quinta-feira, 16 de outubro de 2008

O fim do mantra neoliberal

GILSON CARONI FILHO*



Se ainda é cedo para avaliar a duração da crise do sistema financeiro e sua intensidade sobre a economia mundial, alguns sofismas que, no apogeu do neoliberalismo, foram elevados à categoria de axiomas, desmoronaram como castelos de areia. Tudo que era líquido e estável se evaporou no estouro da bolha de uma economia alavancada em sua própria irracionalidade.
Na agenda dos economistas neoclássicos, inspiradores de executivos e consultores das grandes corporações, não só o Estado era apresentado como uma instituição estranha à “saudável” acumulação, quase uma excrescência que tinha que ficar contida “nos limites de sua atuação ao essencialmente imprescindível” , como o estudo das ações econômicas dos homens poderia ser feito abstraindo-se as suas dimensões éticas, religiosas e políticas.
Para um mercado exuberante nada melhor que um homem sem história. A equação perfeita compreendia a subordinação da política à economia e desta ao cálculo contábil. Nos “não lugares” da modernidade líquida, o homo economicus vagava como fragmento, como parcela que apenas produz e consome. “Egoísta” e “racional”, encontrava-se com outros homens apenas para negociar suas decisões de compra e venda emitidas por intermédio de sistema de preços. Teria, enfim, trocado a possibilidade do devir histórico pelos mercados derivativos. A harmonia estava assegurada por mercados competitivos e desregulamentados. Nada de Estado impondo seus projetos. O contrato social era a lei do valor enlouquecida.
O que lhe sobrava, na visão instrumental dos players do cassino, era a eliminação de subsídios às empresas, cortar gastos sociais e reduzir de forma acentuada os gastos governamentais. Privatizar, descentralizar, desregulamentar. Eis a santíssima trindade da mística dos fundamentalistas de mercado. Um mantra que se reproduziu por quase duas décadas nos centros acadêmicos e editorias de economia.
Quem ousaria duvidar que estivesse em funcionamento na economia uma série de regras novas, e um tanto desconhecidas, embasando um círculo virtuoso que poderia durar muitos anos ainda? Questões como o crescente endividamento de milhões de americanos que contraíam seus débitos para investir na bolsa, mirando um lucro fabuloso em pouco tempo, eram detalhes que só preocupavam os teóricos da obsolescência. Aqueles que teimavam em se opor a um projeto de exercício do poder político que tinha como premissas a refundação da economia de mercado e a reforma do Estado.
E agora? Como ficam todos os credos quando o efeito dominó do sistema financeiro estadunidense leva o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional(FMI) a decretar o fracasso da tentativa de adoção de mercados globalizados? Quando o governo Bush, seguindo a estratégia dos países europeus, anuncia o investimento de US$ 250 bilhões na aquisição de ações preferenciais de bancos privados “para fortalecer a confiança do público no sistema”? O que fazer com os “sábios” vaticínios de Hayek e Friedman. Conceder o Nobel de Economia a Paul Krugman não é mea-culpa suficiente. É necessário bem mais.
É preciso admitir que as políticas de um Estado regulador de mercado podem não acompanhar o ritmo do processo de desenvolvimento capitalista, mas os modelos de regulação keynesianos continuam imprescindíveis para a manutenção do ambiente institucional requerido para momentos em que o modelo da “competição perfeita” revela seu caráter ficcional. Resta, ainda, admitir que talvez a crise do homo economicus não seja acidental, nem meramente econômica. É constitutiva da amoralidade em que opera um modo de produção que tem como “ ethos” o lucro a qualquer preço.
A necessidade de formular alternativas contra-hegemônicas nunca se mostrou tão urgente. È hora de a esquerda retomar a leitura de seus clássicos, atualizá-los à luz das exigências contemporâneas, recusando toda e qualquer formulação reducionista.Para a anomia do capitalismo o único ativo que não perde valor é a barbárie. Esse tem sido o papel menos volátil quando a taxa de lucro mostra acentuado declínio.

* Professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colaborador do HP e do Observatório da Imprensa e colunista da Carta Maior.

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