segunda-feira, 13 de julho de 2015

Projeto europeu degenerou em totalitarismo financeiro

Rennan Martins: 

publicado em 10 de julho de 2015 às 15:41
european-crisis
A Grécia e a consolidação do totalitarismo de Mercado
A capitulação de Tsipras frente a Troika e a provável continuidade da República Helênica sob a condição de colônia da dívida deveria suscitar mais análises e aprendizado do que reações emocionais, sejam elas de decepção ou soberba. A vitória da banca europeia, personificada no Eurogrupo, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional, tem significados preocupantes aos que se importam com os valores democráticos e solidários.
Primeiramente, há de se constatar que a ascensão da ordem unipolar, resultante da queda da URSS e afirmação dos EUA como potência hegemônica, desencadeou a deterioração da democracia representativa do Estado liberal.
Por não precisar propagandear valores civilizatórios frente a outro projeto de organização político-econômico, o capitalismo avançou sobre as regulações e instituições que o faziam minimamente eficiente no que se refere a distribuição de poder e recursos.
O resultado disso é o surgimento de uma ordem tecnocrática fortemente autoritária, conjugada a um sistema político cooptado pelo poder do Capital financeiro, que desemboca num simulacro de democracia onde as opções eleitorais divergem no discurso, mas se alinham rigorosamente aos cânones da ultraortodoxia monetarista.
O descolamento da gestão econômica dos interesses da sociedade, materializado nas figuras de autoridades monetárias não eleitas e “independentes”, conduz a um extremismo de Mercado tal que foi preciso um partido intitulado da “esquerda radical” para fazer propostas de um modestíssimo keynesianismo, estas rejeitadas com veemência pelos doutos da finança, que as taxaram de irreais, inconcebíveis, impraticáveis, ou coisa que o valha.
A tragédia humanitária grega já foi descrita inúmeras vezes nos últimos meses, mas não custa frisar os dados. Desde o início da austeridade passaram-se seis anos, e de ajuste em ajuste tivemos a queda de 25% do PIB, o arrasto de 1/3 da população para abaixo da linha da pobreza, desemprego que chega aos 60% entre os jovens e a explosão da dívida pública, que saltou de cerca de 100% para 175% do PIB. Nenhuma das previsões da Troika se concretizaram, mas o discurso permanece igual, bastando continuar a cortar gastos e fazer reformas estruturais que a benévola mão invisível do Mercado intervirá a favor de seus fiéis.
Para além desse diagnóstico, persiste a dúvida sobre as razões e motivos do primeiro-ministro Alexis Tsipras ter se rendido a essa altura – após convocar referendo em que se provou outra vez o repúdio do eleitorado as condições draconianas da banca – o que torna ainda mais humilhante a derrota. Suspeito que as instituições tenham jogado pesado entre portas fechadas, chantageando com algo mais sério que a “Grexit”.
As palavras do ex-presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, nos fornecem indícios. Em artigo publicado no jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung, Trichet adverte sobre o “risco geopolítico” de uma ruptura, dizendo ainda que é preciso ter em mente “a proximidade cultural dos gregos com a Ucrânia e a Rússia graças ao vínculo da religião ortodoxa”.
Ora, os minimamente atentos a questão ucraniana tem consciência de que a guerra civil lá desencadeada é fruto da intervenção ocidental, que desde os anos 90 investiu mais de 5 bilhões de dólares promovendo a “democracia” e os “direitos humanos” nos Bálcãs, que por sua vez se despedaçou em conflitos étnicos e movimentos separatistas. A Ucrânia hoje é terra arrasada, submetida também ao FMI, sendo governada por uma junta cleptocrata imposta por Washington.
Em suma, o que muito provavelmente ocorreu foi a ameaça de enveredar a Grécia no mesmo caminho da Ucrânia. Não parece uma decisão fácil de ser tomada e o Estado grego definitivamente não teria condições de se defender, portanto, a problemática está consideravelmente além de especulações sobre a idoneidade e sinceridade de Tsipras e seu partido, Syriza.
Resta a perplexidade diante do projeto europeu de integração solidária que degenerou em totalitarismo financeiro, e a constatação de que, tudo o mais constante, a sociedade ocidental está fadada a um regime crescentemente violento e desigual.
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