quinta-feira, 18 de junho de 2009

O estranho catecismo do sr. Haroldo Lima


O sr. Haroldo Lima é diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo. Sim, leitor, você já sabe disso. Nós é que temos de fazer esforço para lembrar desse fato, diante da conferência que proferiu na Assembleia Legislativa de São Paulo no último dia 15, pois a diferença entre ele e um lobista das multinacionais do petróleo não era perceptível.
Nem mesmo a grosseria das falsificações era diferente. Por exemplo, em seu afã de atacar o monopólio estatal do petróleo, regime que garantiu a propriedade do povo brasileiro sobre esta riqueza decisiva e possibilitou a criação da maior empresa do Hemisfério Sul – justamente a Petrobrás – o sr. Lima disse que “a Argentina estava à nossa frente, mas manteve o monopólio e recuou”.
Parece incrível a você, leitor, que o diretor-geral da ANP não saiba que nunca houve monopólio estatal do petróleo na Argentina? Que não saiba que a estatal petrolífera do país, a Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF), jamais foi operadora de qualquer monopólio? Que exatamente isso era a debilidade da YPF? E não é ainda mais inacreditável que o diretor-geral da ANP não saiba que, enquanto Fernando Henrique quebrava o nosso monopólio estatal, Menem não manteve monopólio algum, que nunca existiu, e, pelo contrário, privatizou a YPF, entregando-a à Repsol, causando o “recuo” argentino?
aÉ difícil crer que o sr. Haroldo Lima seja tão ignorante – sobretudo em assuntos de petróleo, nos quais deveria ser, pelo menos, um interessado. Então, só podemos atribuir esse lapso à excessiva ansiedade por defender a ação das multinacionais sobre o petróleo brasileiro. Ou à falta de argumentos, o que é a mesma coisa.

FHC

Segundo a notícia publicada pelo site “Vermelho”, que se absteve de considerações críticas, procurando descrever objetivamente a conferência, Lima disse que “ao instituir em 1998 a ANP e também o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), o governo FHC deu início à quarta fase da indústria do petróleo, que dura até os dias de hoje. Num mercado agora aberto, sem monopólio, mas com forte presença estatal, a participação do petróleo e do gás no PIB brasileiro dispara — de 2,7% em 1997 para estimados 11% neste ano de 2009. As áreas de produção e exploração somam 72 empresas, e o Brasil alcança a auto-suficiência do petróleo em 2006”.
O sr. Haroldo Lima tem um jeito peculiar de fazer contas. No aumento de 2,7% para 11% do PIB esqueceu-se de computar o aumento do preço do barril de petróleo. Preferiu atribuir o aumento de participação no PIB ao patriotismo de Fernando Henrique.
Assim, segundo Lima, o progresso do Brasil no petróleo foi devido ao governo Fernando Henrique, que quebrou o monopólio estatal ao tirar da Petrobrás o seu papel de operadora dele; que esquartejou a empresa com o objetivo evidente de privatizá-la aos pedaços; que sabotou-a, proibiu-a de investir, adiando por anos a auto-suficiência do país, multiplicou os desastres e acidentes, afundou plataformas e até tentou mudar o nome da empresa para Petrobrax, pois assim seria mais fácil para os “investidores” estrangeiros pronunciar o nome da empresa.
Como observou Fernando Siqueira, presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet), as mais de 70 empresas do sr. Lima até agora só acharam petróleo nas áreas que eram da Petrobrás quando existia o monopólio estatal – áreas em que ela já havia encontrado petróleo. Mas é tão obsessivo o lobby de Lima pelas multinacionais que, ao referir-se à fundação da empresa, há 56 anos, diz ele que “a Petrobrás sai de lá do zero para, em algumas décadas, se tornar uma gigante, capaz até de sobreviver sem o monopólio do petróleo”.
Parece até que foi para isso que o presidente Getúlio fundou a empresa, e não para ser a operadora do monopólio estatal do petróleo, isto é, do controle nacional sobre o petróleo. No entanto, Lima não está passando por cima apenas da passado. O que ele está escondendo é que hoje, sem a Petrobrás como operadora, isto é, sem o monopólio estatal, o país está sendo saqueado, pois o atual regime de concessões às multinacionais significa que o petróleo é de quem o extrai – e somente é do país aquele que ainda não foi extraído, ou seja, aquele que é inútil.

PILHAGEM

Mas Lima tem razões para esconder este fato palmar. Pois a pilhagem, após o envio de Fernando Henrique para a marginalidade política, somente prosseguiu devido ao seu colaboracionismo, à sua capitulação , à sua passagem, depois de empossado na ANP, de nacionalista a entreguista.
Por isso a realidade tornou-se um estorvo. Diz ele: “o modelo adotado (mercado aberto com presença estatal) prevaleceu por força da pressão popular”.
Naturalmente, o modelo que foi adotado por pressão popular, à qual o presidente Getúlio foi mais do que receptivo - como relatou o autor da Lei 2004, Eusébio Rocha – era o monopólio estatal do petróleo, com a Petrobrás por operadora. O modelo de Fernando Henrique, esse que Lima descreve como “mercado aberto com presença estatal” (quando é um mero regime de entrega de áreas da Petrobrás a um cartel estrangeiro), foi estabelecido contra a vontade popular. Em 1953, a campanha do “petróleo é nosso” estava nas ruas. Em 1998, quem foi às ruas lutar para que o petróleo fosse entregue aos estrangeiros? Mas o sr. Haroldo Lima jura que viu o povo exigindo que as multinacionais entrassem no nosso petróleo... Realmente, trata-se de um visionário.
Lima não é um homem afeito à lógica – principalmente quando está advogando causas ilógicas. Diz ele que o monopólio estatal do petróleo é muito bom para “países mais atrasados” e que “a Petrobrás está presente em 27 países — e jamais estaria se mantivesse o monopólio”.
O sr. Haroldo Lima tem o direito, se lhe aprouver, de misturar carambolas com juntas homocinéticas. Mas nem por isso umas serão causas das outras. O que tem a ver o monopólio estatal com a presença internacional da Petrobrás, que já era grande antes de 1998? Nada. A Noruega é o terceiro exportador de petróleo do mundo, que é operado, depois da fusão da Statoil com a Hydro, por uma única empresa, a StatoilHydro, que pertence ao Estado norueguês e está presente em 34 países – mais do que a Petrobrás. Certamente, a Noruega deve ser um país atrasadíssimo. Entretanto, quando o sr. Haroldo Lima convencer o rei da Noruega de que, para aumentar a presença internacional da StatoilHydro, é necessário que a Exxon e a Shell explorem o petróleo norueguês, vai se tornar avançadíssimo...
Exaustivo como é do seu estilo, Lima argumenta que “nosso mercado atual é o que existe em todos os mercados grandes — Rússia, China, Cuba, Índia, etc.”.
Temos um grande respeito por Cuba. Só não sabíamos que a ilha do companheiro Fidel havia se transformado num grande mercado de petróleo, que lá, aliás, é todo ele operado pela estatal Cuba Petróleo (Cupet). A China tem três empresas de petróleo, todas estatais. A Rússia reestatizou as empresas de petróleo e gás que haviam sido privatizadas após o fim da URSS. E a Índia explora petróleo através da estatal Oil and Natural Gas Corp. Nenhum desses países permite essa zona do meretrício que a ANP, supostamente, regula.

PRÉ-SAL

O sr. Haroldo Lima admite que “com o pré-sal, praticamente acaba qualquer risco”. Logo, é evidente que agora o monopólio estatal do petróleo é mais necessário do que antes, já que a descoberta da Petrobrás transformou uma relativa escassez em abundância. No entanto, o sr. Haroldo Lima acha o regime atual tão maravilhoso que só podemos concluir que, se dependesse dele, a entrega de lotes às multinacionais permaneceria exatamente como está na lei mais criminosa que esse país já viu. Em outras palavras, as multinacionais devem explorar nosso petróleo mesmo sem risco algum de não achá-lo.
Mas chega a ser cômica a defesa que faz de sua gestão na ANP, segundo a qual os leilões de áreas petrolíferas “seguiram à risca a lei do setor’”. Se fosse verdade, não seria razão para seguir a lei. É sabido que já houve gente, num lugar chamado Nuremberg, enforcada por seguir uma lei criminosa. Porém, a lei não determina que a Petrobrás seja impedida de ganhar os lotes que quiser. Quem determinou tal coisa, na oitava rodada de leilões, foi o sr. Haroldo Lima. Nesse caso, a lei era inocente.
CARLOS LOPES

Nenhum comentário: