmo estropiada, foi a Petrobras e, pelos desafios e dificuldades que ela hoje enfrenta e vence, podemos ter ideia do que seria o nosso país se Fernando Henrique tivesse conseguido concluir seus planos de vendê-la mais do que o fez.
Eike Batista afundou-se num poço quase vazio de petróleo, o tal “Tubarão Azul”, cujo insucesso parcial devorou sua capacidade de gerar caixa para continuar os seus “negócios-bicicleta”, que só se equilibravam porque em movimento.
E porque lhe faltou, na queda, a discrição que o mundo dos negócios dá aos seus pares “bem-comportados”, como os herdeiros Globo ou os Civita, que, na sombra, conseguiram se afastar dos abismos financeiros em que se meteram.
Os que lhe dizem “bem-feito” o fazem menos por seus erros que por suas ousadias. Fossem apenas falcatruas, como as de Daniel Dantas, talvez contasse com mais apoio, até mesmo dos amigos, como Aécio Neves, que não deu um pio.
Ou de toda essa gente da mídia que lhe comeu de favor e agora o execra.
É verdade que a vaidade e a ostentação de Eike tornam seu cadáver (embora, repito, ache que o cadáver não está morto) mais “saboroso” aos jornais.
Mas o que sentem, mesmo, no fundo, é um imenso prazer em ver qualquer brasileiro ousado cair.
Num país de ratos, maldito de quem se mete a canguru.
Por: Fernando Brito
http://tijolaco.com.br

Depois de Libra, Dilma promete leiloar mais campos do pré-sal


Mas PT nem quer falar do assunto, embora a presidente se esforce para explicar por que entregou 40% de Libra a cartel  

Dizem alguns que a presidente Dilma pretende tornar o leilão de Libra, essa vergonhosa privatização, seu cavalo de batalha nas eleições. Não sabemos se é verdade, pois mais parece coisa de maluco, depois do que ela afirmou sobre o assunto na última campanha eleitoral. Mas ela já conseguiu tornar Libra o centro da campanha, pois não consegue falar de outra coisa – e repete que Libra é apenas "o primeiro mega campo do pré-sal a ser licitado".
PT
No entanto, Dilma tenta se livrar do julgamento popular pela original assertiva de que a privatização não foi uma privatização – quando foi tão privatização que, para entregar 40% do consórcio de Libra ao cartel petroleiro externo, isto é, à Shell e à Total, teve que nomear uma diretoria tucana para a Pré-Sal Petróleo S.A (PPSA). Ao apagar das luzes, nomeou para presidente da Pré-Sal Petróleo S.A (PPSA) o sr. Oswaldo Pedrosa, braço direito de David "o petróleo é vosso" Zylbersztajn quando este era diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP), durante o governo de seu ex-sogro, Fernando Henrique Cardoso. E, para diretor de finanças da PPSA, nomeou Antonio Cláudio Pereira da Silva, ex-chefe de gabinete de Henri "Petrobrax" Reichstul, e conhecido lobista das multinacionais do petróleo.
Trata-se, aqui e em tudo, de um desrespeito ao próprio Manifesto de Fundação do PT, que diz:
"O Partido dos Trabalhadores pretende que o povo decida o que fazer da riqueza produzida e dos recursos naturais do país. As riquezas naturais, que até hoje só têm servido aos interesses do grande capital nacional e internacional, deverão ser postas a serviço do bem-estar da coletividade. Para isso é preciso que as decisões sobre a economia se submetam aos interesses populares. (...) Os trabalhadores querem a independência nacional" (Manifesto de 10/02/1980, publicado no D.O.U. de 21/10/1980).
Talvez por isso, o PT preferiu não tocar no assunto em seu recente programa na TV e rádio. Pois Dilma, para privatizar o pré-sal – para que as multinacionais abocanhassem 40% do "consórcio" - submeteu as riquezas nacionais aos mesmos tucanos que o PT, com Lula, havia escorraçado da ANP, da Petrobrás e do poder. Existe súcia mais antipopular e antinacional, portanto, mais antidemocrática, que a súcia tucana? O que essas nomeações têm a ver com o "bem-estar da coletividade", com os "interesses populares" ou com a "independência nacional"?
Elas têm a ver com a entrega de parte de Libra, com o mesmo peso da Petrobrás, à Shell e à Total, ou seja, com sua privatização, portanto, com a tentativa de submeter os interesses populares aos interesses do grande capital internacional.
ENGANAR
Em um de seus comentários à principal obra política de Maquiavel, o já então imperador Napoleão Bonaparte escreveu: "Qui nescit fallere, nescit regnare" - Quem não sabe enganar, não sabe reinar (Maquiavel, "O Príncipe", com. de Napoleão Bonaparte, trad. Márcio Pugliesi, Hemus, 2006, p. 75).
Deve ser por essas e outras que Napoleão morreu solitário em Santa Helena, acossado por um buldogue inglês, remoendo lembranças de tempos que não voltavam mais. Não poderia haver advertência mais eloquente aos simulacros de napoleões que tentarem segui-lo nessa forma de governar – com a diferença de que estes não vão ter um túmulo portentoso em Paris ou outro lugar, pois não ganharam nenhuma batalha, pelo contrário, mentiram para capitular, não para reinar ou vencer alguma guerra.
Não se pode privatizar o petróleo do campo de Libra e dizer que não se está privatizando, quando todo mundo sabe que passar um bem público, como é o petróleo - riqueza natural pertencente à Nação - para corporações privadas estrangeiras é, precisamente, o sumo da privatização.
Uma privatização é uma privatização, um roubo é um roubo, assim como, segundo Gertrude Stein, a rosa é uma rosa é uma rosa. Exatamente porque é uma privatização – ou seja, a subtração de uma propriedade pública para passá-la a alguns gatunos particulares -, os adeptos dessa privatização até agora não pararam de fazer contas, como se houvesse método matemático para provar que ganhamos alguma coisa ao entregar o que é nosso. A verdadeira questão é: a entrega de 40% da exploração de Libra ao cartel petroleiro é uma perda para o país, pois podíamos ter 100%.
É uma questão simples e tão fácil de perceber que, diante dela, houve um renegado que não conseguiu coisa melhor do que exumar o mote da ala direita da UDN em 1948, quando os udenistas queriam entregar nosso petróleo à Standard Oil: "não adianta ter petróleo debaixo da terra".
Há 65 anos, em 1948, a Petrobrás não existia. Mesmo assim, como demonstraram os patriotas de então, e a história nos anos posteriores, era errado dar o nosso petróleo para o cartel das petroleiras.
Hoje, que a Petrobrás é uma das maiores companhias de petróleo do mundo – e a única que domina a tecnologia de extração no pré-sal - exumar esse mote é ridículo, coisa de bobo da corte ou de poodle que gosta de abanar o rabo para o dono.
Na recente Offshore Technology Conference 2013 (OTC 2013), realizada no Rio de Janeiro de 29 a 31 de outubro, o gerente executivo da Petrobrás para Exploração e Produção no pré-sal, Carlos Tadeu Fraga, relatou: "O Pré-sal já produziu 250 milhões de barris de óleo equivalente, mais do que toda a produção acumulada do campo de Garoupa, primeira descoberta da Petrobras na Bacia de Campos, em 1974, e que produz até hoje".
PETROBRÁS
A produção atual do pré-sal - 329 mil barris dor dia (bpd) - alcançada em setembro de 2013, disse o gerente Fraga, já é oito vezes maior que a produção média do pré-sal no ano de 2010. O volume recuperável de petróleo dos campos de Lula e Sapinhoá, mais o volume contratado da Cessão Onerosa, é cerca de 15,4 bilhões de barris - uma vez e meia o volume recuperável do campo gigante de Kashagan, no Mar Cáspio, e 15 vezes o volume recuperável do campo de Thunder Horse, nos EUA.
Fraga descreveu que, desde a descoberta do pré-sal, em 2006, até dezembro de 2012, foram perfurados 37 poços exploratórios no pré-sal da Bacia de Santos, com índice de sucesso superior a 90%. Considerando toda a província do pré-sal, o índice de sucesso supera 80% e o número de poços, até o ano passado, chegou a 80. Nas palavras do funcionário da Petrobrás: "Esses números são fantásticos".
Por que uma empresa tão extraordinária como a Petrobrás, aplaudida por toda a Offshore Technology Conference, não poderia ser a encarregada da exploração e produção – além da operação, como lhe garante a lei – de todo o campo de Libra, o maior, até agora, do pré-sal e do mundo, campo que ela própria descobriu?
Somente devido à sofreguidão entreguista que acometeu o atual governo.
O que não falta à Petrobrás é como conseguir recursos. Na própria OTC 2013, a presidente da Petrobrás, Graça Foster, declarou que Libra é um campo tão importante, tão excepcional, que "mudará o jogo global" da indústria do petróleo e alterará "a formação de preço do petróleo Brent" (o Brent é o padrão na Europa, e na maioria dos países, para estabelecer preço). O que não falta são bancos querendo financiar uma companhia com tal reserva – ainda mais quando está em outras quase tão gigantescas.
Mas, existe algum outro lugar onde é mais claro o interesse nacional de que a Petrobrás fosse diretamente contratada, tal como está na lei de partilha de produção, do que em Libra?
Exatamente esse campo é que se resolveu leiloar e privatizar em não pequena parte. Assim é o furor entreguista, que sempre quer entregar o que é mais valioso, que sempre dá o que não se deve dar. Caso contrário, o entreguismo não seria tão criminoso e tão l-esivo ao país quanto, efetivamente, é.

CARLOS LOPES

A ditadura do BC


A proposta do senador Renan Calheiros de conceder, ao todo, 12 anos (!!) de mandato aos diretores do Banco Central, sem que eles tenham sido eleitos para nada, cria apenas um problema: ela torna dispensável o Senado, do qual Renan é presidente, e os senadores, que foram escolhidos pelos eleitores. Para que Senado – e, de resto, governo eleito – se quem vai governar realmente (e por 12 anos!) é um colegiado de sequazes dos bancos?
Fora isso, talvez a proposta do senador seja um poderoso estímulo à insurreição popular, pois é fora de dúvida que ninguém vai aguentar 12 anos de uma ditadura que não tem força – isto é, poder de reprimir - para se impor.
Mas esse é o problema: essa suposta “independência” do Banco Central em relação ao governo eleito significa anular as eleições. Essas se tornam completamente sem importância se o crescimento do país se torna dependente de alguns bancos – os quais, via taxa de juros, preferem sempre abarrotar-se do dinheiro da população, à custa da estagnar a economia e pilhar o Tesouro.
Nesse sentido, a situação já é crítica, pois o atual governo, com exceção de um pequeno período em que a presidente Dilma pressionou pela redução das taxas de juros básicos, abdicou de dirigir também o BC. Como relembra um economista:
Durante um longo período, o Brasil continuou a praticar a mais elevada taxa real de juros do planeta. Isso, a despeito da melhora dos fundamentos macroeconômicos, da própria promoção a grau de investimento por parte de importantes agências de classificação de risco já em 2008 e da mudança do ambiente internacional, em que os principais bancos centrais do mundo reduziram a quase zero as suas taxas de juros.
As elevadas taxas de juros oferecidas pelos títulos públicos brasileiros de elevada liquidez sempre feriram a lógica do trinômio: rentabilidade, risco e liquidez, geralmente inversamente proporcionais.
Associado a isso o real seguidamente valorizado propiciava um campo fértil para as operações de arbitragem entre juros e taxa de câmbio. Bastava captar recursos no exterior a taxas próximas de zero, ingressar com este capital no Brasil, transformando em Reais e aplicar no mercado financeiro. Muitos aplicadores obtinham em curto período, com essa combinação, o que levariam anos, às vezes décadas, para angariar o equivalente no mercado internacional” (cf. Antonio Corrêa de Lacerda, “Razões do baixo crescimento da economia brasileira no governo Dilma Rousseff”, in “A Economia Brasileira na Encruzilhada”, AKB, outubro/2013, p. 144).
Infelizmente, esse quadro voltou a ser atual, a partir do reinício da escalada de aumentos de juros por parte do BC. E de tal forma que, apesar da seca no crédito pelos bancos privados - evidenciada pelo último relatório de política monetária e operações de crédito do próprio BC - os lucros desses bancos dispararam no terceiro trimestre (o lucro do Itaú-Unibanco, por exemplo, passou de R$ 3,583 bilhões no segundo trimestre para R$ 4,022 bilhões no terceiro trimestre).
Em suma, cevaram-se nos aumentos de juros dos títulos públicos – com a consequência de que a média dos juros (+spread) das operações de crédito do sistema financeiro foi para 30,8%.
Como é óbvio, juros altos são antagônicos ao investimento, portanto, ao crescimento da economia, em especial ao crescimento da indústria. Quanto mais altas as taxas de juros, menos investimento na produção – pela simples razão de que é possível obter muito mais dinheiro aplicando na especulação do que investindo na produção. E apenas mencionaremos de passagem os efeitos dos juros altos sobre o câmbio: as importações, de janeiro a setembro, chegaram a US$ 179,259 bilhões, um aumento de +8,71% em relação ao mesmo período do ano passado (e de +35,64% em relação ao mesmo período de 2010), com as contas externas quase no precipício - para que o leitor tenha uma ideia: há meses essas contas somente têm fechado com o recurso a dinheiro especulativo externo; a magnitude, em 12 meses, dessa cobertura especulativa (ou, como chama o BC, “necessidade de financiamento”) aumentou de US$ 3,4 bilhões em março para US$ 19 bilhões em setembro, ou seja, em seis meses mais do que quintuplicou (a rigor, quase sextuplicou, pois foi multiplicada por 5,6).
Evidentemente, entronizar por 12 anos (seis + seis de prorrogação, ou seja, quatro mandatos de presidente da República) alguns cavalheiros que somente representam a banca – aliás, o “mercado” - não fará com que a mídia dos bancos seja mais simpática ao senador Renan. Pelo contrário, quanto mais poder, menos consideração com quem se preste a serviçal. A gratidão não é uma virtude monetária – se é que existe alguma virtude que seja monetária.
C.L.

Múlti TIM “financia futuro” com mais R$ 5,7 bilhões do BNDES


“Um ótimo contrato”, declara diretor da TIM
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aprovou mais R$ 5,7 bilhões para a operadora TIM, para financiar investimentos entre 2014 e 2016, segundo reunião do conselho de administração da empresa realizada na terça-feira (29/10). “Estamos financiando o nosso futuro. Essa nova linha de crédito, com prazo de oito anos, vai permitir o financiamento do nosso Capex [investimento em bens de capital] para os próximos três anos, não é [uma questão] de financiar a companhia hoje”, afirmou o diretor financeiro da TIM no Brasil, Cláudio Zezza.
Segundo ele, as condições do financiamento são “muito boas”: uma parte com uso da TJLP mais 2,52% ao ano e outra, taxa Selic mais 2,52% a.a. “Fizemos um ótimo contrato que vai nos permitir reduzir ainda mais o nosso custo com linhas alugadas e ampliar o uso do nosso backbone e redes metropolitanas”, disse. A operadora deu como garantia as receitas com prestação de serviços da TIM Celular.
Essa não foi a primeira vez que a TIM foi contemplada com polpudos recursos do BNDES. Em julho de 2005, a TIM Celular teve aprovado financiamento de R$ 1,3 bilhão para ampliação de sua presença em municípios de suas áreas de atuação.
Em outubro de 2008, o BNDES aprovou a concessão de limite de crédito de até R$ 1,51 bilhão para o Grupo TIM. De acordo com nota divulgada pelo banco, à época, “por meio desse instrumento é aberto um crédito rotativo às empresas. Uma de suas principais vantagens está no prazo de tramitação para os desembolsos, que gira em torno de dois meses, bem inferior à média de seis meses das operações tradicionais”. Em dezembro do ano passado, o limite desse crédito foi aumentado em R$ 2,164 bilhões, através de um aditivo ao contrato de financiamento, passando para R$ 3,97 bilhões.
Em outubro de 2009, levou mais R$ 400 milhões, através de linhas de financiamento do Programa Especial de Crédito, utilizados em capital de giro.
No acumulado de janeiro a setembro deste ano, a TIM teve um lucro líquido de R$ 1,007 bilhão, ante R$ R$ 986 milhões no mesmo período do ano passado.
Ao mesmo tempo, as empresas de telefonia, entre as quais a TIM, sequer cumprem algumas metas de fancaria estabelecidas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que não cobrem integralmente os contratos assinados com os consumidores. Assim, conforme relatório de setembro divulgado pela agência, a TIM descumpriu as metas de banda larga móvel em relação à taxa de transmissão instantânea (velocidade de upload e download apurada na hora da utilização da internet) e à taxa de transmissão média (média das medições de velocidade instantânea no mês).
Além da péssima qualidade de serviços ofertados, a TIM encontrou outra maneira de esfolar o consumidor: derrubando propositadamente as ligações, principalmente no plano Infinity, no qual o cliente paga por ligação e não pelo tempo da chamada. No ano passado, por exemplo, a operadora foi condenada a pagar R$ 24,8 mil a Karinne Marques de Oliveira, que moveu ação acusando a TIM de derrubar de propósito as suas ligações. Segundo o juiz Yale Mendes, do Juizado Especial Cível de Cuiabá, a cliente foi “visivelmente prejudicada pelas quedas constantes e de forma proposital” das chamadas. Apenas no dia 8 de março de 2012 derrubou cerca de 8,1 milhões de ligações em todo país, faturando R$ 4,3 milhões a mais.
A TIM detém 27,17% dos clientes de telefonia móvel no país, logo atrás da Vivo, com 28,71%. Em setembro último, a Telefónica de Espana, que controla a Vivo no Brasil, aumentou sua participação na Telecom Itália, que no Brasil detém o controle da TIM.
VALDO ALBUQUERQUE